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segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Astronautas não são eternos

(Ademir Braz) Sem sabê-lo cúmplice ou algoz, ouço com angústia o celular em silêncio. Tudo em mim dói. Há em mim só marasmos. Tenho a alma em frangalhos. Nós, de um amargor de fel intenso, sobem-me à boca entre espasmos. Espreito-me, forasteiro de mim. Sou pássaro sem canto na cilada que o imprevisto amor armou-me, enfim. Nada ficou. Sequer a auto-estima. Prisioneiro tardo, olho-me de soslaio: Sou fruto peco sem a luz que vem de cima. Voou para longe a grave e ruiva alvorada e sei: se tentar segui-la, eu plano e caio e nunca mais talvez reveja outra alvorada. Mas eu, que nunca me caibo, eu vou revê-la. Ícaro suicida, voarei. Minhas asas de cera, uma flor na mão, uma quimera - voarei. Até virar, amor, estrela entre as estrelas. (Tucumã, 21.09.07)

Memória de dois americanos sem rumo

Naquele remoto 7 de maio dum ano que não recordo, Curionópolis em festa comemorava 16 de emancipação. Havia inaugurações na cidade e em Serra Pelada, onde se abria um estádio de futebol com muitos jogos, homenagens às mães, e ginkana estudantil entre colegiais do estado e do município. Sebastião Curió, o prefeito, estava sentado no centro e à frente do palanque construído na porção mais alta da margem da estrada que rasga a cidade ao meio, assistindo desfile escolar com banda de música, e você jurava tratar-se de um faraó cercado de políticos e cortesãos. Em Canaã dos Carajás, o cyber-café sem café e sem água ficava ao lado da TV Liberal. Ambos, ninguém diria, até dois anos atrás não passariam talvez de sonho para a comunidade quase isolada entre florestas e morros na esquina da Serra de Carajás. Íamos pela tarde daquela segunda-feira e divertia-me a impaciência com que os dois americanos aguardavam a morosa abertura de acesso ao sítio que buscavam no ciberespaço, talvez ansiosos de saudade da sua civilização. Era tanto o calor que doía-me a cabeça. O motorista Marinho cochilava sentado perto de mim e lá fora o tempo ameaçava desabar como um castigo sobre Armagedon e o resto de floresta. O advogado Mark London estava sentado à frente da tela azul e branca do computador e segurava a cabeça com as duas mãos. O outro, Brian Kelly, teve mais sorte: sustentava o queixo com uma das mãos cujo braço apoiava no balcão baixo do computador confinado entre divisórias que não davam qualquer privacidade, mas conseguira chegar ao lar e estudava textos do U.S News, do qual era editor-executivo. Eu imaginava, com certo prazer maligno, com áspera perfídia, como reagiriam os dois se soubessem que, a despeito do nosso atraso tecnológico, a vizinha Parauapebas tornara-se o centro nacional dos mais ladinos hackers do Brasil. Juntos, Kelly e London revisitavam essa parte do mundo que conheceram nos anos 80 do século passado, num tempo em que 80 mil homens desmontaram a muque e transportaram nas costas, em porções ensacadas uma a uma, a serra inteira cheia de ouro. Dessas andanças e lambanças escreveram um livro sobre aquela tragédia amazônica. Só depois li o livro, livro fantasioso e romanesco, embora tratasse com com a crueza necessária o faroeste instalado em todo o sul do Pará. Agora eu os ciceroneava ouvindo-os falar em sua língua arrevesada, saída das fossas nasais. Brian Kelly mantinha-se calado desde que começara a jornada. Não falava português, não falava espanhol, não falava. Parecia um bacurau mal-humorado a tentar esconder-se como mãe-da-lua sobre um toco e desde o começo nos ilhamos num ressentimento birrento e mútuo que durou toda a viagem. Mark London falava pelos cotovelos com Kelly ao mesmo tempo em que dirigia-se a mim em espanhol e eu respondia em marabanês – quem quiser que aprenda minha língua. De pura sacanagem, a intervalos eu falava rapidamente com Marinho, caladão e atento ao volante, e lhe dizia coisas sem contexto e sentia o gringo a espichar as oiças para ouvir, tentar entender sem entender. Besta perda de tempo com a mais lascada provocação... O que eu fazia era indagar do motorista o que ele achava da estrada, que tempo levaríamos naquela cruzada desde Marabá, no calor insuportável, e ele respondia por monossílabos suspeitos e ininteligíveis sem olhar-me, no seu jeito tímido esquisitão, e eu continuava a falar sobre qualquer coisa sem importância, só por falar, falar, falar, animado demônio falastrão e crisipeiro - o que assanhava ainda mais o despautério gringo eh eh eh. A viagem durou todo o dia e suas metas vieram pela metade: não fomos ao garimpo e só passamos por Eldorado de Carajás, onde deu ao menos para ver o monumento à chacina de trabalhadores sem-terra e à impunidade que acalanta os criminosos. Gastou-se verbo em demasia numa entrevista com Sebastião Curió, em Curionópolis, e faltou racionalizar o tempo. Por fim, não sei bem o que se foi fazer em Canaã, uma cidadezinha inventada fora do tempo e do espaço, no fim de uma picada que conduz a lugar nenhum.

Hidrelétrica

A estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que a usina hidrelétrica prevista para construção no rio Tocantins, em Marabá, aqui nos limites com São João do Araguaia, vai produzir 2.014 MW dos 5.858 MW que deverão gerar, juntas, as sete unidades em irão a processo de licitação. É o maior projeto do plano da EPE, que vai investir R$ 133,6 bilhões, mais R$ 33,9 bilhões em linhas de transmissão, para aumentar a capacidade de geração de energia de 45,1 mil MW a 50,6 mil MW até 2016. Em Marabá, a preocupação que deveria estimular o debate seria quanto à dimensão da área inundada para formação do lago em área de imensos sítios arqueológicos ainda pouco estudados, e a destruição e desaparecimento de incontáveis recursos de interesse turísticos. Outro aspecto é quanto à construção de eclusas, sem as quais não será possível construir a Hidrovia Araguaia-Tocantins, muito mais importante do que a geração de energia para empresas isoladas de mineração e pouca geradora de empregos, ainda assim especializados. A consulta de opinião pública sobre a hidrelétrica ocorre hoje à noite, aqui, no ginásio coberto.