Pages

sábado, 7 de julho de 2012

Novas bases militares, velhos interesses

No Blog do Miro

Por Patrícia Benvenuti, no jornalBrasil de Fato:

As expectativas de novas relações entre Estados Unidos e América Latina continuam cada vez mais distantes. Movimentações recentes, com vistas à instalação de novas bases militares, revelam a tentativa estadunidense de aumentar sua influencia na região. 
Em 5 de abril, foram concluídas no Chile as obras do Centro de Treinamento de Pessoal para Operações de Paz em Zonas Urbanas. Localizada em Forte Aguayo, em Concón, na região de Valparaíso, a base foi construída em 60 dias, tempo considerado recorde para um projeto do tipo. 

A estrutura é composta por oito edifícios, que simulam uma pequena cidade. O custo da base, financiado pelo Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, foi de quase 500 mil dólares. O centro será destinado ao treinamento das chamadas Forças de Paz das nações latino- americanas que integram missões das Nações Unidas. 

Já no Peru, o Governo Regional do departamento de Piura (norte do país) entregou a representantes do Comando Sul dos Estados Unidos um terreno de dois hectares para que seja construído o novo Centro de Operações de Emergência (Coer) para Piura, capital do departamento. 

Segundo informações da imprensa local, representantes do Comando Sul já realizam estudos e estimam que, até julho, o projeto para o centro estará pronto. A obra deverá ter um custo de 500 mil dólares. 

Com as duas novas unidades, chega-se à marca de 49 bases militares estrangeiras na América Latina, segundo levantamento do Centro de Estudos e Documentação sobre Militarização. 

Outra base estadunidense estava prevista para a Argentina, mas o plano não foi em frente. O objetivo dos Estados Unidos era instalar um “centro de emergência” em um edifício no perímetro do aeroporto da cidade de Resistencia, capital da província de Chaco, no nordeste do país. 

A permissão para a instalação do centro já havia sido outorgada pelas autoridades locais da província do Chaco. Entretanto, o plano foi rechaçado pelo governo nacional, que, depois de vários protestos de organizações sociais, mandou suspender as negociações.

Política continuada 
A instalação das novas bases é vista com preocupação pelo professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC e membro do Instituto de Estudos Latino Americanos (Iela), Nildo Ouriques. Para ele, o fato mostra que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, mantém uma política “imperialista” para a região. 

“Ninguém amplia bases militares para fortalecer relações de solidariedade e amizade”, alerta. 

A opinião é compartilhada por Pablo Ruiz, que integra, no Chile, a Equipe Latinoamericana do Observatório da Escola das Américas (Soaw). 

“No começo tivemos esperança em Obama, quando disse, especialmente, que queria ter uma relação de respeito com nosso continente. Mas as esperanças terminaram faz muito tempo“, diz.

Militarização 
A construção de bases militares estadunidenses na América Latina não é um fenômeno novo, como lembra o professor de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero Igor Fuser. Durante as décadas de 1970 e 1980, porém, não havia necessidade de uma presença militar mais efetiva, pois os próprios governos nacionais, alçados ao poder por meio de golpes de Estado, levavam adiante os interesses dos Estados Unidos na região. Sua força continuou nos anos 1990, com a eleição de governos neoliberais simpáticos ao país. 

A comodidade estadunidense começou a ruir com a ascensão de governos progressistas como o de Hugo Chávez, em 1998, fenômeno que se estendeu a outros países a partir da década de 2000. Junto veio o fracasso do projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nesse momento, segundo o professor da Cásper Líbero, as bases apresentaram-se como solução. 

“Os Estados Unidos perceberam a falta de um instrumento mais eficaz para garantir seus interesses políticos e econômicos na região. A saída que eles encontram foi intensificar a presença militar direta na América Latina”, afirma Fuser. 

Fato emblemático do aumento da militarização, para ele, foi a reativação da Quarta Frota da marinha estadunidense, em 2008. Criada em 1943, durante a II Guerra Mundial, para conter os avanços nazistas, a unidade havia sido desativada em 1950.

O Brasil e seus recursos 
Dentre os vários interesses estadunidenses na região, o controle dos recursos naturais aparece como um dos mais importantes. Nesse sentido, para o jornalista uruguaio Raúl Zibechi, o Brasil torna-se um grande alvo dessa nova ofensiva. 

Detentor das riquezas da Amazônia, o Brasil tornou-se um país ainda mais atrativo devido à descoberta da camada pré-sal. Com isso, segundo ele, a tendência é de que o “traçado” das bases, daqui para frente, vise a “cercar” o Brasil. 

“Com o pré-sal as coisas se complicam, e a Marinha começa a ter um papel mais importante do que antes”, diz. 

Nesse sentido, aponta Fuser, o Brasil deve adotar uma posição firme de repúdio às bases, não só para proteger seus recursos naturais, mas também de solidariedade em relação a seus vizinhos. 

“A perspectiva de uma América do Sul integrada, como o Brasil defende, inclui como ponto essencial a afirmação plena da soberania. Um país não pode ser plenamente soberano se ele tem uma base militar estrangeira instalada no seu território”, diz.

Consequências 
Os países para onde estão previstas as novas bases já temem as consequências da militarização. No Chile, a instalação da base tem gerado protestos de diversas organizações. Em carta dirigida ao ministro de Defesa, Andrés Allamand, comissões de direitos humanos, grupos de familiares de executados políticos, intelectuais e movimentos sociais afirmam que os Estados Unidos não têm “qualidade moral para ensinar operações de paz”. 

O principal receio é de que a base sirva para conter manifestações sociais que vêm acontecendo nos últimos anos em território chileno, organizadas por estudantes e defensores de direitos humanos. 

Já no Peru o principal desdobramento da instalação da nova unidade militar deverá ser a intensificação da chamada “guerra às drogas”. A base de Piura, segundo o analista político peruano Guillermo Burneo, terá objetivo semelhante à base área de Manta, no Equador. Desativada em 2008 por determinação do presidente Rafael Correa, a estrutura tinha por objetivo oficial combater o narcotráfico na região. 

Com o aumento da repressão ao narcotráfico, argumenta Burneo, os Estados Unidos podem impulsionar seu mercado de equipamentos bélicos – algo que se torna especialmente importante agora, diante da crise econômica pela qual passam os estadunidenses. 

“Dar treinamento a nossos exércitos é uma maneira de nos submeter à sua logística e o que isso implica, que é a compra de armamentos”, afirma Burneo.

Eu não sabia


Gosta da feira-livre da Folha 28 aos domingos de manhã. É uma festa para os olhos a profusão de frutas e sotaques, dvd’s genéricos misturados a camarões e abacaxis.
Mas, domingo passado encontrei um produto novo e inimaginado. Estava eu comprando um peixe para levar às brasas e quando pedi ao peixeiro que o limpasse bem da gordura excessiva, uma mulher ao lado protestou:
- Tira a gordura não, moço, que ela é boa pra saúde. É nela que está o MP3!

Como funciona a máquina da desigualdade no Brasil


No Boilerdo



A máquina da desigualdade

por Tânia Bacelar*

Concentração dos meios de produção, orientação do mercado para a exportação e o consumo de luxo, atuação oligopolizadora do Estado, mentalidade senhorial das classes altas: esses quatro fatores estão na raiz dos abismos sociais e regionais. Mas há sinais promissores de mudanças
por Tânia Bacelar*, no Le Monde Diplomatique, sugerido pela Alexandra Peixoto (em 08.11.2007**)Via  Viomundo

O Brasil aparece no cenário internacional como um exemplo de país capaz de realizar grandes avanços econômicos – colocando-se entre as mais importantes bases produtivas do mundo em desenvolvimento – sem deixar de ser uma sociedade fraturada, marcada por enormes diferenças de padrões de vida e de oportunidades entre seus habitantes. Ao mesmo tempo, esse país continental e magnificamente diversificado exibe acentuadas desigualdades entre suas regiões, expondo hiatos inaceitáveis.
Esse perfil foi-se estruturando ao longo de séculos e se exacerbou quando, no século XX, o país se urbanizou e industrializou de forma acelerada. Por quê? – devemos nos perguntar. Parecem existir algumas causas fundamentais.
Para explicar a produção (e reprodução) das desigualdades sociais, quatro causas merecem destaque. Primeiro, esse quadro tem a ver com a forma como a população do Brasil tem acesso aos meios de produção. A concentração da riqueza e a dificuldade de acesso aos meios de produção são traços históricos na formação brasileira. A terra, ativo fortemente concentrado em mãos de poucos, é um meio de produção importante em um país que se apresenta ainda hoje como uma das potências agroindustriais do planeta e promete ser, no futuro próximo, um dos líderes mundiais da produção de energia com base na biomassa.
Passando da agricultura para a indústria, verifica-se que o perfil de acesso aos meios de produção necessários à atividade industrial também é muito concentrado. O Brasil está entre os países onde o padrão oligopolizado no setor secundário é dos mais fortes. Dos bens mais simples aos mais complexos, o perfil produtivo brasileiro tem a marca da concentração. Um intenso processo de oligopolização predominou na maioria dos setores industriais, e a ampliação recente do grau de desnacionalização só fortaleceu esse traço. Se a forma de organizar a produção é essa, a apropriação da renda gerada pela atividade industrial só pode ser concentrada.
Produção para o mercado externo e de elite
A segunda grande explicação é a orientação da produção, resultado do modelo de desenvolvimento seguido pelo país. Um modelo orientado para dois grandes mercados: o das elites e classe média alta brasileiras e o externo. O país foi capaz de apresentar grande dinamismo econômico no século XX, demonstrou uma enorme capacidade de dar respostas positivas a importantes desafios, mas confere desproporcional preferência a determinados mercados.
O parque produtor foi montado para esses mercados, que são muito dinâmicos e, por isso, estimulam respostas tão eficientes. Porém, não se conseguiu gerar um parque produtor de bens de consumo de massa, nem sequer se construíram padrões de consumo semelhantes a países com renda e dinamismo muito menores.
Por exemplo, o consumo médio de tecidos (metros por pessoa/ano) é muito pequeno, se comparado a países com níveis de renda semelhantes; o mesmo se repete nos casos de consumo de alimentos, calçados etc. Isso tem um significado: ainda existe um enorme espaço a construir no consumo de massa, que não foi priorizado até bem recentemente.
Esse mercado, no entanto, parece estar sendo descoberto nos anos recentes. Vários fatores vêm-se associando para isso. A inflação sob controle, mantendo o poder de compra dos consumidores, a ampliação significativa de programas de transferência de renda para as camadas mais pobres da sociedade, a adoção de uma política de recuperação do valor real do salário mínimo, ao lado da forte expansão do crédito ao consumidor, são elementos que explicariam a ampliação do consumo da grande massa de brasileiros que vive da renda do trabalho.
Estudos recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram os avanços observados na redução dos desníveis de renda no país. Paes de Barros e outros, no Texto para discussão número 1304, publicado em 2007, estudam a redução do grau de desigualdade na remuneração do trabalho e mesmo na renda per capita, na última década. Segundo esses pesquisadores, exceto no que se refere à segmentação entre os chamados mercados formal e informal, todas as formas de discriminação declinaram no país, embora os diferenciais por gênero e por grau de segmentação formal-informal ainda sejam muito elevados (trabalhadores com idênticas características em postos de trabalho similares apresentam diferencial de 40%).
Por sua vez, Sergei Soares e outros, também do Ipea, no Texto para discussão número 1293, publicado em 2007, mostram com clareza o peso dos programas de transferência de renda na redução da concentração da renda do trabalho nos anos recentes, indicando que o impacto sobre a desigualdade equivale a 21% da queda de 2,7 pontos do índice de Gini calculado para a renda do trabalho gerada no país.
Os dois estudos estariam a sinalizar um novo momento na vida brasileira, com indícios importantes de alteração do velho movimento de reprodução das desigualdades sociais aqui existentes.
Dados de pesquisa do IBGE sobre o comportamento das vendas no comércio varejista (PMC – Pesquisa Mensal do Comércio) mostram duas outras novidades: nos anos recentes, o consumo das camadas mais pobres cresce a taxas chinesas, puxando as vendas no varejo em todo o país, e a liderança nesse comportamento fica com os estados mais pobres do Norte e do Nordeste.
Estaria sendo desmontada uma velha tendência de reproduzir de forma ampliada as desigualdades sociais e regionais ou o movimento ainda não tem força suficiente para tal? Essa questão não encontra resposta clara e consensual, mas os dados são animadores, pelo menos no que se refere à renda do trabalho.
A terceira explicação está, certamente, no papel do Estado brasileiro. Na verdade, ele foi o grande agente promotor do desenvolvimento econômico, com concentração social e regional de renda, no Brasil do século XX. Quem patrocinou a oligopolização da base produtiva do país foi o Estado. Quem estimulou a orientação da oferta de bens para o exterior e para a demanda das classes de renda alta e média foi o Estado.
Aqui, ele não atua contra-arrestando as tendências naturais de uma economia capitalista. Atua consolidando, reforçando, essas tendências. Em livro de 1994, Repensando a dependência, Lídia Goldenstein faz duas observações muito importantes para compreender o papel desempenhado pelo Estado brasileiro na montagem de processos concentradores e geradores de desigualdades.
Ela diz, inicialmente, que aqui atuou um Estado desenvolvimentista – o que é inegável. Ele foi o grande patrocinador da expansão da atividade econômica nos anos recentes. Nesse mesmo período, o Estado de bem-estar social se desenvolvia em outras áreas do mundo. Não foi esta a nossa opção. O Brasil nunca teve um Estado essencialmente provedor de educação, saúde, saneamento básico etc. Mas teve um Estado que construía estradas, montava sistemas de comunicação, estatizava empresas para modernizá-las e ofertar insumos básicos muitas vezes a preços mais baratos que os custos de produção e assim por diante.
O Estado brasileiro foi o grande condutor do que os marxistas chamariam “desenvolvimento das forças produtivas”. Foi esta a tarefa principal que o Estado atribuiu a si próprio, especialmente na passagem do Brasil agrário-exportador para o Brasil urbano-industrial, no século XX. Essa orientação estratégica, aliás, aparece nos lemas dos diversos governos: “Fazer cinqüenta anos em cinco”, de Juscelino Kubitschek, ou “construir o Brasil grande potência”, do período militar. Foram estes os grandes slogans que orientaram a presença do Estado na vida social do país. Por isso mesmo, tem-se um Estado muito ausente no campo social. Todos os meios, toda a energia, estavam concentrados na tarefa de construir a oitava economia industrial do mundo ou o Brasil grande potência.
Além disso, o Estado desenvolvimentista brasileiro tem outra característica: é um Estado desenvolvimentista conservador. Mesmo no mundo capitalista, existiram Estados contemporâneos transformadores. Dois exemplos são muito interessantes. O Japão não é produto das livres forças do mercado, mas de uma articulação exitosa entre o Estado, os grandes grupos e a sociedade, que tinham um projeto a realizar. Qual foi a grande tarefa do Estado japonês? Disseminar o acesso à educação. Não foi o setor privado que fez isso, foi o Estado. O acesso generalizado a esse bem básico, a esse ativo cada vez mais estratégico que é o conhecimento, deu suporte à trajetória exitosa do Japão. O Estado japonês penetrou na sociedade e democratizou o acesso ao conhecimento. O Estado brasileiro nunca fez isso.
Em pleno século XXI, a revolução educacional ainda está por ser feita no Brasil. As elites nacionais não têm essa sensibilidade e o Estado sempre se negou a assumir a tarefa. Ele fez estradas, produziu energia, concedeu subsídios, financiou investimentos, mas não fez a revolução educacional que o Estado capitalista japonês promoveu.
O segundo exemplo é o da Coréia. Lá, o Estado fez a reforma agrária e ela serviu de base para o desenvolvimento industrial. O Estado interferiu nas relações de propriedade, mirando o ativo terra, e atuou para redistribuí-lo. A partir da reforma agrária, estimulou a montagem do parque industrial que depois se internacionalizou. No Brasil, o Estado desenvolvimentista sempre fez o contrário: evitou enfrentar a questão fundiária, herdada de nossa formação colonial. Em todos os pactos políticos dominantes, os oligarcas estiveram presentes e impuseram essa orientação.
A reforma agrária sempre adiada
Não é à toa que, no Brasil, se montou uma fantástica base produtiva industrial e urbana, não se fez a reforma agrária, mas também não houve uma crise agrícola. Este é um país que consegue aumentar significativamente a produção agrícola, colocar cerca de 80% da população nas cidades em menos de meio século e ser um grande produtor de alimentos, sem fazer reforma agrária. Tal façanha foi possível porque a base agropecuária transbordou para o Centro-Oeste. Nessa região, foi preciso construir cidades, levar estradas, montar sistemas inteiros de comunicação e de armazenagem — tudo isso a custo elevado — para não mexer com a estrutura de propriedade nas áreas de ocupação já consolidada.
Eis aí uma marca do Estado brasileiro como agente histórico da produção de desigualdades, tanto sociais quanto regionais.
Em escassos momentos, o Estado desenvolvimentista brasileiro conduziu políticas regionais ativas e contribuiu para amenizar a trajetória da produção e reprodução das desigualdades entre as regiões ou assistiu suas empresas produtivas investirem na desconcentração da base industrial no amplo território do país.
Em crise financeira agônica desde o “choque dos juros” dado pelos Estados Unidos no final dos anos 70, o Estado brasileiro tornou-se deficitário e, endividado, ficou refém de seus credores. Passou, assim, a atuar como agente da concentração da renda nacional, na medida em que serve uma dívida interna que não pára de crescer (embora sua relação com o PIB tenha diminuído nos anos recentes) e cuja rolagem só favorece os rentistas, credores dos títulos que o governo tem de emitir permanentemente.
A quarta grande explicação não é econômica, mas cultural. Trata-se da mentalidade das elites brasileiras. Às vezes, como economista, procuro entender por que um país dinâmico como este tem um salário mínimo tão vergonhoso. Seria possível ter um salário mínimo maior? Do ponto de vista econômico, sim. Nas fases de grande expansão econômica, em especial, a produtividade do trabalho cresceu muito e certamente comportaria um salário mínimo muito maior. Mas a visão dos nossos dirigentes – públicos e privados – não é essa. Quem me deu tal certeza foi um grande psicanalista brasileiro, que disse ter aprendido, no seu consultório, a observar um grande problema da sociedade brasileira: somos herdeiros de quatro séculos de escravidão e menos de um século de libertação. E a visão dos que se situam no comando da sociedade ainda é a da escravidão, na qual o trabalhador é visto como alguém que existe para produzir.
Esta não é a visão das elites de todos os países capitalistas. Em muitos deles, se consegue ver o trabalhador como alguém que vai produzir e consumir. Percebe-se que é bom para o dinamismo econômico se o trabalhador tiver renda para consumir, porque isso amplia a economia de mercado. No Brasil, não. Dificilmente existirá no mundo outro país com margens de lucro tão fantásticas e padrões de remuneração do trabalho tão modestos. Por que a economia do Brasil cresceu tanto ao longo de várias décadas no século XX? Em parte, porque as margens de lucro eram elevadíssimas aqui.
Recentemente, um turista que esteve em Recife, hospedado num hotel quatro estrelas, com quase cem leitos e diária de 95 dólares, perguntou à telefonista quanto ela ganhava. A resposta: salário mínimo. Na outra semana, ele foi à Europa e, coincidentemente, hospedou-se num hotel semelhante, de tamanho análogo e com diária de cem dólares. O faturamento nos dois empreendimentos, a plena capacidade, era, portanto, muito próximo. Mas, nesse segundo caso, a telefonista ganhava muito mais. A margem de lucro associada a tamanha diferença é enorme, mesmo que se considere a existência de diferenciais nos impostos e na taxa média de ocupação. As elevadas margens de lucro estão impregnadas na nossa mentalidade empresarial. A longa experiência do período hiperinflacionário ajudou a consolidar tal distorção.
Uma questão de visão de mundo
Mas o foco da diferença é muito mais profundo: está também na visão de mundo, na percepção que grande parte do empresariado tem de si mesma e do restante da sociedade brasileira. Tal diferença não tem explicação apenas econômica.
Outro exemplo é o de um recifense que fez uma experiência no condomínio onde mora, servido por seis empregados que ganham um salário mínimo por mês. Ele fez as contas e viu que seria possível duplicar o salário dos funcionários se cada morador se dispusesse a pagar um pequeno extra na taxa condominial. Levou essa proposta para a assembléia do condomínio – um prédio de luxo à beira-mar – e foi fragorosamente derrotado. O adicional devia equivaler a um lanche que aqueles moradores fazem quando voltam do cinema. Pois bem, as pessoas não quiseram pagar essa quantia por mês para duplicar o salário dos seus empregados.
A razão deve estar associada à mentalidade dos mais ricos, que é assimilada pela classe média e penetra fundo na sociedade. Essa visão está impregnada no tecido social e é muito difícil mudá-la.
Apesar dessas quatro “máquinas” de produção e reprodução de desigualdades, o Brasil vem mudando, muito lentamente, seu perfil estrutural: uma nação economicamente moderna e uma sociedade socialmente frágil. Os avanços na oferta do ativo conhecimento são lentos, mas a sociedade perece mais convencida de sua importância estratégica.
O auge da concentração regional foi atingido nos anos 70 do século passado. Diversos estudos têm mostrado o aumento do peso econômico de regiões como o Centro-Oeste e Norte. E, nos anos recentes, de baixo crescimento médio da economia do país, o Nordeste conseguiu revelar potenciais importantes e crescentemente valorizados, inclusive por grandes grupos transnacionais.
Embora o padrão herdado de desigualdades sociais e regionais seja muito elevado para se alterar num curto intervalo de tempo, observam-se novas tendências, em geral menos concentradoras. É um bom começo.
Uma observação final aponta para sinais de valorização da magnífica diversidade regional do país. No passado, a enorme concentração econômica domou a diversidade e um certo afã de ser São Paulo tomou conta do país. Nos anos recentes, as deseconomias de aglomeração ficaram evidentes na Grande São Paulo, e o país dá sinais de redescobrir a importância de sua heterogeneidade ambiental, econômica, social e cultural. E começa a pensar nisso como um trunfo. Essa visão pode ajudar a desmontar uma das “máquinas” de geração de desigualdades, tanto sociais como regionais. Políticas regionais de nova geração, embora incipientes, trabalham esse lado positivo da realidade nacional e aprendem a formular propostas em múltiplas escalas, dissecando em cada uma delas as forças concentradoras e homogeneizadoras e as que a elas se contrapõem, contribuindo para a desconcentração e a valorização da rica diversidade do país.
*Tânia Bacelar é economista e socióloga, doutora em Economia, professora da Universidade Federal de Pernambuco e sócia da Ceplan – Consultoria Econômica e Planejamento

Incra: maior desmatador da Amazônia

O Ministério Público Federal (MPF) iniciou essa semana uma nova etapa da atuação contra o desmatamento ilegal na Amazônia. Foram ajuizadas ações em seis estados – Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre e Mato Grosso – que apontam o Incra como o maior desmatador da região. As ações reúnem dados inéditos sobre o desmatamento em assentamentos de reforma agrária que mostram que cerca de um terço das derrubadas ilegais vêm ocorrendo nessas áreas.
“Os procedimentos irregulares adotados pelo Incra na criação e instalação dos assentamentos vêm promovendo a destruição da fauna, flora, recursos hídricos e patrimônio genético, provocando danos irreversíveis ao bioma da Amazônia”, dizem as ações iniciadas essa semana, resultado de investigação conjunta que demorou um ano para ser concluída.
A participação do Incra no volume total de desmatamento da região também vêm crescendo por conta da regularização ambiental da atividade pecuária. Historicamente, a criação de gado em áreas particulares era o principal vetor do desmatamento, mas dois anos depois dos acordos da carne legal, iniciados no Pará, as derrubadas em assentamentos estão ficando mais preocupantes. Elas representavam 18% do desmatamento em 2004, mas em 2010 atingiram um pico: somaram 31,1% de todo o desmatamento anual na Amazônia.
As ações relatam à Justiça Federal os danos em cada estado. Em comum, em todos os processos o MPF pede a interrupção imediata do desmatamento em áreas de reforma agrária, proibição de criação de novos assentamentos sem licenciamento ambiental e um plano para licenciar os assentamentos existentes, bem como para averbação de reserva legal e recuperação de áreas degradadas, com prazos que vão de 90 dias a um ano.
As ações judiciais foram elaboradas pelo Grupo de Trabalho da Amazônia Legal, que reúne procuradores da República de toda a região, e ajuizadas em seis dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal. Amapá e Tocantins ficaram de fora por terem números inexpressivos de desmatamento nas áreas de reforma agrária. O Maranhão, que tem uma das situações mais graves nos assentamentos, está concluindo o inquérito sobre o assunto.
Cem metrópoles - A área já desmatada pelo Incra corresponde a 20 anos de desmatamento se mantido o ritmo atual, de cerca de 6 mil km2 por ano. De acordo com a investigação, até 2010 o Incra foi responsável por 133.644 quilômetros quadrados de desmatamento dentro dos 2163 projetos de assentamento que existem na região amazônica.
Para se ter uma ideia do prejuízo, a área desmatada é cerca de 100 vezes o tamanho da cidade inteira de São Paulo. Só no ano passado, dentro de assentamentos já criados do Incra, foram perdidos 1 milhão e 668 mil hectares em floresta (um hectare é o tamanho médio de um campo de futebol). Entre 2000 e 2010, foram mais de 60 milhões de campos de futebol em florestas que vieram ao chão.
O MPF fez um cálculo com base no valor comercial dos produtos madeireiros e chegou a um valor total de R$ 38, 5 bilhões em danos ambientais causados pelo Incra em toda a Amazônia. O valor corresponde ao que foi desmatado entre 2000 e 2010 e calculado pelos valores mínimos do mercado.
Os números foram obtidos por três instituições distintas, a pedido do MPF, em análise das fotos de satélite dos assentamentos. Ibama,  Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) chegaram às mesmas conclusões: o desmatamento está descontrolado nas áreas de reforma agrária. “Temos então que os assentamentos instalados pelo Incra responderam por 18% dos desmatamentos verificados na Amazônia Legal nos últimos 10 anos”, dizem os procuradores da República nas ações judiciais.
De acordo com o Imazon, os assentamentos mais desmatados estão no Pará, Maranhão e Mato Grosso. São 764 assentamentos (287 no PA, 207 no MA e 117 no MT) que juntos desmataram mais de 64 mil hectares até 2010. Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo. Nesses locais, entre 75% e 100% da cobertura vegetal foi derrubada ilegalmente, o que acrescenta a ausência da reserva legal na lista de infrações ambientais do Incra. Na Amazônia, o Código Florestal prevê reserva legal de 80% da cobertura vegetal, em propriedades privadas e também nas áreas de reforma agrária.

Amazônia continua sendo uma colônia, afirmam os bispos católicos da região

No Manuel Dutra:

Encontro em Santarém tentou retomar retórica dos anos 70

Como que respondendo a críticas de que, nas últimas décadas, a Igreja Católica no Brasil se despolitizou e se tornou conservadora, os 37 bispos reunidos em Santarém, no Pará, durante esta semana, emitiram uma nota prévia ao documento final ainda em preparação, onde se percebe uma linguagem próxima ao chamado Documento de Santarém, produto da reunião realizada nesta cidade amazônica há 40 anos.
Dom Esmeraldo  de Farias (de Porto Velho) fala entre o secretário geral da CNBB,
dom Leonardo Steiner (dir) e o cardeal Cláudio Hummes (esq)
Foto: MDutra
 Não foram tranquilas a elaboração e a discussão dos pontos focais do encontro dos religiosos da Amazônia, com as presenças do secretário geral da CNBB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Leonardo Steiner, e do cardeal Cláudio Hummes. A primeira crítica séria foi feita logo no primeiro dia por alguém da própria Igreja, o bispo hoje aposentado dom Moacir Grecchi, destacado oponente do regime militar, por longos anos sob ameaças de morte.
Grecchi lamentou, em entrevista à imprensa, o virtual abandono das Comunidades Eclesiais de Base, as famosas CEBs que, nos anos 70, deram muito trabalho aos militares por suas lutas em favor da demarcação de terras indígenas, a propriedade das terras e a justiça social de modo geral. O ex-bispo do Acre chegou a opinar sobre a religiosidade popular, dizendo que o Círio de Nazaré, realizado em Belém no mês de outubro, “tem raízes de fé, mas que isso não seja o centro da nossa fé”, numa evidente crítica a uma religiosidade desconectada dos graves problemas sociais na região.
Entre outras coisas, o resumo do documento final, que será enviado ao papa Bento 16 antes de sua divulgação, traz as seguints observações dos bispos:
“As decisões sobre o desenvolvimento da Amazônia sempre são tomadas a partir de fora e visam única e exclusivamente à exploração das riquezas naturais sem levar em conta as legítimas aspirações dos povos desta região a uma verdadeira justiça social...”
“Como quarenta anos atrás, a Amazônia continua sendo considerada a “colônia“, mesmo que abranja mais da metade do território nacional. Para a metrópole – Brasília, o sudeste e o sul do País – Amazônia é apenas “província“, primeiro província madeireira e mineradora, depois a última fronteira agrícola no intuito de expandir o agronegócio até os confins deste delicado e complexo ecossistema, único em todo o planeta. De uns anos para cá a “província“ recebeu mais um rótulo, sem dúvida o mais desastroso, pois implicará a sua destruição programada, haja vista o número de hidrelétricas projetadas para os próximos anos: a Amazônia é declarada a província “energética“ do País. Sob a alegação de gerar energia limpa se esconde a verdade de que mais florestas sucumbirão, mais áreas, inclusive urbanas, serão inundadas, milhares de famílias serão expulsas de suas terras ancestrais, mais aldeias indígenas diretamente afetadas, mais lagos artificiais, podres e mortos, produzirão gases letais e se tornarão viveiro propício para todo tipo de pragas e geradores de doenças endêmicas”.
“Somado a estes desafios nos deparamos com a emergência do fenômeno urbano, com o inchaço nas periferias das grandes cidade, exploração sexual, tráfico de pessoas e de drogas, violência. Em vez de investimentos em políticas públicas de saneamento básico, saúde, educação e segurança, o Estado prioriza políticas compensatórias, apoia e incentiva o grande capital, investe na construção de estádios monumentais e outras obras faraônicas”.
A seguir, a íntegra da nota prévia:

Irmãs e irmãos caríssimos em Cristo Jesus,
Povo de Deus na Amazônia,

“Não tenha medo, continue a falar e não se cale, pois eu estou contigo“ (At 18,9)

“Cristo aponta para a Amazônia“ lembrava o Papa Paulo VI aos bispos da Amazônia por ocasião de seu encontro em Santarém, de 24 a 30 de maio de 1972, marco indelével na história da Igreja desta grande região brasileira, habitada por povos de culturas e tradições tão diferenciadas do outro Brasil.
Expressamos nossa gratidão ao Deus da vida porque nestes 40 anos, não obstante nossas fragilidades, nossa Igreja tem anunciado Jesus Cristo ressuscitado, caminho, verdade e vida e tem marcado presença junto ao povo sofrido, sendo muitas vezes a voz dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros e migrantes, nas periferias e em novos ambientes do centros urbanos animando as comunidades na reivindicação do respeito pela sua história e religiosidade. É também a vida destes povos, seu modo de viver, sua simplicidade, seu protagonismo, sua fé que nos encantam! Não faltou o testemunho de entrega da própria vida até o derramamento de sangue. Este testemunho nos anima, nos encoraja e nos fortalece. São também protagonistas religiosos e religiosas, pastorais, movimentos e serviços que tem sido uma força viva e atuante na realidade das nossas comunidades.
Constatamos avanços no campo social e político, com novos organismos de participação, conselhos de políticas públicas, participação nas campanhas por leis mais justas, aumento da consciência e engajamento na questão ecológica. No campo econômico, cresce o consumo e o poder aquisitvo embora nem sempre acompanhado do aumento da qualidade de vida. A vida na Amazônia continua sofrida.
Há séculos os povos da Amazônia gemem e choram sob o peso de um modelo de desenvolvimento que os oprime e exclui do “banquete da vida, para o qual todos os homens e mulheres são igualmente convidados por Deus“ (SRS 39). A Igreja ouve os gritos, às vezes desesperados, e se identifica com o seu clamor, conhece o seu sofrimento. Mais ainda, a Igreja declara que “as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e angustias dos discípulos de Cristo“ (cf. GS 1).
As decisões sobre o desenvolvimento da Amazônia sempre são tomadas a partir de fora e visam unica e exclusivamente a exploração das riquezas naturais sem levar em conta as legítimas aspirações dos povos desta região a uma verdadeira justiça social. Quando Paulo VI declarava que “o desenvolvimento é o novo nome da paz“ (PP 87), não pensava num “crescimentismo“ meramente econômico, unilateral e excludente, mas convidava a todos os povos da terra a empenhar-se por um mundo justo, fraterno e solidário, na perspectiva do Reino que Jesus veio a anunciar “para que todos tenham vida“ (Jo 10,10).
Como quarenta anos atrás, a Amazônia continua sendo considerada a “colônia“, mesmo que abranja mais da metade do território nacional. Para a metrópole – Brasília, o sudeste e o sul do País – Amazônia é apenas “província“, primeiro província madeireira e mineradora, depois a última fronteira agrícola no intuito de expandir o agronegócio até os confins deste delicado e complexo ecossistema, único em todo o planeta. De uns anos para cá a “província“ recebeu mais um rótulo, sem dúvida o mais desastroso, pois implicará a sua destruição programada, haja visto o número de hidrelétricas projetadas para os próximos anos: a Amazônia é declarada a província “energética“ do País.
Sob a alegação de gerar energia limpa se esconde a verdade de que mais florestas sucumbirão, mais áreas, inclusive urbanas, serão inundadas, milhares de famílias serão expulsas de suas terras ancestrais, mais aldeias indígenas diretamente afetadas, mais lagos artificiais, podres e mortos, produzirão gases letais e se tornarão viveiro propício para todo tipo de pragas e geradores de doenças endêmicas.
A história da Amazônia revela que foi sempre uma minoria que lucrava às custas da pobreza da maioria e da depredação inescrupulosa das riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milênios e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados.
Santarém 1972: Encarnação na Realidade e Evangelização Libertadora
Como já em 1972, os bispos reunidos em Santarém de 2 a 6 de julho de 2012 não detectam apenas os mecanismos perniciosos responsáveis pela miséria dos povos e a devastação das florestas, mas os denunciam como responsáveis de gerar “ricos cada vez mais ricos às custas e pobres cada vez mais pobres“ (João Paulo II, Discurso inaugural de Puebla, 28 de janeiro de 1979) e de um meio-ambiente cada vez mais deteriorado. O “lar“ (em grego “oikos“ – daí a palavra “ecologia“) que Deus criou para todos nós não pode ser explorado até a exaustão, mas exige cuidado, zelo, amor, também em vista das futuras gerações. Os cientistas alertam sempre mais que a devastação da Amazônia terá consequências irreversíveis para o clima do planeta e se torna assim uma ameaça à vida e sobrevivência de toda a humanidade.
Em 1972 os bispos da Amazônia já identificaram graves feridas neste mundo de selvas e águas que atingiram violentamente os povos originários e tradicionais da região. Como 40 anos atrás, também hoje os bispos se entendem como mensageiros dos povos da Amazônia, profetas que vivem numa grande proximidade com Deus e ao mesmo tempo sintonizados com os acontecimentos históricos, homens de fé que „vêm da grande tribulação“ (Ap 7,14). Nestes nossos tempos, as feridas se tornaram chagas abertas que perpassam e sangram a Amazônia de fora a fora, causando cada dia mais vítimas fatais.
As prioridades da ação pastoral e evangelizadora apontadas em 1972 continuam atualíssimas. Até hoje uma formação adequada à essa região para ministros ordenados, mas também para leigas e leigos que dirigem as comunidades, é fundamental. Importa encarnar a Igreja no chão concreto da Amazônia. Quem exerce um ministério, ordenado ou não, participa do pastoreio de Jesus e está a serviço de seus irmãos e irmãs e quer exercê-lo na simplicidade do lava-pés e numa proximidade fraterna ao Povo de Deus.
As Comunidades Cristãs ou Eclesiais de Base tão recomendadas no Documento Santarém 1972 são expressão de uma Igreja viva e comprometida. Como os bispos já afirmaram em Manaus (2007), elas constituem um dom especial que Deus concedeu à Igreja na Amazônia. São obra do Espírito Santo. O que o Documento de Aparecida afirma, aplica-se de modo especial à Amazônia. As CEBs, diz o documento, “têm sido escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros” (DAp 178). As CEB’s são também uma resposta válida e empolgante para o mundo urbano como resposta ao individualismo e a superficialidade do consumismo.
Nas CEBs se vive a dimensão samaritana da compaixão ativa e interajuda, de um coração e mãos abertas para quem sofre ou passa necessidade, mas também a dimensão profética de anunciar continuamente a utopia do Reino e, ao mesmo tempo, denunciar todos os mecanismos e estruturas que impedem a chegada do Reino. É exatamente esta dimensão profética que gerou as e os mártires da Amazônia. As CEBs constituem-se em família das famílias onde todos se conhecem e querem bem, mas são também centros de oração e meditação da Palavra de Deus para nutrir a mística profunda da vivência na proximidade de Deus. Ele mesmo se revelou como um Deus-conosco e assegurou aos profetas, apóstolos, discípulas e discípulos: “Eu estarei contigo“ (cf. Ex 3,14; Js 1,9; Jr 1,19; At 18,9-10). Afinal “se Deus está conosco, quem será contra nós“ (Rom 8,31).
Santarém 1972 assume a questão indígena como causa de toda a Igreja na Amazônia. Lembra que no mesmo ano por iniciativa dos bispos, mormente dos da Amazônia, foi fundado o Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
Os bispos talvez não imaginavam quarenta anos atrás o imenso apoio que sua decisão significava aos direitos e à sobrevivência de dezenas de povos indígenas na região amazônica que, sem o empenho intransigente da Igreja, teriam desaparecido. A presença solidária e o apoio incondicional à luta por seus direitos foi fundamental para que hoje a maioria dos povos indígenas da região tenha suas terras demarcadas. Foi também de enorme importância gerar uma consciência de respeito e valorização dos povos, suas culturas e seus projetos de “Bem Viver“. Dezenas de povos saíram do silêncio em que foram forçados a se ocultar para sobreviver. Ressurgiram das cinzas e estão lutando pelos seus direitos e suas terras. Alem disso a atuação corajosa dos missionários, selando seu compromisso através do sangue derramado pela vida desses povos, propiciou o surgimento de articulações e organizações dos povos indígenas, essenciais para a conquista de seus direitos e sua autonomia.
Os riscos de extermínio de vários grupos indígenas em estado de isolamento voluntário, exige um renovado compromisso com a sobrevivência de milhares de vidas e povos ameaçados de extinção.
Na perseverança salvareis vossas vidas (Lc 21,19)
Deparamo-nos hoje com uma verdadeira enxurrada de grandes projetos que os Governos querem implantar, seguindo a estratégia do “fato consumado“. Não há discussão, nem consulta popular que merecesse este nome. Decide-se e executa-se. Oponentes são criminalizados ou taxados de inimigos do progresso. Também os ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, e outros povos tradicionais sofrem pela falta de recohnecdimento de suas terras.
A ética na política prometida à nação e esperada pelo povo brasileiro cedeu lugar a uma sequencia ininterrupta de escândalos de corrupção em todos os níveis governamentais.
            Somado a estes desafios nos deparamos com a emergência do fenômeno urbano, com o inchaço nas periferias das grandes cidade, exploração sexual, tráfico de pessoas e de drogas, violência. Em vez de investimentos em políticas públicas de saneamento básico, saúde, educação e segurança, o Estado prioriza políticas compensatórias, apoia e incentiva o grande capital, investe na construção de estádios monumentais e outras obras faraônicas.
“Podem roubar-nos tudo, menos a esperança” (D. Pedro Casaldáliga). No caminho de “Santarém”, novamente nos lançamos nas estradas e rios, nas aldeias e quilombos, nos interiores e periferias das cidades, nos grandes centros urbanos desta imensa Amazônia, abraçando a Missão que nos foi confiada, comprometidos com toda a criação e na busca de sermos autênticas comunidades de fé alimentadas pela Palavra e pela Eucaristia.
Nesta hora da história o nosso coração às vezes, se angustia por causa de tantas dificuldades que nos desafiam, aparentemente insuperáveis; no entanto, continuamos a ser chamados e enviados como missionários e profetas para alimentar a esperança, como âncora firme e segura (cf Hb 6,19), de um mundo novo, inaugurado por Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Tocantins: avança a degradação


O Conselho Municipal do Meio Ambiente (Commam) de Imperat5riz (MA) realizou no último domingo, a segunda blitz no rio Tocantins, no perímetro compreendido entre a Praia do Cacau e povoado Imbiral, onde foi recebida pelo diretor, pelos professores e por alunos da Escola Municipal Enock Alves Bezerra.
A ação contou com o apoio da Secretaria Municipal de Infraestrutura (Sinfra), que cedeu duas equipes de garis para acompanharem os conselheiros e realizarem o trabalho de limpeza das margens maranhense do rio Tocantins. “Nunca vi tanto lixo e tanto desleixo das pessoas”, afirmou o gari Francisco Silva.
Durante a blitz, os participantes puderam constatar a degradação do rio, causado pela ação das pessoas, que continuam jogando lixo nos riachos, cujos dejetos são arrastados pelas águas da chuva para o leito do rio. Também se verificou muito lixo nos locais de pesca, onde as pessoas pescam e se acampam.
Esses locais foram adesivados com orientação de se cuidar do meio ambiente, bem como, os barcos que fazem a linha dos portos de Imperatriz para as Praias do Cacau, do Meio e Praia do Goiás, além de outros balneários localizados nas duas margens do rio Tocantins.

O tamanho da pizza?


Faltando menos de um mês para o início do julgamento do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), os advogados que defendem os 38 réus na Ação Penal nº 470 esperam dos 11 ministros da corte uma análise técnica do caso – e acreditam que, se ela ocorrer, praticamente não haverá condenações. Os argumentos que sustentam sua crença na absolvição vão desde a ausência de provas técnicas até a jurisprudência do Supremo, que, se seguida pelos ministros, favoreceria os réus. Ainda assim, o grupo – que inclui boa parte dos mais renomados criminalistas do país – não descarta um julgamento político e dá como perdidos os votos do relator Joaquim Barbosa e do presidente da corte, Carlos Ayres Britto. É o que diz análise de Cristine Prestes, do Valor, deste final de semana.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Vale e FCCM iniciam restauração do Palacete Augusto Dias

No Barrancas do Itacaiúnas:


Prédio pode ser restaurado em breve; obras começam em 2013

Iniciaram nesta semana os trabalhos para elaboração dos projetos de reforma e restauração do Palacete Augusto Dias, prédio da antiga sede da Câmara Municipal de Marabá, que será transformado em Museu Histórico. O projeto de restauração será realizado pela equipe de consultores do Fórum Landi, uma organização ligada à Universidade Federal do Pará (UFPA) contratados pela Vale, por meio do projeto Aços Laminados do Pará, Alpa.

A equipe técnica da primeira visita foi composta pelos técnicos do Fórum Landi, pela  museóloga Célia Cursino, pelos  representantes da Fundação Casa da Cultura de Marabá ( FCCM) e do projeto Alpa. A FCCM será responsável pela  gerência do Museu Histórico.
Neste inicio de trabalho, os técnicos e pesquisadores estão conhecendo as instalações, fazendo o levantamento cadastral e topográfico do prédio, que também já sediou a Prefeitura de Marabá. Os dados levantado vão ajudar a compor o projeto executivo do Museu , que prevê resgatar traços e a estrutura original do prédio, transformando-o em espaço cultural da região sudeste.
A expectativa é que a  elaboração dos projetos de reforma e de restauração do Palacete estejam concluídos até o final deste ano, com previsão de inicio da obra para 2013, ano do centenário de Marabá.

Para o gerente de Meio Ambiente da Alpa, Leonardo Neves, fala da importância para a empresa participar da reforma do Palacete Augusto Dias. “Participar deste projeto é uma forma de contribuir com a preservação do resgate da memória cultural de Marabá”, enfatiza. A Alpa também patrocina o projeto de memória de Marabá por meio da publicação do livro sobre a cidade, previsto para ser lançado no mês de aniversário de Marabá, em abril de 2013.

Quando estiver reformado e transformado em Museu Histórico Francisco Coelho, “o espaço irá abrigar a Pinacoteca, os arquivos fotográfico e histórico da cidade e que hoje encontram-se á disposição da população para visitação na Fundação Casa da Cultura de Marabá”, explica a coordenadora da Pinacoteca Municipal Pedro Morbach, Cátia  Weirich.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Delta movimentou R$ 1 trilhão em 10 anos

No Parsifal.org.br

Relatórios do Banco Central: entradas de R$ 7 bilhões à Delta em 10 anos

Shot005
A leitura dos relatórios do Banco Central enviados à "CPMI do Cachoeira" sobre as movimentações financeiras da Delta Construções deixaram os integrantes da CPMI de cabelo em pé e a mão coçando.
Caso não haja um erro de leitura nas movimentações de saída da empresa, o que Cavendish assinou de cheque, como dizia o meu pai, é dinheiro que o diabo não conta e Deus sua a camisa para conferir.
> R$ 7 bilhões de entrada e R$1,4 trilhão (?) de saída
De acordo com os dados a Delta teria movimentado mais de R$ 1 trilhão nos últimos 10 anos: os registros de entrada seriam de R$ 7 bilhões e os de saída de R$ 1,4 trilhão.
O valor de R$ 7 bilhões de entradas, em 10 anos, fatora uma média de R$ 700 milhões por ano, o que é uma alta movimentação. Mas considerando que a Delta passou a ser a principal arrematadora das obras do governo federal, a grandeza não está fora do razoável.
Porem, saídas de R$ 1,4 trilhão no mesmo período soa inverossímil, pois, oficialmente não há como sair mais do que entrou nas contas da empresa, por isso os técnicos que leem os relatórios precisam pedir ajuda ao Banco Central para descobrir onde está o equívoco.

Novos apelos, novas mentiras. E haverá quem acredite...

No Correio do Tocantins


03/07/2012
 O que candidatos a prefeito vão dizer para ter seu voto?
 
Moradia, emprego, saúde, educação. De quatro em quatro anos, toda vez que se abre vaga para a Prefeitura de Marabá, os temas que encabeçam a lista de promessas dos candidatos são praticamente os mesmos. Mas apesar do feijão com arroz de costume, há sempre um “tempero” especial para dar sabor à disputa. Em 2012, no momento em que Marabá se prepara para receber grandes empreendimentos, o CORREIO DO TOCANTINS levanta que tipo de discurso dominará a campanha rumo à Prefeitura de Marabá.
O atual gestor municipal, Maurino Magalhães, é candidato a prefeito por seu partido, o PR. Sabendo que está atrás nas pesquisas divulgadas (e até mesmo aquelas ditas de consumo), ele deverá focar a propaganda de sua administração em duas grandes obras do governo federal no município: a duplicação da rodovia Transamazônica e a construção de 2.500 casas populares pela Caixa.
Na educação, o grande trunfo do prefeito atual será propagandear que reformulou o PCCR (Plano de Cargos, Carreira e Remuneração) do Magistério, que deu aos servidores mais de 30% de reajuste apenas em 2011. 
Maurino deverá taxar seu principal adversário, Tião Miranda, como o “anti-popular”, colocando-o na disputa como alguém pouco interessado em olhar para os pobres. 
Estando atualmente no segundo mandato como deputado estadual pelo PPS, João Salame chega à sua segundo campanha eleitoral para a Prefeitura em Marabá sendo o único candidato sem experiência de gestão pública, mas se apresentando como oposição às administrações de Sebastião Miranda e de Maurino.
Ele sabe que precisa subir nas pesquisas para passar do ex-prefeito Sebastião Miranda, que havia lhe indicado como candidato em 2008, mas não conseguiu vencer Maurino nas urnas. Como não tem obras para mostrar, o jornalista João Salame deverá meter o dedo na ferida administrativa de Maurino e Tião, além de mostrar suas propostas para desenvolver um governo mais organizado que Maurino e mais democrático que Tião.
Sobre este último, tanto Salame quanto Maurino certamente tentarão demonizá-lo, acusando-o de “traidor” em relação à campanha para emancipação de Carajás. Eles argumentarão que Tião preferiu omitir-se da luta por Carajás a pedido do governador Simão Jatene. Sabendo que será metralhado neste aspecto, Tião, através da equipe de marketing que prepara sua campanha, já está reúne argumentos e imagens que provem o contrário. Resta saber se essa imagem de “inimigo do povo” da região, como querem colar em Tião, será internalizada pelo povão, quem realmente faz a diferença nas urnas.

Em relação ao governador Simão Jatene, ele será um dos mais fortes cabos eleitorais de Tião nesta campanha pela volta à Prefeitura de Marabá. Salame, por sua vez, terá o apoio de outro grande político do Estado, o senador Jader Barbalho, do PMDB, que abdicou do nome de Ítalo Ipojucan em favor do candidato do PPS.

Com menos de meio minuto na TV, o candidato do PSOL, Manoel da Cosanpa, deverá apresentar propostas mais utópicas para diferenciar-se de seus concorrentes. Suas chances para chegar à Prefeitura são mínimas, mas o importante para o partido será a exposição na mídia, mesmo que pequena.

Quem quiser ganhar a eleição terá de ter na ponta da língua o discurso voltado aos projetos sociais, ao controle da máquina pública e a um plano de obras arrojado. O município está numa onda de crescimento econômico, mas a sustentação disso depende de infraestrutura para alavancar o desenvolvimento da indústria. (Ulisses Pompeu)

Elza deve ser a vice de Maurino


No Terra do Nunca:

Fonte segura de lá de dentro do PR acabou de me informar que o candidato a vice-prefeito de Maurino Magalhães na eleição deste ano é, na verdade, uma candidata: a ex-deputada Elza Miranda.
A decisão foi tomada às 3h desta madrugada, depois de muitos debates e especulações em torno de quase uma dezena de nomes.
-----
Putz! E ela aceitou!!!??? 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Matando por terras

Pouco antes de morrer, o cineasta Adrian Cowell liberou um documentário com cenas brutais da guerra travada na Amazônia brasileira. Filmada nos anos 80, a obra manteve-se inédita no Brasil por mais de duas décadas para proteger as testemunhas de assassinatos. Nesta semana, o filme será exibido pela primeira vez – e poderemos constatar que o passado continua dolorosamente presente

ELIANE BRUM|
Revista Época
Cena 1 – Os homens andam pela floresta. Eles têm pés de andar, machucados pelas raízes, pelo sol, pela chuva, pelo caminho. E velhas espingardas nas mãos. No rosto, a expressão dos que foram lançados uma curva além. São homens desesperados – e homens desesperados não têm nada a perder. Exceto a vida, mas esta eles vão perder de qualquer jeito. Em busca de terra, já não há para onde ir. Exceto mais e mais para dentro. “A gente vai ficar. Se for, a gente só morre mais depressa”, diz um. Ali, eles já morrem depressa demais. É o corpo de um companheiro que vão buscar. Raimundo Piauí, posseiro como eles, sem-terra em busca de terra, apodrece há sete dias na mata. Assassinado por pistoleiros a mando de fazendeiros na guerra cotidiana travada na Amazônia.  
Cena 2 – Ele é só um velho caçador, com uma espingarda de caça quase tão velha quanto ele. Os pistoleiros sabem disso. Mas não importa. Ele está ali, fácil e frágil. E é preciso dar um aviso aos posseiros que lutam pela terra. Os pistoleiros exigem a espingarda. Ele não entrega. Não entrega porque não pode entregar. Sem ela, morrerá de fome no meio da mata. É morrer de um jeito – ou de outro. Ele se vira. Os pistoleiros o abatem pelas costas. Um tiro atinge a sua boca, os dentes se espalham. Ele cai. João Ventinho era o seu nome. Mais um, só mais um ninguém cuja vida jamais será paga na Justiça. 
Cena 3 – O homem corre. Os pistoleiros o perseguem atirando. O homem carrega uma criança nas costas. O menino grita primeiro. As últimas palavras do homem são: “Ô malvadeza”. Os dois corpos tombados na terra. O do posseiro Sebastião Pereira, liderança rural. E o de Clésio, de três anos. Um corpo de menino na mesa do necrotério, vítima de uma guerra que o matou antes que pudesse entendê-la. Uma guerra onde as crianças recebem balas de chumbo.
Estas cenas reais fazem parte do documentário Matando por terras (52 minutos), que será exibido pela primeira vez no Brasil nesta quinta-feira (5/7), no CineSesc, em São Paulo. Filmado nos anos 80, ele não pôde ser mostrado aqui por mais de duas décadas para não expor as testemunhas dos crimes – e condená-las também à morte.
A versão brasileira de Matando por terras foi o último trabalho do cineasta britânico Adrian Cowell. Ele se preparava para viajar ao Brasil para concluí-la quando morreu de ataque cardíaco, em Londres, no último 10 de outubro. Tinha 77 anos – 50 deles filmando a Amazônia. É pelo olhar de Adrian, um homem nascido na China e criado na Inglaterra, que uma parte da memória brasileira foi preservada. Não tivesse ele desembarcado no Brasil em 1957, aos 23 anos, para filmar o Monte Roraima, e uma parte crucial da saga amazônica teria permanecido invisível, sepultada em sangue e silêncio. Este testemunho único será exibido de 5 a 12 de julho, numa mostra em sua homenagem, promovida pelo CineSesc. (Confira a programação completa aqui.)O filme revela, de forma crua e persistente, como possivelmente nenhum outro documentário sobre o tema, a guerra travada na Amazônia. Uma guerra que, antes como agora, a maioria finge desconhecer. Rodado ao longo da rodovia Belém-Brasília, documenta o conflito entre fazendeiros – temerosos de perder os privilégios garantidos pela ditadura militar – e sem-terra. Mais de 100 pessoas foram mortas na região neste período.  
Morrendo por terras (Foto: Divulgação)
Adrian Cowell produziu o maior registro audiovisual da Amazônia. Todo o seu acervo foi doado à PUC de Goiás e está disponível para ser acessado: quase 900 mil metros de filme, sete toneladas que se transformaram em 30 documentários. Neste percurso, Adrian conviveu com Orlando Villas-Boas antes mesmo da criação do Parque Indígena do Xingu. Trabalhou também com Apoena Meireles, outro grande sertanista, assassinado em 2004 durante um assalto em Porto Velho (Rondônia). Em meio século, ele filmou um Chico Mendes ainda desconhecido do próprio Brasil – e o seu trabalho ajudou a projetar o líder seringueiro no mundo. 
Adrian filmou tribos isoladas e filmou a destruição. Enquanto ele capturava a vida em um embate de morte, seus personagens tombavam junto com a floresta. Às vezes, antes mesmo do final do filme. Adrian começou a filmar Chico Mendes porque o personagem cuja história planejara contar, Padre Josimo, um religioso negro da Comissão Pastoral da Terra, foi assassinado no Tocantins pouco antes do início das filmagens. E Chico Mendes foi executado ao longo das gravações da série mais famosa de Adrian, A década da destruição, que será exibida na mostra.
O cineasta acreditava que um dia documentaria "A década do meio ambiente", com o fim da devastação da Amazônia. Morreu com seu sonho – mas sua obra teve uma importância crucial para que a preservação da floresta e dos povos da floresta deixasse de ser uma questão de ecologistas para se tornar um problema do mundo. 
Em 1980, Adrian conheceu o cinegrafista brasileiro Vicente Rios e, juntos, filmaram pelos 30 anos seguintes. “Rios e Cowell formaram uma poderosa dupla, como aquelas de pistoleiros do Velho Oeste, retratadas pelos filmes de Sergio Leone”, escreveu o jornalista Felipe Milanez, idealizador e curador da mostra. “Por vezes, andaram literalmente armados de revólver, para o caso de precisarem se defender, como em Serra Pelada, ou então portando uma arma muito mais poderosa: a câmera.” 
Quem quiser conhecer as aventuras vividas pela dupla poderá ouvir da boca do próprio Vicente, na abertura da mostra e em algumas sessões apresentadas por ele. Vicente Rios também exibirá um documentário inédito – Visões da Amazônia. A obra apresenta cenas de bastidores das filmagens e coloca Adrian diante das câmeras, fazendo uma reflexão sobre suas memórias e sua paixão pela floresta. 
Adrian apaixonou-se tanto pela Amazônia e pelo seu povo que deu ao filho um nome que junta mundos: Xingu Cowell. O menino morreu em um acidente de caiaque, aos 18 anos, no mesmo ano em que Adrian começou a filmar Matando por terras, no sul do Pará. O próprio Adrian participaria da mostra de cinema em homenagem à sua obra, mas tombou no meio do gesto. Até o fim, ele acreditou que a floresta poderia ser salva. E lutou por isso.
Em 6 de junho de 2011, Adrian escreveu para o jornalista Felipe Milanez. O cineasta acabara de saber do assassinato de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo. O casal foi executado a tiros nas proximidades do assentamento onde viviam, em Nova Ipixuna, no sul do Pará. Adrian dizia, com o português que aprendeu enquanto se embrenhava na selva, que o filme “Matando por terras”, ainda inédito, mostraria que os assassinatos registrados por ele, 25 anos atrás, continuavam se repetindo no Brasil de hoje. Foi assim, porque o filme é presente tanto quanto passado, que a versão brasileira foi feita.
Na Amazônia, o século 20 invadiu o século 21, a violência tolerada (e muitas vezes patrocinada) pela ditadura persistiu na democracia. E os mesmos de sempre seguem tombando a tiros. Adrian Cowell poderia ter filmado cada uma das cenas a seguir. Todas elas – e muitas outras – aconteceram há pouco. E continuam se desenrolando neste exato momento.
Cena 1 – Zé Cláudio e Maria, lideranças que vivem da extração de castanha, estão perto do assentamento onde vivem. Zé dirige, Maria se agarra a ele na garupa. Assim que Zé diminui a velocidade da moto para passar sobre a ponte que cobre um igarapé, são atacados pela dupla de pistoleiros. O primeiro tiro de escopeta atravessa a mão direita de Maria e atinge o lado esquerdo do abdômen de Zé. Em seguida, mais tiros de escopeta e de um revólver calibre 38. Um dos assassinos puxa a faca, caminha até Zé Cláudio e corta um pedaço de sua orelha direita. Uma prova do serviço feito para entregar ao mandante. É 24 de maio de 2011. Hoje, é Laísa Santos Sampaio, irmã de Maria, que vive sob ameaça de morte. (Assista aqui ao depoimento de Zé Cláudio.)
Cena 2 – João Chupel Primo, mais conhecido como João da Gaita, trabalha na sua oficina mecânica, em Itaibuba, no oeste do Pará. Um minuto depois está morto, com uma bala na cabeça. É 22 de outubro de 2011. Caçado por pistoleiros, seu amigo Júnior José Guerra começa a fugir. Os dois haviam denunciado a quatro órgãos federais e dois estaduais uma milionária operação criminosa de roubo de ipê do interior de áreas de preservação. Toda a madeira passava – e continua passando – por um assentamento do Incra, entre os municípios de Itaituba e Trairão. João e Júnior denunciaram também 15 assassinatos consumados nos últimos dois anos na região por causa da posse da terra e do controle da madeira. Denunciaram às autoridades – e não foram protegidos. (Leia aqui.)
Cena 3 – Em 2010, a líder rural Nilcilene Miguel de Lima foi espancada e teve sua casa queimada, no município de Lábrea, no Amazonas, depois de denunciar a grilagem e o roubo de madeira em seu assentamento. Em maio de 2011, fugiu enrolada em um lençol do pistoleiro atocaiado perto da sua casa. Só voltaria em outubro, protegida por uma escolta da Força Nacional. Em 30 de março de 2012, sua amiga Dinhana Nink, de 27 anos, foi a sétima pessoa assassinada na região nos últimos cinco anos por denunciar madeireiros e pistoleiros. Ela tinha fugido para Rondônia para escapar da morte, mas a alcançaram. Mataram-na com um tiro no peito diante do mais jovem de seus três filhos, Tiago, de 6 anos. Quando o pai de Dinhana encontrou o corpo, Tiago limpava o sangue do rosto da mãe. No último 19 de maio, a Força Nacional interrompeu a proteção a Nilcilene, e ela teve de deixar sua casa e a colheita para trás para se esconder mais uma vez. É nesse desamparo que se encontra agora. (Leia aqui.)

A guerra na Amazônia continua, como Adrian Cowell apontou pouco antes de morrer. Em “Matando por terras”, ele registra a campanha presidencial de 1989. Nela estão Lula, Fernando Collor e Ronaldo Caiado. Lula nos históricos comícios bordados de bandeiras vermelhas do PT, ao som do povo cantando “Lula-lá” com esperança e orgulho na voz. Collor fazendo promessas no tom histriônico de “caçador de marajás”, e Caiado incitando os fazendeiros a reagir contra os “invasores”. Em certo momento do filme, ainda aparece Paulo Brossard, então ministro da Justiça, reagindo com veemência às denúncias de assassinatos na Amazônia, feitas pela Anistia Internacional, com uma frase que já era popular naquela época: “É uma fantasia!”.

O Lula de 1989 diz: “A única forma de acabar com a violência é punindo. E fazendo a reforma agrária”. Collor foi eleito e depois deposto por impeachment. Fernando Henrique governaria por dois mandatos. Só então Lula se elegeria por duas vezes e ainda faria a sucessora. Mais de duas décadas depois, a realidade mostra que o mesmo filme poderia ter sido feito hoje – apenas com novos cadáveres.

Antes, os mortos eram chamados de sem-terra ou posseiros. Hoje, a maioria é “assentado”. No papel, conquistou-se assentamentos do Incra, reservas extrativistas, florestas nacionais. Mas as conquistas dos anos de democracia não alcançaram o concreto dos dias: o Estado que está no papel não está na vida. Há vastas porções da Amazônia sob o controle do crime organizado – cada vez mais sofisticado e com braços mais longos. Sem o apoio do Estado, quem denuncia o “malfeito” assina sua sentença de morte. E vive seus últimos dias na insanidade: quem morre hoje estava marcado para morrer, avisou às autoridades que morreria, documentou as ameaças e os pedidos de socorro, às vezes em vídeo – e morreu.

Adrian Cowell emprestou seus olhos e arriscou sua vida por meio século para mostrar o que muitos brasileiros não queriam ver. Conhecer sua obra é um bom começo para mudar esse filme. 
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)