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segunda-feira, 26 de novembro de 2007

A arte de chupar casca de bala

Foi mais ou menos às oito e meia da noite de quinta-feira, 22 de novembro. Eu seguia a pé na direção da VP-07, uma das vias principais da Nova Marabá, não muito distante da minha casa e nas ruas muita gente aproveitava o luar à frente de suas casas. No Bar do Zé e no do Gaúcho, onde se vende boa cerveja e espetinho de carne e frango, famílias inteiras com crianças ocupavam mesinhas a conversar e a ouvir música. Somos por essas bandas uns moradores que saímos cedo para o trabalho e só voltamos no fim da tarde. Há militares, profissionais liberais, professoras, trabalhadores braçais, operários, motoristas profissionais. As vias internas são calçadas e se podemos nos queixar há de ser da Cosanpa, o maior de todos os infernos sartreanos, e da insegurança que produz assaltos a residências e a pessoas qualquer no meio da rua a qualquer hora do dia. Até às nove da noite há um tráfego regular na Folha 17, principalmente de fora para dentro do bairro, no retorno ao lar. Então naquela noite, 22 de novembro, ninguém estranhou a camionete preta que veio devagar na pista e estacionou bem no trevo em frente à escola fundamental. Poucos, de fato, prestaram atenção no veículo de cabine dupla, e entre esses um rapaz que imediatamente saiu correndo em desespero na direção do bar Fim de Tarde, lotado àquela hora, inclusive com crianças de colo em seus carrinhos e suas mães. Foi só quando estrondaram os tiros – três, espaçados, medidos, tenebrosos – é que todos começaram a correr. Assim que freara a camionete, o motorista desceu já de arma em punho e começou a disparar na direção do rapaz desesperado a fugir em ziguezague. Agora imaginem o terror daquelas pessoas tranqüilas, apanhadas no meio de uma saraivada de balas. Feita a sua arte, o pistoleiro saiu queimando pneus na direção da avenida principal. Sorte que, felizmente, os disparos não atingiram ninguém. Pouco tempo depois, o pistoleiro foi visto tranquilamente estacionado noutro bar muito freqüentado, do outro lado da VP-07, como se nada tivesse acontecido. Ainda hoje há quem espere alguma patrulha da polícia para apurar o tiroteio.

Estrebushismo na literatura do Pará

Salomão Larêdo, escritor e jornalista Estrebucham os que têm vergonha de ser paraense, de falar no Pará, de valorizar o que é nosso e continuam valorizando só o que vem de fora achando que o que temos e produzimos aqui não presta, não serve, não é bom e nesse sentido, certamente, estão redondamente enganados os adeptos do bushismo, embora tenham todo o direito de estrebuchar e estrebushar. Daqui desta Amazônia, da região norte, do Pará, continuarei defendendo o que é nosso. Refiro-me a literatura local. Continuo também defendendo a Feira do Livro do Pará que começou nos tempos em que a bibliotecária Valdéa Cunha era diretora de biblioteca da FCPTN e que se efetivava no espaço Ismael Néri, do Centur, faz tempo ( e depois virou, com outra numeração, Pan-Amazônica) há memória disso, é só consultar. Analisando tanto quanto pude, escrevi (em minha dissertação de mestrado em estudos literários a respeito do esquecimento que se dá ao escritor Raymundo Moraes, como metáfora do nosso proceder com tantos escritores de valor que temos) , que a UFPA, de há muito, aboliu a disciplina Literatura Paraense – recordo que o professor José Arthur Bogéa esperneou e telefonou aos escritores para que reagissem a essa tirania -, por entendê-la restritiva e já inclusa dentro do que se chama Literatura Brasileira e aí nomeou de expressão amazônica,sem dúvida, bonita, porém, nada nomeia se não identificar o estado, a localidade. E o mais grave, ficou sem ser estudada na graduação e na pós, pasmem ! Vamos assim, abolindo, deixando de falar, omitindo e não divulgando o que é nosso, do Pará, quando se trata de literatura, pois nas outras vertentes da arte até que não há tanto esse preconceito. E o Pará perde divulgação também através do açaí, da castanha, cupuaçu,do tacacá e outros produtos. Não defendemos, perdemos. Minha identificação: sou paraense que nasceu na Vila do Carmo, município de Cametá e ardoroso defensor da cultura da minha região e de meu estado, o Pará. Então sou adepto do paraensismo, sem nenhum tipo de xenofobismo. Amo o Pará e procuro defender o que é nosso e então nesse sentido, sou contra o separatismo, embora adepto do pluralismo cultural, do compartilhar, da interlocução, da diversidade. Logo, sou consciente das defesas que faço a respeito do Pará. Para mim, existe e vai continuar existindo a Literatura Paraense. Adoto o termo porque é uma forma de chamar a atenção do público aos escritores de nosso terra, pois estamos distantes do eixo sul/sudeste que destaca ,através de um cânone preconceituoso, de um lóbi de editoras,apenas quem quer. Existe sim, preconceito lá que começa aqui por quem tem vergonha de falar do que é seu e até de dizer que é do Pará. Somos e muito discriminados e há tanto preconceito porque somos caboclos parauaras do Norte.É uma luta constante que travamos contra tudo e contra todos que querem nos ver pelas costas, sem nos dar chance de mostrar o que produzimos, o que somos. Percebo que a situação é a mesma no Rio Grande do Sul. Leio matéria publicada na revista “Entrelivros”, deste mês de novembro, que tem por título – Literatura Brasileira – a ficção do sul profundo, em que Marcelo Backes, no lead, comenta: “conheça 11 escritores gaúchos, pouco conhecidos além dos limites regionais, que merecem atravessar a divisa do Mampituba”. Marcelo informa que “nas universidades, há disciplinas de literatura do Rio Grande do Sul [...] E sempre fomos gaúchos acima de tudo [...]. Estamos começando a nos mostrar solidários. Se a lenda dizia que um cesto de caranguejos baianos tinha de ser trancado rigorosamente porque uns ajudam os outros a subir, deixando-o vazio em poucos segundos, enquanto o cesto artístico de caranguejos gaúchos podia ser deixado aberto, porque assim que um subia o outro se encarregava de puxá-lo pra baixo, agora não é mais assim. Estamos começando a nos unir!”. E aí então o autor do texto começa a apresentar os 11 escritores e comenta que “alguns dos melhores autores continuam nas beiradas, ou às margens editoriais, midiáticas e geográficas”. E encerra comentando que “muitas vezes é na franja que um tecido se apresenta mais encorpado e complexo, e nós, o leitor, certamente não queimaremos a boca se comermos pelas beiradas o mingau da façanhuda literatura gaúcha”. Devíamos seguir o exemplo, nos unir e quem sabe, começar cavando ao menos uma matéria similar a essa que aqui citei. A lenda do cesto de caranguejo é muito conhecida no meio artístico paraense. Aqui, fez sucesso, o outro se morde, acha ruim e procura destroçar o outro, puxa mesmo para o fundo da lata ou do cofo. Nem solidariedade intelectual temos, com exceções, claro, é só lembrar de José Veríssimo, José Eustachio de Azevedo e do que reclamava Dalcídio Jurandir. É a união que faz a força. Os gaúchos nomeiam sua feira de livro de: Feira do Livro de Porto Alegre, como fizeram recentemente Manaus e São Luis e já fazem Frankfurt, Nairóbi, Paris, Bogotá, Curitiba, Parati, Bahia, Pernambuco e outros, todos, se ufanando do que é seu . Então, nomeemos assim a nossa : Feira do Livro do Pará. Por que será que para os adeptos do bushismo, é proibido, indevido, revela insensatez, mesquinhez, provincianismo, falar da Literatura do Pará ou Literatura Paraense? Livro, leitura e literatura são direitos também dos pobres e não apenas da elite, dos ricos, dos mandarins, dos donos do cânone literário, dos que se acham no direito de dizer o que serve,o que presta. Devemos deixar ao povo essa escolha democrática. A discriminação não é um caminho de transformação social. O escritor do Pará, o artista paraense, tem talento, produção e merece nosso estudo, nosso respeito, nossa estima e nossa divulgação. Viva a Literatura do Pará!