Pages

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Por falar em poesia

Sobre girassóis de espuma (Ademir Braz) As máquinas pararam. A que impulsiona a lancha e aquela caixa mágica que sonda a profundeza das águas. Há horas vagamos assim: leva-nos a correnteza entre pedrais e ilhas sob o cardume de estrelas no céu escuro. Nadamos no breu. Reféns, rolamos o penhasco da noite sobre girassóis de espuma. Inda há pouco sondamos inquietos as margens invisíveis, a massa disforme das ilhas cravadas no rebojo. Se morrêssemos aqui, não nos achariam entre as pedras do sono e os pirilampos. (Não me incomodaria, decerto, morrer nesta bela noite entre saranzais... Depois, quem choraria a morte do poeta? Desgosta-me somente pensar o destino dos meus gatos miúdos, dos netos Kotôko, o pinscher, e Luna, a vira-lata, que os filhos dizem filhos seus. Quem levaria Canção Pequena, o curió arisco e canoro senhor das claras manhãs? E o que resta de minhas orquídeas e dos versos inconclusos, desalinhados, e das noites de insônia e morna solidão na casa arruinada que me acolhe? Quem ficaria com os poucos amigos? E com Arnaldo Jabor-ty, rei do quintal? E minha amada, a quem amaria, de novo enlevada com seus olhos de chá? Os livros, eu sei: nesta terra agreste aguarda-os, na esquina, o lixão da rua.) Ponho-me a rir do pensamento mórbido e espio os parceiros de infortúnio: sinto suas caras cinzentas no escuro. Em que pensarão? Olho as estrelas: lindas! Se eu tivesse ao menos um disco-voador... Por fim, aquietamo-nos: lá embaixo – tão longe! – uma ponte cruza o rio iluminada como um colar de diamantes.