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sexta-feira, 13 de abril de 2007

Abrindo a caixa preta

Quinta-feira próxima, 19 de abril, acaba o prazo para que as guseiras, recentemente vistoriadas, entreguem os documentos solicitados pelo governo paraense. Na correição feita entre 19 e 28 de março, a tropa de choque de Ana Júlia verificou que pelo menos dez guseiras não têm como comprovar a origem da biomassa usada na produção do seu carvão vegetal. Também ficou alguns furos abaixo da realidade a informação dos empregos no setor, que não batem com os dados da secretaria da Indústria e Comércio. Como sabem Deus e o mundo, nenhuma guseira do Distrito Industrial de Marabá possui reserva florestal para a produção de carvão, como manda a lei ambiental. No segmento, informa-se que as siderúrgicas estão negociando um prazo com a Secretaria do Meio Ambiente para obter a auto-sustentabilidade – lá pelos meados de 2015. Quinta-feira próxima, 19 de abril, acaba o prazo para que as guseiras, recentemente vistoriadas, entreguem os documentos solicitados pelo governo paraense. Na correição feita entre 19 e 28 de março, a tropa de choque de Ana Júlia verificou que pelo menos dez guseiras não têm como comprovar a origem da biomassa usada na produção do seu carvão vegetal. Também ficou alguns furos abaixo da realidade a informação dos empregos no setor, que não batem com os dados da secretaria da Indústria e Comércio. Como sabem Deus e o mundo, nenhuma guseira do Distrito Industrial de Marabá possui reserva florestal para a produção de carvão, como manda a lei ambiental. No segmento, informa-se que as siderúrgicas estão negociando um prazo com a Secretaria do Meio Ambiente para obter a auto-sustentabilidade – lá pelos meados de 2015.

As sete danações de Tucumã

Sob o título “Mineradora da Vale provoca caos em município paraense”, reportagem de Carolina Derivi, o site paulista Amazônia.org.br publicou semana passada o texto que vale a pena reproduzir como emblemático da mineração na região e seus efeitos na vida e na economia dos municípios atingidos. “Em meados de março, o prefeito da pequena cidade de Tucumã, no sudeste paraense, decretou estado de emergência em todo território municipal, alegando "a deterioração das condições de governabilidade e sustentabilidade". A medida não guarda relação com queimadas ou enchentes, mas com uma espantosa pressão populacional que se abateu sobre o município desde agosto de 2006. A mineradora Onça Puma, empresa controlada pela Companhia Vale do Rio Doce, opera no município desde então extraindo ferro-níquel e atraindo milhares de pessoas em busca de emprego. "Com certeza mais de dez mil pessoas já vieram pra cá. E continua aumentando. Não há mais vagas nos hotéis, nem casas para alugar", disse o prefeito Alan Azevedo ao site Amazônia. Segundo os cálculos de Azevedo, o empreendimento já criou mais de 1800 postos de trabalho. O que poderia ser motivo de comemoração para uma localidade com poucos recursos traz graves efeitos colaterais enquanto o contingente de migrantes é muito maior do que o município pode comportar. O resultado, segundo a prefeitura, é degradação de ruas e avenidas, invasão e grilagem de terras públicas, precarização dos serviços do município como educação e saúde, aumento do tráfico de drogas e prostituição infanto-juvenil. Some-se a isso o fato de que Tucumã conta apenas com sete policiais militares, nenhum viatura, e uma delegacia degradada que vem ocasionando a fuga de prisioneiros. Procurada pelo site Amazônia, a assessoria da Vale do Rio Doce não conseguiu designar um porta-voz para comentar o assunto até o fechamento desta reportagem. As informações são de que empresa e prefeitura estão em negociação, mas pouco se avançou além da promessa, por parte da Vale, de realizar estudos complementares de impacto ambiental. Ironicamente, a cidade anda às turras com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) devido a uma estimativa populacional defasada (para menos) em 2006. O dado, oficial, acarretou uma redução dos repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Da mineradora Onça Puma, a 17 km do centro da cidade, Tucumã não recebe nada na forma de impostos ou royalties. "Precisamos ser compensados pelos impactos econômicos, sociais e ambientais", defendeu Azevedo.”

Traficante condenado

O maranhense Adalberto Soares, recolhido ao Centro de Recuperação Agrícola Mariano Antunes, foi condenado pela Justiça federal a dez anos e oito meses de reclusão mais 200 dias-multa por tráfico internacional de drogas. Segundo denúncia da Procuradoria da República em Marabá, Soares foi preso em flagrante dia 20 de junho de 2006 e responsabilizado pelo transporte de 40 latas de óleo contendo 40 quilos de cocaína – 5 kg da refinada e 35 de pasta-base. Com ele também foram encontradas anotações de uma provável seqüência de cidades integrantes da rota de tráfico, iniciada no Peru ou na Bolívia, com passagem por Manaus (AM); Itaituba, Altamira e Marabá (via Transamazônica, no Pará), até São Luis do Maranhão. Diz a Procuradoria da República que Soares se utilizou do mesmo”modus operandi” de Francisco Pereira Borges, José Ailton Serra e Tânia Costa Araújo, todos indiciados em inquérito pelos mesmos atos delituosos.

Memórias do cárcere

O Ministério da Justiça, por meio do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), lançou nessa terça-feira (10/4) o primeiro concurso de redação voltado para detentos do sistema carcerário brasileiro. O objetivo da iniciativa é “contribuir para a reinserção social do preso por meio da educação e criar um canal de expressão dos detentos com o mundo externo”. De acordo com a assessoria do ministério, o programa é destinado a presos provisórios, condenados e pessoas sob medida de segurança e premiará as melhores produções textuais sobre o tema “Escrevendo a Liberdade”. Além do Ministério da Justiça, participam da iniciativa o Ministério da Educação, a Alfasol (Associação Alfabetização Solidária), e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

O dedo de Deus

Esta semana foi informada a aprovação dos projetos de criação da Universidade Federal do Sul do Pará (Unisul) e de uma Escola Técnica Federal também para nossa cidade. Como sempre são intervenções externas, coisas que caem do céu brasiliense – como o cais do Tocantins, de origem obscura e ignorada, que caiu no colo do Tião Miranda. Aliás, com orçamento previsto de R$ 24 milhões, essa obra já consumiu mais de R$ 35 milhões, segundo consta. Galático Por falar no prefeito, vai ele inaugurar mais um atentado à estética, não bastasse o Coliseu do Tião, ali no meio da Duque de Caxias. Desta vez é a praça da rótula em frente ao Hotel Vale do Tocantins. Ao custo de meio milhão de reais, o que deveria ser um agrado às crianças mais parece uma homenagem a Cabo Canaveral com aquele foguete cercado de mísseis nucleares.

Abaixo o capacete

O Código Nacional de Trânsito (arts. 54 e 55) dá como obrigatório para motoqueiros o uso de capacete. Mas, em São Sebastião, agreste alagoano, o juiz Jairo Xavier Costa proibiu o seu uso a partir de 23 de março último, por uma boa razão: os criminosos agem com a motocicleta, e o capacete oculta a identificação deles. “Não faço alusão nem rebeldia ao Código, muito menos revelo desconhecimento constitucional. O negócio é somente reprimir a criminalidade, tentando erradicá-la dentro do município”, disse o juiz à reportagem de Última Instância, afirmando que a decisão também se estende ao carona da motocicleta. A determinação da Portaria 01/2007 vale para aqueles que circulam dentro do município com velocidade máxima de 40 km/h em qualquer horário. Segundo o magistrado, com cerca de 32 mil habitantes, a cidade conta com apenas dois policiais por dia nas ruas. Apesar da polêmica, o magistrado informou que pretende observar se a determinação surtiu efeito através de um balanço na cidade. “Com um mês de funcionamento da portaria vou consultar a polícia para saber se ainda existem casos delituosos envolvendo motoqueiros para estatisticamente oferecer melhores informações à cidade e aos órgãos de imprensa”, comentou. No Pará, desde o ano passado medida assemelhada foi decretada pela Câmara de Vereadores de Redenção.

MST vai à luta

São Paulo, Rio Grande do Sul, Piauí, Pará e outros estados serão o palco da mobilização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) neste mês de abril. Neste mês, já é tradição: os integrantes do movimento cobram promessas de assentamento, da construção e melhoria das estradas dos assentamentos, o transporte escolar e a educação, até de coleta do lixo, obrigação da administração pública. A Via Campesina Pará, coletivo camponês que o MST integra, dedicará quatro dias ao debate, neste abril, segundo o jornal Carta Maior. A ação será desenvolvida em acampamentos em Belém e Eldorado. Entre os objetivos do acampamento estão: chamar atenção da sociedade para a violência e impunidade na luta pela terra, organizar camponeses, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, contra a implantação de grandes projetos na Amazônia. A organização afirma que esses mega-projetos ameaçam o modo de vida da população na Amazônia a ampliação de monoculturas exóticas à região, como a soja, projetos de hidrelétricas e exploração mineral. Ao contrário do discurso de gerar emprego, renda e desenvolvimento, como dizem em suas propagandas, o saldo desses grandes projetos tem sido a destruição da floresta, a poluição de igarapés e rios, a prostituição e o inchaço das cidades, diz a Via Campesina. Leonardo Boff, Rosa Acevedo Marin, Lourdes Furtado, Dom Erwin Krauser, o procurador da República Felício Pontes e os dirigentes João Pedro Stedile Marco Antônio estão entre os conferencistas que debaterão sobre a biodiversidade e reforma agrária, a dinâmica do capital na Amazônia e projeto popular para o Brasil. A agenda da Via Campesina Pará inclui ainda conversa com representantes de órgãos públicos na esfera federal estadual, dos setores agrário, agrícola, pesquisa, meio ambiente, financeiro e extensão rural. Por que abril? Rogério Almeida, jornalista e simpatizante do MST, explica de Belém: “Faz 11 anos que a chacina de 19 trabalhadores rurais sem terra, no lugar conhecido com “Curva do S”, na rodovia PA-150, arrancou do anonimato a cidade de Eldorado do Carajás, no Sudeste do Pará. A marcha dos sem-terra foi interrompida por tropas da Polícia Militar, que obedeciam a ordens do então governador Almir Gabriel (PSDB). Os laudos médicos nos corpos dos que tombaram deixa claro: houve execução à queima roupa. Tiros foram disparados à curta distância em nucas e peitos. Os PMs usaram as próprias ferramentas dos sem-terra na mutilação dos corpos dos militantes. Além dos 19 mortos na chacina, 75 foram feridos gravemente. Alguns, até hoje, possuem balas alojadas no corpo. O grupo peleja na Justiça por reparação. O prazo limite para pagamento de indenização aos sobreviventes é o mês de julho. Mas tudo depende da burocracia do Estado. Dos que entraram com processo contra o Estado do Pará, somente 20 recebem pensão de um salário mínimo, que julgam insuficiente para a manutenção de suas vidas com dignidade. Dos 155 policiais envolvidos no caso, não há nenhum preso. Os comandantes do massacre, coronel Mário Pantoja e o major José Maria Oliveira, que foram condenados a 228 e 154 anos de prisão, respectivamente, respondem o processo em liberdade. Por conta das “brechas” da lei, Almir Gabriel e o secretário de segurança, Paulo Sete Câmara, não foram pronunciados no processo. É o Pará uma terra sem lei? Em 33 anos, 772 pessoas foram mortas no Pará em decorrência de conflitos no campo. 567 permanecem sem apuração, o que indica uma impunidade de 73%. O Judiciário tem sido ágil em expedir liminar de reintegração de posse, já em apurar as execuções dos que se opõem ao latifúndio, não.”

Navio negreiro

De janeiro a março deste ano, 583 pessoas que trabalhavam em condições análogas ao trabalho escravo foram libertadas pelo Grupo Móvel de Fiscalização, do Ministério do Trabalho e Emprego. Em 2006, o número de pessoas libertadas nos três primeiros meses foi menor: 565 trabalhadores. O balanço foi divulgado dia 10 pela assessoria de comunicação do ministério. No primeiro trimestre deste ano, o trabalho do grupo móvel garantiu o pagamento de quase R$ 918 mil de verbas trabalhistas indenizatórias. Foram realizadas 17 operações em 40 fazendas do país. No mesmo período de 2006, foram fiscalizadas 51 fazendas em 21 operações, totalizando quase R$ 763 mil em indenizações. O Pará foi o estado que registrou o maior número de trabalhadores libertados, 192. Depois vem Piauí (155), Bahia (97), Maranhão (78), Goiás (36) e Mato Grosso (25). Este ano, a atuação do grupo móvel resultou também na formalização do trabalho de 590 empregados, que tiveram o registro em carteira. No primeiro trimestre de 2006, o número foi maior: 987 empregados. Foi maior também o número de autos de infração: 544 contra 483 deste ano. As atividades que mais têm empregado em condições de trabalho escravo são pecuária, agricultura, madeira, carvão e exploração vegetal, diz a Fonte: Agência Brasil . Participam do Grupo Móvel de Fiscalização auditores fiscais do trabalho, delegados e agentes da Polícia Federal, além de procuradores do Ministério Público do Trabalho. Os trabalhadores, ao serem resgatados, recebem as verbas trabalhistas devidas, seguro-desemprego, alimentação, hospedagem e transporte aos locais de origem, além de serem orientados juridicamente e incluídos em programas do governo federal.

Sufoco

A situação da travessia do Rio Araguaia, na divisa de Mato Grosso com Goiás, na cidade de Barra do Garças, continua complicada. Três balsas estão realizando o trabalho, mas as filas são quilométricas. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, a espera chega a 5 quilômetros de extensão. O quadro também é crítico, embora menor, na travessia de Goiás para Mato Grosso. Veículos de carga chegam a esperar por um período de 24 horas para realizar a travessia, sendo que os que transportam carga-viva e passageiros têm prioridade. O tempo médio de espera para automóveis e motocicletas é de duas horas, com prioridade para ambulâncias. A travessia pela ponte para veículos leves só deve acontecer a partir do dia 15. Em março, a ponte, que apresentou problema na estrutura no mês de janeiro em função do deslocamento de rocha que causou rachaduras em uma das pilastras, foi completamente interditada pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre (Dnit). A partir dai a travessia passou a ser feita apenas por balsa. Para fazer a travessia, se pago R$ 40,00 por carreta. Os proprietários de veículos de passeio pagam R$ 10,00 e motos, R$ 7,00 - fato que tem gerado ainda mais insatisfação entre os motoristas. (24 Horas News)

Abrindo a caixa preta

Quinta-feira próxima, 19 de abril, acaba o prazo para que as guseiras, recentemente vistoriadas, entreguem os documentos solicitados pelo governo paraense. Na correição feita entre 19 e 28 de março, a tropa de choque de Ana Júlia verificou que pelo menos dez guseiras não têm como comprovar a origem da biomassa usada na produção do seu carvão vegetal. Também ficou alguns furos abaixo da realidade a informação dos empregos no setor, que não batem com os dados da secretaria da Indústria e Comércio. Como sabem Deus e o mundo, nenhuma guseira do Distrito Industrial de Marabá possui reserva florestal para a produção de carvão, como manda a lei ambiental. No segmento, informa-se que as siderúrgicas estão negociando um prazo com a Secretaria do Meio Ambiente para obter a auto-sustentabilidade – lá pelos meados de 2015.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Belém, um olhar

Notícias de Belém Rodolfo Salm* Escrevendo para esta coluna desde 2005, tentamos discutir temas relevantes para a questão ambiental em diferentes escalas, desde transformações no clima e na paisagem globais até assuntos bastante específicos, mas não menos importantes, como a “verticalização de São Sebastião”, ou a degradação das “águas paulistanas”. No fundo, é claro, estamos escrevendo sobre nós mesmos, nossas preferências pessoais, preocupações particulares, idiossincrasias, embora tentemos disfarçá-lo para tornar os textos mais interessantes para o leitor. Assim, hoje resolvi escrever sobre a minha recente mudança para Belém do Pará. A cidade é a cara do subdesenvolvimento: tem uma elite de madeireiros, fazendeiros e seus asseclas instalados em altos prédios que despontam como paliçadas sobre os populares, enquanto o esgoto corre em valas pela cidade. Escolhendo um título para o artigo desta semana, pensei em plagiar meus colegas de coluna escrevendo sobre a “verticalização de Belém” ou as “águas belenenses”. A verticalização é realmente um problema sério por aqui. A imagem que se tem de Belém, dos casarões ladeando ruas de mangueiras centenárias, é apenas uma pequena parte da realidade, infelizmente. Chegando-se de avião, os prédios que despontam nos bairros mais próximos à baía de Guajará, a zona mais valorizada da cidade, chamam a atenção dos visitantes. São imensos espigões de até quarenta andares! Esta obsessão pela altura tem uma explicação: a região é extremamente quente, mas, a partir do quinto andar, mais ou menos, o vento que vem da baía é forte o bastante para refrescar os apartamentos, que, quanto mais altos, mais agradáveis são. O problema é que cada um destes prédios cria uma “sombra de vento” (uma zona que deixa de ser ventilada), que se estende por vários quilômetros ao longo da cidade. Assim, será necessário viver mais e mais alto para escapar do calorão. O resultado é uma sociedade estratificada, com os ricos vivendo literalmente por cima e os pobres e remediados cada vez mais privados da brisa que lhes era natural e dependentes de ventiladores e aparelhos de ar-condicionado (quando possível). O problema das águas também é grave. A cidade, localizada na desembocadura do rio Guamá, na baía de Guajará, tem formato de península e é composta principalmente por terras baixas com poucos declives, portanto cortada por igarapés com baixa velocidade de escoamento. Como as chuvas por aqui são torrenciais e a drenagem precária, foram cavadas valas profundas por toda parte, entre as ruas e o calçamento (tipo um meio-fio bem fundo). Apesar de oficialmente destinadas às águas pluviais, as valas freqüentemente abrigam água de esgoto, que vai terminar nos igarapés, que se tornam assim tão fétidos quanto o rio Tietê em São Paulo, na altura da marginal. Assim, temos valas de esgoto a céu aberto por toda a cidade, até mesmo em seus bairros mais “nobres”, por onde correm ratazanas na maré baixa. Em Belém, todos, do mais pobre ao mais rico, convivem cotidianamente com o esgoto, como se isso fosse natural. Também merece destaque, na zona portuária, próxima ao famoso e lendário mercado Ver-o-Peso, a Companhia Docas do Pará. Ali se vêem pilhas e mais pilhas de madeira roubadas da floresta tropical e cortadas em tábuas para a exportação, sob os olhares complacentes da cidade que, mais do que aceitáveis, as vê como necessárias ao seu desenvolvimento. Passando por ali, sinto muita raiva dos profissionais que, através de obscuros “planos de manejo”, dão um verniz “científico/sustentável” à exploração, ainda mais agora sob as bênçãos de Marina Silva e seu Ministério, convertidos à falácia do manejo. Posto assim, as notícias podem fazer pensar que estou desgostoso da mudança, o que absolutamente não é verdade. Perturbavam-me muito os infindáveis períodos de seca do interior de São Paulo que, na região de Ribeirão Preto, são agravados pela queima dos canaviais, levando a umidade relativa do ar a níveis mínimos e insuportáveis e dando à paisagem ares apocalípticos. Aqui, por outro lado, a tempestade tropical traz sempre uma esperança junto com as águas torrenciais. *Rodolfo Salm é articulista do site http://www.ie.ufrj.br/aparte/(18/01/2007 - 22:35)

terça-feira, 10 de abril de 2007

Mais trabalho escravo com etanol?

da Redação, UOL News A possível implantação de várias novas usinas de açúcar e de álcool no Brasil em razão do acordo comercial com os Estados Unidos para de etanol é alvo de forte preocupação do Ministério Público do Trabalho (MPT). A afirmação é do sub-procurador geral do Trabalho e coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo do MPT, Luis Antônio Camargo de Melo. "Isso tem me tirado o sono. Estou muito preocupado com essa possibilidade de implantação no Brasil de várias dezenas de novas usinas de açúcar e álcool. Eu enfrentei junto com outros colegas do Ministério Público do Trabalho uma situação muito grave de superexploração de trabalhadoress indígenas em destilarias de açúcar e álcool no Mato Grosso do Sul, e foi muito difícil vencer a resistência dos empregadores, dos usineiros. No interior de São Paulo, estamos verificando em mortes de trabalhadores por absoluta exaustão. O trabalhador é obrigado a cortar 12, 13, às vezes 15 toneladas de cana por dia... Essa é uma tarefa absolutam imoral, desumana", declarou. "Se não houver uma ação firme, preventiva e de orientação do poder público, há risco de degradação, um desastre no meio ambiente e exploração de trabalhadores", disse o procurador. De 1995 até março deste ano, fiscais do trabalho já libertaram 21.774 trabalhadores em situações semelhantes à de escravos. Um cadastro de empregadores desse tipo de mão-de-obra foi criado em 2004 pelo Ministério do Trabalho e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Alista conta hoje conta com 166 empregadores registrados. Segundo Melo, o trabalho escravo não é caracterizado na legislação com essa expressão específica. O artigo 149 do Código Penal considera crime a redução à condição análoga de escravo, caracterizada pelo trabalho forçado e pelas condições degradantes de trabalho. "Trabalho forçado pode ser aquele em que ocorre a supressão da liberdade do trabalhador por vários motivos: coação, violência ameaça, mas, principalmente, por pela servidão por dívida. É um sistema em que os empregadores criam uma dívida falsa e o trabalhador acaba preso a essa divida. Ele não consegue se livrar e tem sua liberdade violentada. Não pode deixar local de trabalho, não tem liberdade de deixar o emprego porque tem uma dívida. Isso caracteriza o trabalho forçado", explica. "Condições degradantes são aquelas em que encontramos os trabalhadores praticamente abandonados à própria sorte, sem local de alojamento, dormindo às vezes ao relento, em beiras de córrego, sem um alojamento razoável pelo menos para poder viver. Muitos não têm água potável, não têm equipamentos de proteção individual, nem local para fazer as necessidades fisiológicas. Ficam abandonados às vezes no meio do mato, inclusive quando se tem jornadas exaustivas", disse Melo. Segundo ele, o trabalho em condições análogas à de escravo é caracterizado por uma duas situações (trabalho forçado ou em condições degradantes) ou pela somatória das duas. O subprocurador afirma que o número de caso nos últimos 6 anos vem caindo e que a situação do Brasil melhorou muito, fato reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho. Mas o problema parece longe de acabar. "Acontece que temos um binômio: a impunidade e o lucro. As pessoas que praticam esse crime porque ficaram impunes, pois isso acontece normalmente em áreas de difícil acesso, e o lucro enorme que se tem quando se deixa de cumprir a legislação. Esse binômio faz com que surjam os maus empregadores. (www.ecodebate.com.br) matéria originalmente publicada pelo UOL News, Economia, 08/04/2007 - 10h39

segunda-feira, 9 de abril de 2007

reintegração de posse

Juizes das cinco varas agrárias vão apresentar até o final de abril, a titular da Secretaria de Segurança Pública, o levantamento atualizado dos mandados de reintegração de posse, que para serem cumpridos precisam da presença da Polícia Militar. Este foi o entendimento acordado na reunião realizada nesta terça-feira, na sede da Segup, que tratou sobre a questão. Antes de reiniciar o cumprimento dos mandados juizes e órgãos de segurança pública do Estado sentarão novamente para tratar sobre como ocorrerão as desocupações, que serão realizadas, garantindo a integridade física das pessoas envolvidas. Presentes a reunião a titular da pasta Vera Araújo, os ouvidores agrários Gersino Silva e Otávio Maciel, os juizes das varas agrárias Líbio Moura (Marabá), Sergio Ricardo Lima Castanhal) e Carlos Magno (Redenção). Também participaram o delegado geral da Polícia Civil Raimundo Benassuli Junior e o comandante da Polícia Militar, José Benatti presidente do Iterpa e José Abucarter delegado do Incra. (Leia mais, neste site, na opção Ouvidoria Agrária // Texto: Gloria Lima).

Jurados de morte

Em meio aos preparativos para a visita do papa Bento XVI ao Brasil, marcada para maio, alguns setores da Igreja Católica estão preocupados com a questão do recrudescimento das ameaças de morte contra bispos, padres, freiras e agentes pastorais. De acordo com levantamento feito pelo Estado, com base em informações da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e de pastorais sociais, a lista tem dez nomes - todos da região amazônica, todos envolvidos com questões sociais e ambientais. Três deles são bispos. O Pará, onde a irmã Dorothy Stang foi assassinada em 2005, é o Estado com maior número de ameaçados: cinco pessoas da lista são de lá. Rondônia aparece em segundo lugar, com três nomes; e Mato Grosso em terceiro, com dois. Na prelazia paraense do Xingu, que engloba o município de Anapu, onde Dorothy vivia, o bispo Erwin Kräutler está sendo obrigado a fazer as visitas pastorais com um agente de segurança da Polícia Militar ao seu lado. O mesmo ocorre com o frade dominicano e advogado Henri des Roziers, que trabalha no escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara, também no Pará. Em Alta Floresta, Mato Grosso, a freira Leonora Brunetto dispensou a segurança oferecida pelas autoridades federais. Justificou-se dizendo que só aceitaria o esquema de proteção se pudesse ser estendido às lideranças dos movimentos de sem-terra com os quais ela atua. “Não seria justo deixar essa gente no perigo e sair de lado”, explicou ao Estado. “Diante de Deus não seria nada bom.” Com proteção especial, ela provavelmente se livraria de ameaças que ouve até quando caminha pelas ruas de Alta Floresta - cidade de 15 mil habitantes, a 720 quilômetros de Cuiabá e conturbada por conflitos em torno da posse da terra e da extração da madeira. “A gente não tem pressa”, disseram-lhe dias atrás. “Pode ser hoje ou amanhã, mas vai acontecer.” Pelo telefone, por cartas e até bilhetes jogados diante de sua casa, a freira de 61 anos já foi xingada várias vezes. Em Anapu, o padre Amaro de Souza, que trabalhava com a irmã Dorothy, também dispensou o esquema de segurança, com dois PMs. Mas o motivo dele foi outro: “Disseram que o transporte, o alojamento e a alimentação dos seguranças ficariam por nossa conta. Não temos condições para isso.” Temeroso, o padre mantém três cachorros no quintal de casa. “Eles me avisam quando qualquer estranho se aproxima. Preciso tomar cuidado, porque o consórcio de grileiros que encomendou a morte de Dorothy ainda está atuante.” Além de d. Erwin, os bispos que receberam ameaças foram d. Geraldo Verdier, da Diocese de Guajará-Mirim, região de Rondônia localizada na fronteira do Brasil com a Bolívia; e d. Antonio Posamai, de Ji-Paraná, no mesmo Estado. O primeiro, um francês naturalizado brasileiro, de 70 anos, dos quais 42 vividos aqui, foi ameaçado de morte porque tomou o partido de um assentado da reforma agrária que teve sua terra tomada por um grileiro. Depois teve problemas por ter denunciado casos de torturas, que teriam sido praticadas por policiais da cidade. “Uma vez me chamaram para socorrer um homem que estava sendo torturado. Encontrei-o no meio de uma poça de sangue”, contou ele. Nenhum policial foi condenado. Por outro lado, o bispo, acusado por um dos policiais por danos morais, será julgado no próximo dia 15 de maio na sede de sua diocese. Em Ji-Paraná, o bispo recebeu uma carta com ameaças de morte, no ano passado, após ter denunciado casos de corrupção que estariam ocorrendo no governo de Rondônia. No momento, o bispo também está sendo processado na Justiça. A LISTA DE AMEAÇADOS D. Erwin Kräutler: bispo prelado de Xingu, PA. Anda acompanhado por seguranças D. Geraldo Verdier: bispo de Guajará-Mirim, RO. Denunciou grilagem de terra e tortura policial D. Antonio Possamai: bispo de Ji-Paraná, RO. Denunciou casos de corrupção Frei Henri Burin des Roziers: da CPT de Xinguara, PA, atua no combate ao trabalho escravo Irmã Leonora Bruneto: da CPT de Alta Floresta, MT. Apóia os sem-terra Padre José Iborra Blans: de Guajará-Mirim, RO. Tem denunciado invasões de terras indígenas e de parques florestais Padre José Amaro de Souza: trabalha em Anapu, PA, a cidade onde mataram Dorothy Stang Padre Edilberto Sena: de Santarém, PA. Combate o avanço de soja na região amazônica Padre Boing: de Santarém, PA. Conhecido pela defesa dos direitos humanos Agente pastoral do Cimi: pediu para não ser identificado (www.ecodebate.com.br) matéria originalmente publicada pelo O Estado de S.Paulo - Roldão Arruda, O Estado de S.Paulo 07/04/2007

Siderúrgicas lucram com devastação da floresta no Pará9/4/2007

Apesar do lucro, empresas não investem em reflorestamento do meio ambiente Carlos Mendes, Agência Estado BELÉM - A legislação ambiental brasileira determina que empresas siderúrgicas produtoras de ferro gusa - matéria prima do aço - sejam auto-suficientes na produção do carvão vegetal que abastece seus fornos. Mas, em Marabá, no sul do Pará, onde essas siderúrgicas atuam há 19 anos, isso nunca aconteceu. O resultado é que a devastação da floresta para retirada da madeira e sua transformação em carvão vegetal já alcança mais de 300 mil hectares. E aumenta todos os dias. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou multas superiores a R$ 500 milhões, dizendo que as guseiras insistem na extração e transporte ilegal da madeira. Entre 2000 e 2006, a rentabilidade líquida do ferro gusa, em dólar, teve crescimento de 133%, aumentando a liquidez das empresas. Apesar disso, elas nunca investiram um centavo em reflorestamento para devolver ao meio ambiente o que dele foi retirado. Pressionado por ambientalistas e pelo Ministério Público Federal (MPF), que ameaça ingressar com ação civil pública contra as siderúrgicas por dano ao meio ambiente, o governo do Pará decidiu rever o licenciamento ambiental das empresas e dar a elas prazo de 15 dias para se ajustarem à lei. Durante fiscalização concluída na semana passada, dez empresas não tiveram como comprovar a origem da biomassa utilizada na produção de carvão vegetal. Para os técnicos e fiscais do governo entrar nas siderúrgicas foi necessário reforço da Polícia Militar. Caminhoneiros que transportam madeira fizeram bloqueio e ameaçaram agredir autoridades. "Ninguém quer fechar as empresas, mas queremos que haja oferta de carvão legal. Isso garante o trabalho das guseiras e respeito ao meio ambiente", declarou o secretário de Meio Ambiente, Valmir Ortega. VistoriaA vistoria técnica também revelou outro problema: o número de empregos gerados pelo setor e informado aos técnicos do governo estadual, são conflitantes com os dados da Secretaria de Indústria e Comércio (Seicom). O secretário Maurílio Monteiro explicou que as empresas terão de apresentar novos documentos para ser analisados. Se os números coletados nas vistorias do governo e as informações complementares das empresas não baterem poderão ser aplicadas duras penalidades. Uma delas seria o cancelamento de incentivos fiscais. Enquanto as guseiras dizem gerar cerca de 3 mil empregos diretos na região, levantamento do governo indica que pelo menos 30 mil pessoas trabalham em 20 mil pequenos fornos de carvão vegetal. Fiscais da Secretaria da Fazenda que também estiveram em Marabá fizeram mais de 50 autuações, principalmente na circulação de mercadorias sem nota fiscal. Cinco caminhões que transportavam carvão estavam sem nota fiscal e guia florestal, e foram retidos. A siderurgia representa apenas 10,2% da mão de obra na região, o que representaria 2.500 empregos diretos. (www.ecodebate.com.br) matéria originalmente publicada pelo Estadao.com.br - 08 de abril de 2007 - 17:26

domingo, 8 de abril de 2007

Marabá: esta terra!

È isto mesmo! Esta terra é vista pelas suas mais diversas formas e aspectos que saltam aos olhos de seres viventes que aqui residem ou por aqui passam. É exaltada por múltiplos sentimentos, desde os utilitaristas aos saudosistas e ufanistas, os céticos, idealistas, oportunistas e lúcidos. Vou tentar expressar minha visão a partir de um destes sentimentos, o que mais me influencia neste momento, de tanta insegurança sobre o agora e o futuro, e sentimento de medo, é, o medo de não podermos avançar no sentido do progresso da humanidade e voltarmos ao estágio de barbárie. Aqui, viveu-se por quase um século sob as ordens dos mais fortes, mais poderoso, proprietários das terras, donos do dinheiro que garantia o aviamento e a geração de riqueza para poucos. Famílias privilegiadas pelo apoio político e comercial que vinha da metrópole. Este modo de exploração começa a ser ameaçado no final da década de 60, com o anuncio da descoberta da reserva do minério de ferro de Carajás. È abalado e quase destruído na década de 70, com abertura das rodovias Transamazônica e PA-70, que possibilitaram o contato do povo desta região com a capital do Estado e com outros Estados. Desde então, aos dias de hoje, são pouco mais de trinta anos, de muitas transformações experimentadas pelos povos deste município. Foram-se as forças dos garimpos de diamante, que embora os garimpos fossem em outros municípios, as relações de poder se construíam aqui. Foram-se os castanhais, os castanheiros (cortadores de castanha), os barqueiros (porcos d’água), os tropeiros, os mariscadores, os marreteiros. Foram-se também muitos de seus algozes, embora alguns resistam, porque são duros para morrer, mas o dia chegará. Surgiram outras frentes: a agricultura (de subsistência), a pecuária, a exploração madeireira, as cerâmicas, as mineradoras, as guseiras, cultivo de soja e de eucalipto. São outras relações de poder e dominação que disputam a hegemonia do espaço, com táticas as mais diferenciadas, embora as estratégias em muitos casos sejam as mesmas. Mas por trás de tudo isso, nesta terra, se desenvolve um mundo oculto, no campo e na cidade: do autoritarismo, do monopólio, da corrupção, da miséria, da pobreza, da exclusão, da exploração, da espoliação, da degradação, da destruição, da morte imatura e da morte em vida em que muitos se encontram. Este mundo oculto poucos o percebem e muitos se fazem não perceberem. É um mundo de situação perversa, mas para os que se favorecem deve ser mantido porque garante a geração de riqueza para os poucos e garante o estado de poder e dominação, que é gerado no setor público e privado. Posso até estar enganado, mas é assim que vejo esta terra: de muita riqueza material mas de muita gente pobre econômica, política, intelectual e moralmente. “...morreu quase todo bicho/esvaiu-se todo encanto/visagem caiu no mato/-pernas para que vos quero?-/passarinho foi embora/dizer para onde não sei;/só ficamos nós,coitados,/preso no arame farpado/bando de bois./calcule a tragédia” ("Esta Terra", Ademir Braz, 30/31 de agosto de 1978). Vamos à luta! Raimundo Gomes da Cruz Neto (rgc.neto@yahoo.com.br)

A arte em grãos: Chagas Filho

Francisco Chagas Vitorino dos Santos Filho, o Chagas Filho, é jornalista e pedagogo, nascido e criado em Marabá, no Pará, em 1975. em 2000, venceu o III Festival de Conto da Prefeitura de Marabá com “O juiz”, uma historieta curiosa e surpreendente, mas bem representativa da sua paixão pelo cotidiano e pela loucura do dia-a-dia. O conto integra a pequena coletânea “Dez mentiras bem contadas”, ainda inédita. A seguir, dois contos de Chagas Filho. O juiz Nunca consegui juntar aquela segunda-feira no meu esquecimento. Era impossível a quem passasse pela Rua da Paz, logo de manhãzinha cedo, não notar o imenso cartaz, escrito as palavras “Ladrão çafado”. E ainda escreveram errado. Bem na porta do juiz Dionísio Sereno. Mas, logo ele, conhecido como Dionísio Braço de Ferro, que durante mais de vinte anos julgara com imparcialidade todos os acontecimentos na desprezada cidade de Itupiranga, aqui bem perto de Marabá. Difícil acreditar que alguém tivesse motivos para não gostar dele. Pois é, chamar a Itupiranga daquela época de cidadezinha desprezada é o cúmulo do eufemismo. Na verdade o lugar era um buraco. Eu que nasci e fui criado lá que o diga. A única coisa boa que existia por aquelas bandas eram os pés de manga. Agora não há mais quem os encontre. Ah, sim, o pessoal também gostava muito do juiz. Qualquer besteira, como roubo de galinha ou de porcos – os mais comuns –, era sempre levada a ele. Não passava nem pelo delegado. É, sim senhor, ele angariou o respeito do delegado, a simpatia do prefeito e até a aceitação do presidente da câmara municipal, aquele velho rabugento. Ainda mais depois que deixou de morar na capital do Estado e comprou uma casinha na Rua 14 de Julho, passando a visitar a família em Belém somente nos finais de semana. Pois bem, voltemos ao cartaz. Quando Dionísio acordou e viu aquele insulto pendurado na parede, retirou o pedaço de papel, olhou fixamente para o que estava escrito e até sorriu ao notar que a palavra “safado” estava com a grafia errada. Depois, olhou em volta e viu que algumas pessoas o observavam. Então fechou a cara e seguiu para o fórum. De lá, mandou chamar o delegado Quintanilha e pediu que ele tomasse providências para descobrir quem havia colocado o cartaz difamador na porta de sua casa. Eu ajuntei aquele episódio nas minhas lembranças e me recordo como se fosse ontem: o prefeito, o padre, alguns rábulas e até o promotor, que só aparecia de vez em quando, foram lá demonstrar apoio ao magistrado e dizer que também iriam descobrir quem foi o vândalo que tentou caluniá-lo. Naquela mesma época, havia sido solto o fazendeiro Zé da Prata, acusado de matar o colono João Gracinha, amigo particular do vereador Jeová, presidente da Câmara e única pessoa na cidade que não morria de amores pelo juiz. Na verdade ele só o aceitava, como eu já disse antes. Aliás, dizem que ele só gostava mesmo da mulher, dona Graça. Deus a tenha em bom lugar. Santa mulher aquela, suportou durante 15 anos a convivência com Jeová, que de Jeová só tinha o nome. Pois bem, o vereador passou a cismar do cartaz. “Alguma esse juizinho aprontou”, imaginava ele, que àquela altura já estava uma arara com Dionísio por causa da soltura de Zé da Prata. Maquiavélico que só ele, o edil foi até o fórum conversar com o juiz, dizendo-se também chocado com o acontecido e prometendo até criar uma lei municipal que punisse praticantes de crimes como aquele, com prestação de serviço à comunidade. Mas, no fundo, Jeová queria mesmo era saber quem poderia ter colocado o cartaz na porta de Dionísio, e qual não foi sua surpresa ao ouvir do juiz um áspero pedido para ir embora. E por pouco o vereador não viu também um palavrão desatar-se da boca do magistrado. Mas, logo o juizinho, que sempre lhe fora tolerante, mesmo na época em que os dois não se cheiravam. Por que raios ele o tratara mal agora? Justamente quando o vereador lhe visitara como amigo! - “Existe algo de podre no reino da Dinamarca”, imaginou. Imediatamente, Jeová chamou dois capangas e montados a cavalo, como no velho Oeste, foram até a fazenda Macaxeiras, na época ainda em Marabá, onde Zé da Prata estava escondido, e lá chegando encontraram o assassino bebendo em um bar. Ao notar a presença de Jeová, Zé ainda ameaçou correr, mas foi seguro pelos capangas do vereador, enquanto o próprio Jeová mandou que ninguém se metesse na confusão. Quem se importa. Ninguém gostava mesmo de Zé da Prata. Cerca de dez quilômetros dali, Jeová meteu o trezoitão na cabeça de Zé da Prata e mandou ele rezar, enquanto seus capangas cobriam o infeliz de chutes. Na verdade, o vereador só queria que Zé confessasse o que fez para ser solto, já que a cidade inteira sabia que fora ele quem matou João Gracinha. Debaixo de tanta taca, o desgraçado contou tudo: assassinou João Gracinha porque este não queria lhe vender dois alqueires de terra que faziam fronteira com sua propriedade e depois da morte do desafeto, comprou facilmente as terras da viúva, que amedrontada foi embora dali, levando os 8 filhos. Ele contou também que, para tirá-lo da cadeia e responder o crime em liberdade, o juiz Dionísio lhe pediu cem cabeças de gado e mais a metade da propriedade de João Gracinha, que há muito o interessava. O homem até mostrou as promissórias e os recibos de compra e venda assinados pelo juiz. O negócio foi tão absurdo que não houve intermediação nem de advogado para pedir o alvará de soltura. Coisa de cidade do interior. Mais que depressa, Jeová levou Zé da Prata direto para Marabá e de lá pegaram um ônibus e foram bater em Belém, onde o vereador, usando sua influência, entrou na sala do juiz Endelmar Melgaço, presidente do Tribunal, como quem entra num boteco, e fez o acusado repetir tudo que dissera antes. Depois de ouvir atentamente e com os olhos arregalados, o desembargador retornou com o vereador até Itupiranga e chegou de noite, dois dias depois, ficando na casa de Jeová, de onde mandou chamar o delegado Quintanilha e deu-lhe ordem para prender o juiz Dionísio, de manhã cedo, lá mesmo no fórum de Itupiranga, sob acusação de corrupção ativa. A cidade inteira (se bem que não era muita gente) se ajuntou na frente do modesto prédio do fórum para ver o homem saindo preso, embora não estivesse algemado, afinal de contas muitos ainda lhe deviam alguma consideração. E lá estava ele, que sempre fora tido como um homem acima de qualquer suspeita. Dionísio olhou para as pessoas ao seu redor e, morto de remorso e de vergonha, tomou a arma das mãos de um policial e se matou com um tiro no ouvido. Bem no meio da praça. Eu que assisti a tudo de cima de um pé de manga, nunca me esqueci do alvoroço causado pelo gesto tresloucado do juiz. Mas tudo é coisa do passado. Agora, Jeová estava de alma lavada. Seu desafeto foi desmascarado e ainda se matou, vingando com as próprias mãos a morte de João Gracinha, muito querido naquela cidadela; enquanto Zé da Prata voltou para a cadeia, onde foi executado sete meses depois por quatro dos filhos de João Gracinha, que invadiram a cadeia e mandaram o homem pra debaixo da terra. Depois daquilo, Jeová passou a perder tempo todos os dias olhando para a mancha de sangue na praça, a cada dia menos visível, e se perguntando quem teve a corajosa idéia de colocar aquela bendita placa na porta do juiz. Afinal de contas, não fosse a placa, nada teria sido descoberto. Esse também é um dos pensamentos que mais me impressiona até hoje. Me dá friagem e me machuca as idéias só de imaginar que tudo começou no campinho de futebol. Isso mesmo, acredite se quiser. No domingo, um dia antes do cartaz aparecer na porta de Dionísio, nosso timinho “Itupiranga Mirim” perdeu a decisão do campeonato com um gol de pênalti que não existiu. E para completar nossa desgraça, o juiz da partida, seu Arlindo alfaiate, expulsou dois colegas nossos, sem motivo nenhum. Todo mundo viu a roubalheira. Juquinha, um dos expulsos e recém-chegado à cidade, era o mais indignado da turma. Ele até prometeu que no outro dia bem cedo iria colocar um grande cartaz na porta da casa do juiz, chamando ele de ladrão “çafado”. E olha que a gente bem que tentou explicar para ele que “safado” era com S, mas, pelo visto, não adiantou, o menino tascou o “Ç” e, o que é pior, no endereço errado. O minador de corpos A caminhonete chegando àquela hora da noite não era coisa normal, mas como a polícia não tem hora pra trabalhar, ninguém deu importância. “Que é que foi sargento?”, gritou seu Zé, lá da esquina. “Nada, não, só uma diligência”, respondeu sargento Guerreiro. “Então chega prá cá e vamos jogar um baralho”, chamou. “Hoje não, que eu estou muito cansado, mas amanhã quem sabe…”, desconversou o policial, com a farda meio suja da poeira, e depois entrou na delegacia junto com os outros dois. “Olha só, diz que tá cansado e vai prá dentro da delegacia”, observa seu Zé. Tentando espiar a carta que estava na mão dele, Clementino solta uma fofoquinha: “Parece que ele tá dormindo é lá mesmo... Brigou com a mulher”, cochichou. “De novo!”, responderam os outros em coro, para em seguida voltar ao baralho que se estenderia por quase toda a noite. Depois disso veio o dia, outro dia, outros dias e enfim o cheiro… O cheiro forte e podre convidava as crianças a não se aproximarem do local, mas sabe como é: criança vai aonde o passarinho está, e aí, não deu outra, acabaram encontrando um cadáver, já decomposto, irreconhecível e sem roupa. Depois da gritaria, a carreira de volta para casa, deixando as gaiolas pelo chão. Não demorou muito e todo mundo de vila Santana foi lá só para conferir de perto o cadáver no meio do matagal. E tinha gente querendo mexer, outros querendo jogar terra em cima. Uma “festa” só. “Chama a polícia”, gritou seu Zé. “Se o defunto num tem dono, a polícia tem que vim aqui tirá o corpo pra fazê inzame”. Pareceu ser a decisão mais acertada. Dito e feito: cinco horas depois a equipe do sargento Guerreiro chegou ao local na velha toyota empoeirada. “Vamo disobistruino a ára!”, pediu com aquela “gentileeeza”. Enrolaram os restos do homem numa lona preta e colocaram na carroceria da caminhonete e levaram para Marabá. “Tem um tal de ‘ML’ lá que é onde eles bota os morto que num tem dono”, explicava seu Zé para a multidão, enquanto todos deixavam o local e seguiam para a rotina de suas vidas. Mas, como seguir para a rotina, se na semana seguinte outro corpo apareceu no mesmo lugar, desta vez encontrado por um casal de namorados que estava lá fazendo sabe-se muito bem o que. Agora o espanto foi maior que da primeira vez e menor que da terceira. Três corpos em três semanas. O intrigante é que não era ninguém da vila. Aliás, parece que não era ninguém de lugar algum, pois nenhum dos mortos foi identificado e todos acabaram sepultados como indigentes. A pequena vila agora vivia cercada de policiais militares e civis, revistando as pessoas nos bares, nos comércios e nas estradas ramais. O pior não era isso. O pior era o cheiro de podridão, que impregnava o centro da vila, ali perto da delegacia e também do bar do seu Zé. “Seu Zé, uns dois dia antes do primêro morto aparicê eu já tava sintino chêro ruim por aqui”, dizia Clementino. “É homi, eu num quiria falá nada, prá ninguém depois num vim me chamá de doido, mas óia que eu e a muié tava prá num agüentá mais a catinga da carniça”, respondeu seu Zé. “Até o sargento Guerreiro anda fedeno só a coisa pôde... apesar de que ele nunca foi cheroso mermo”, comentava Clementino, já caindo na gaitada com o amigo. “Isso é bobagem minha gente”, disse Laércio, funcionário da Sucam que sempre estava por ali. “É que nós estamos todos impressionados com esses corpos encontrados aqui na nossa vila”. Não, não foi só impressão. O cheiro era forte, sujo e seco, assim como as manchetes do jornal e o noticiário da TV e do rádio, que davam conta de um assalto ocorrido em Marabá, havia cerca de um mês. “Ói só seu Zé! Aqui no jornal de papel tá dizeno que quatro ladrão roubaram quinhentos mil do banco e sumiram no mundo”. “E tu num sabia não homi. Foi até a turma do sargento Guerreiro que pissiguiu eles até lá perto do porto da balsa, mas parece que os bandido era tubarão grande, pois passaram pro lado do Goiás e deixaram o sargento com a camionete no prego. Clementino alfineta: “Eu tô achano que o sargento não ficou no prego não. Ele tava era com medo de corrê atrás dos homi, pois se eu mermo vi ele voltano com a bicha boazinha”. Nisso, Terêncio entra correndo no bar: “Eu não quero atrapaiá a cunversa de ninguém, não, mas tem oto homi morto lá no matagal”. Novamente cumpriria-se o mesmo ritual: polícia, IML, fotógrafos, curiosos e mais um indigente sepultado. Não fosse um detalhe, este corpo teria o mesmo destino dos outros. O detalhe era uma foto dos restos mortais do homem, que foi tirada no local e atestou uma tatuagem em forma de estrela. Corpo identificado: Carlos Alexandre Jaborandi, vulgo “Jaburu”, um dos envolvidos no assalto ao banco em Marabá, dias atrás. “Ah, então era bandido? Tem mais é que morrer!”, comentava-se na vila, no dia seguinte ao fato. Lá no bar do seu Zé, finalmente o sargento Guerreiro apareceu pra tomar umas e bater um papinho – coisa que não fazia há muito tempo. Parece que os homi morto era tudo assaltante, né sargento?”, perguntou seu Zé, puxando assunto, pra ver se o policial se animava, já que parecia triste. “Se é o que tão dizendo...” “Mas, autoridade, se eles era tudo caboco peitudo, cuma é que se dexaram pegá assim?” “Isso aí eu num posso dizê, porque é segredo da profissão, mas que eles era peitudo, ah isso era. Pois morrero, um a um, sem contá onde tava o dinheiro do roubo... E deixa eu ir embora pra casa, que eu não preciso mais dormir na delegacia”. Parece que eu perdi um pedaço da história, e o sargento perdeu uma coisinha um pouco mais... concreta.