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sexta-feira, 20 de abril de 2007

Velhas cartas de alforria

Fluxograma (Ademir Braz, 1978) Não me peçam virtudes. Essas, não as tenho. Não como se compreende a virtude: coerência, rito aceito, sensatez. Sou insensato, eis tudo. A cada dia sou outro: erro com a rosa dos ventos. Não me peçam fronteiras, nem definições, fidelidades. Meu olho sangra muros e o Ser expõe-se ao tempo, tempestades. Sou hoje aqui e o agora. Outros serei amanhã e depois de amanhã o sol revelará a face que ainda não me sei. Só quero viver o meu tempo, consumir-me – sarsa ardente, Porque é inútil quem não vive o seu tempo. A aranha e o silêncio (Ademir Braz, 1978) Então desperto... desperta-me Esta sonoridade equívoca do mundo. À janela, o dia tece a teia em torno ao tempo morto. A poesia é apenas isto – silêncio na memória da carne no vazio da raiz dos cabelos. E como sobrevivo, entre a face do espelho e o gume da navalha, atiro as palavras como pedras ao mar. Escrever é uma tarefa ordinária, eu penso, Quem sabe não seria mais proveitoso fazer uma revolução, mudar o amanhã comum do operário vizinho (um dia sempre igual ao dia de ontem, ao dia de sempre) ou atirar-me de vez ao mar... no entanto, I am as I am. E como preciso atender esta necessidade espiritual de permanecer de mal com o mundo, vou juntando palavras ao acaso, certo de que toda Arte possível não faz diferença a este sentimento nem vai fazer menor a solidão. O poeta é uma aranha tecendo numa fresta do mundo.

A arte em grãos III: Augusto Cézar Bastos

Augusto Cézar Bastos nasceu em Itaguatins, Goiás, no começo do século XX. Em 1920, iniciou seus estudos em Marabá (PA), para onde a família migrou. Em 1928, vivendo em Belém, convive com intelectuais paraenses, entre os quais Bruno de Menezes, Campos Ribeiro, Jacques Flores, dedicando-se à boêmia e à poesia. Em 1933, abandona os estudos universitários e muda-se para São Paulo onde engaja-se como soldado, na esteira do movimento constitucionalista, mas logo abandona a farda, retornando à vida desregrada até 1938. Além de soldado, foi jornalista, dentista prático, vagabundo em Santos, agrimensor no Rio de janeiro. Em 1939 retorna à casa paterna em Marabá, entregando-se de vez ao alcoolismo e quase morrendo em conseqüência disso. Em 1964 voltou a Itaguatins, onde tornou-se funcionário público municipal. “O que restou dos sonhos” é seu único livro publicado (50 páginas, 15 poesias, Goiânia, 1981), graças a um amigo que conseguiu reunir fragmentos da sua obra, quase toda perdida para sempre. Quando dessa publicação, patrocinada pelo governo estadual, Augusto Cezar Bastos tinha 60 anos. Ignoro se ainda vive. Alucinação Faz tanto frio, tanto, e eu, doido a morrer de frio e espanto, passo a correr pela cidade morta. Paro diante de umas velhas casas. Ouço o bater tétrico de asas e o rangido soturno de uma porta. Faz tanto frio, tanto, e eu, doido a morrer de frio e espanto, volto a correr pela cidade morta. Eu e minha rua Minha rua é quase feia Tortuosa, esburacada, Mas nenhuma é mais bonita Nas noites de lua cheia. Crianças brincam de roda Cantando “três cavaleiros, Todos três chapéu na mão”, Vão levantar Terezinha Que rolou, caiu no chão. Tem buracos onde a água Vai brincar de se esconder. Nas calçadas o luar Dorme até o amanhecer. Com cantigas nas calçadas Minha rua é como eu: Quase alegre olhando a lua E no luar encontrando Um sonho que se perdeu. Violino do Diabo Não sinto mais o odor dos tempos refloridos e as cascatas de luz não trazem mais alento aos frangalhos que são os meus cinco sentidos saturados que estão de todos os tormentos. Vão longe as ilusões dos tempos idos. Tenho no peito temporais violentos e nos meus olhos trago refletidos o pensamento atroz e a dor desses momentos. Tenho noites sem fim, de sonhos povoadas e ao ver o sol eu sinto tristemente a certea cruel das frias alvoradas. Meus nervos hoje são as cordas retesadas de um violino que o diabo fez presente a outro diabo que vive às gargalhadas.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Poesia faz bem

A Associação dos Poetas e Escritores de Marília (SP) está com inscrições abertas até 1º de julho ao seu concurso de poesias, cujo regulamento pode ser obtido no site www.apem.com.br. A entrega de prêmios acontece dia 4 de agosto naquela cidade. Livre-pensar "A felicidade é uma viagem, não um destino". (Henfil)

Metá-metá

Resultado da enquete do site Pará Negócios, do jornalista Raimundo José Pinto, até às primeiras horas de quinta-feira para a questão “Quem você acha que são os principais responsáveis pela crise no setor de ferro-gusa?” a) Os próprios empresários - 30 %; b) o poder público - 10 %; c) os dois juntos - 60 %

Tião tenta manipular eleição sindical

Presidente do Sindicato dos Taxistas do Município de Marabá (STMM) e candidato à reeleição, Dorimar Gomes Soares denuncia: “o gabinete do prefeito Sebastião Miranda está tentando interferir, de forma escancarada, escandalosa e intolerável, no processo eleitoral e nos destinos da nossa entidade profissional”. A eleição será por todo este sábado (21/04), com as chapas lideradas por Dorimar Gomes (1) e Adriano Gomes Soares (2) Segundo o presidente do STMM, diariamente ele recebe de seus colegas de trabalho a informação de que eles vêm sendo assediados pelo candidato da Chapa 2, Adriano Gomes, que vai “a todos os pontos de táxi prometendo o que não poderá cumprir, inclusive o alegado apoio do prefeito Tião Miranda, caso eleito. Para provar o que diz, Adriano liga para a prefeitura e pouco depois aparece no local o chefe de gabinete Gilsin Silva, endossando as promessas eleitoreiras de Adriano e até chegando a tirar companheiros do seu serviço para levá-los a reuniões no prédio da prefeitura”. Por toda a manhã de quinta-feira Quaradouro tentou contatar Gilsin Silva, para ouvir a sua versão, mas não foi possível: inicialmente, ele não estava no gabinete; depois, a partir das onze horas, a secretária dele encheu-se de razões para evitar que o jornalista falasse com seu chefe. Indignado com o que chamou de “desfaçatez da administração”, Dorimar Gomes pôs-se em campo para alertar os companheiros contra essa interferência ilegal na vida do sindicato, que vem sendo feita em nome do prefeito Tião Miranda. “Quero lembrar a todos – diz em nota pública - que os atuais promesseiros são os mesmos que se recusam a atender os pleitos da nossa categoria no combate à insegurança na questão do transporte público e na criação do táxi-lotação, bandeira de luta que o Sindicato defende há muito tempo. Quero alertá-los contra o risco de o Sindicato vir a cair em mãos indevidas, inclusive de pessoas com passado comprovadamente desonesto, pondo a perder nossa credibilidade construída com sacrifício e muita luta.” E conclui: “Não vamos aceitar que interesses escusos e politiqueiros atrapalhem nossos objetivos coletivos e voltados exclusivamente para o interesse dos taxistas. Neste sábado, vamos mostrar a todos que não aceitamos pressões nem nos envolvemos, enquanto categoria profissional, com interesses meramente eleitoreiros.” Encabeçada por Adriano Gomes Soares, a Chapa 2 teve 9 dos seus 12 integrantes impugnados, assim que foi apresentada, pelo sindicalizado João Batista da Silva, por um motivo bastante prosaico: do candidato a presidente a quase toda a diretoria, todos deviam mensalidades que variavam de 3 a 46 meses, não podendo votar ou serem votados de acordo com o estatuto sindical. Às pressas, todos quitaram os débitos e a Chapa 2 foi reapresentada e aceita, uma vez regularizada a situação dos candidatos.

Quem lucra no jogo

Uma questão que não pode passar ao largo desse seminário “Desenvolvimento sustentável do Pólo Carajás”: a quem interessa a crise sem solução aparente das guseiras? Ponto!, se você disse Vale do Rio Doce. Pressionada pelas ongs ambientalistas e pela opinião pública internacional, cada vez mais poderosas junto aos compradores de minério de ferro, a Vale ameaça deixar de fornecer matéria-prima às siderúrgicas. Ora, a Vale tem sua própria sustentabilidade; herdou, quando privatizada, 30 mil hectares de eucalipto plantado há duas décadas ou mais (logo, pronto pro abate), que serviria para a produção de celulose no Maranhão, projeto abandonado. Assim que a Nucor começar a produzir gusa, vai também gerar seu próprio carvão, claro. Enquanto isso, as guseiras irresponsáveis, que jamais plantaram nada desde 1986, ou, se plantaram, não dizem onde nem se dá para o gasto, essas se quiserem vão ter de comprar carvão mineral, vulgo coque, que a Vale pode trazer em seus navios ociosos no retorno da China. Seria uma possibilidade se, claro, nossas guseiras pudessem vir a usar coque, mas nenhuma delas tem estrutura para isso, segundo uma fonte de lá. Logo, para consumir carvão mineral seria preciso reformatar todos os altos-fornos, ou seja, reconstruir tudo, com altos investimentos. Por fim, deixar a Vale de abastecer as guseiras encrencadas não é prejuízo; é, na verdade, uma forma de livrar-se de uma pedra no meio do caminho.

Efeitos colaterais

Instalado em 1989 na microrregião de São Félix do Xingu, sudeste do Pará, o município de Tucumã tem 2.523,3 km2 e dos seus 31.375 habitantes iniciais sobravam apenas 25.309 em 2000 (ou seja, menos 2,45%). Desses restantes, 21% eram analfabetos e 36% pobres. Na área urbana, serviços básicos como água encanada, energia elétrica e coleta de lixo só serviam a 31,7%, 69% e 56,7% respectivamente. Pouco mais de seis anos depois, tudo mudou – para pior. Desde meados de março recente, Tucumã está sob estado de emergência municipal decretado pelo prefeito Alan Azevedo, em razão do início das atividades da mineradora Onça Puma (subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, e voltada para a extração de níquel), que provocou a invasão de mais de dez mil pessoas atrás dos pouco mais de 1800 postos de empregos ofertados. Assustado, Alan Azevedo resumiu a tragédia: degradação de ruas e avenidas, invasão e grilagem de terras públicas, precarização dos serviços de educação e saúde, aumento do tráfico de drogas e prostituição infanto-juvenil. A Vale vai investir US$ 1,43 bilhão no projeto Onça Puma, com a geração de 4 mil empregos diretos na fase de construção e 1.300 na fase de operação, a partir de novembro de 2008, segundo a assessoria da empresa. Os depósitos de níquel das serras do Onça e do Puma estendem-se ainda por São Félix do Xingu, Ourilândia do Norte e Parauapebas. As primeiras pesquisas foram realizadas na década de 70, conduzidas pela Minerasul, subsidiária da canadense Inco, e em 2001 a Canico Resource Corp. assumiu as áreas minerais naquela região. Em dezembro de 2005, o Onça Puma foi adquirido pela Vale, que no ano passado veio a assumir o controle da Inco. Esta semana, a Vale anunciou, em nota da assessoria, que para garantir o uso de mão-de-obra local no projeto Onça Puma adotou como um dos seus critérios de seleção de trabalhadores, a necessidade de comprovação de residência ali anterior a 2005, “justamente para evitar uma indução migratória intensa e desordenada na região”. Informou também, como prioridade sua, o Programa de Apoio Municipal, que inclui um conjunto diversificado de ações para o fortalecimento institucional e a garantia de infra-estrutura física necessária para implantação do projeto, como conjuntos residenciais e sistemas de água e esgoto, “evitando o agravamento das atuais deficiências infra-estruturais das redes de utilidade pública, tanto em Ourilândia do Norte quanto em Tucumã”. Já o prefeito Alan Azevedo, de Tucumã, não parece satisfeito: "Precisamos ser compensados pelos impactos econômicos, sociais e ambientais", defendeu.

Refém

Indicado como presença já definida, o jornalista santareno Lúcio Flávio Pinto poderá não vir ao seminário “Desenvolvimento sustentável do Pólo Carajás”, que a Câmara Municipal promove nas próximas quinta e sexta-feira (26 e 27 de abril) no auditório da Secretaria Municipal de Saúde. Em contato com este redator, Lúcio Flávio disse que a juíza da 7ª Vara Penal vai sentenciar, na próxima semana, dois dos vários processos que os donos das Organizações Rômulo Maiorana (ORM) tentam condená-lo, e ele precisa ficar em Belém por conta da eventualidade de uma apelação.

Espírito armado

Mandaram-me, gostei, deu um trato no estilo e resolvi socializar este humor finíssimo com meus leitores. E não me venham com ram-ram-ram que eu sou preto e sei como é a barra. Vamos lá: Dois amigos – um preto e ou branco – conversavam e andavam por uma rua quando o primeiro resolveu entrar numa loja e ver preço de armas. O outro ficou fora, à espera, fumando um cigarro. - O senhor tem revólver 38? - Não, respondeu o vendedor atrás do mostruário com todos os tipos de armas. - E pistola automática ? - Também não, respondeu secamente o vendedor. Lá fora o frustrado cliente queixou-se ao amigo: - O vendedor fiidumaégua não quis me atender. Acho que é racista. Disposto a esclarecer a parada, o branco entrou na loja: - Que tipo de arma você tem aí?, indagou. - Qualquer tipo e calibre, nacional ou importada, e lhe vendo por preço à vista em até três vezes no cheque ou cartão. - Tudo bem. Agora me diz o que você tem contra preto? - Contra isso tenho bazuca, metralhadora, AR-15, um canhão de última geração.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Cuíra política dá nisso

Lançado pelo PT como bucha de canhão no pleito passado à Câmara, o obscuro morador da Folha 33 acabou se tornando o vereador eleito Zezito da 33 – para desgosto e danação da legenda, que dele queria apenas os votos para eleger, entre outros, a professora Toinha, presidente do Sintepp em Marabá e pelega de Tião Miranda. Zezito tomou gosto pela coisa mas ficou pouquíssimo tempo no partido: “Porque fiz pedido de informações sobre o diretório, que eu tinha o interesse de integrar através de chapa, e do destino do dinheiro que eu pagava todo fim de mês, descontado na folha, os caras ficaram danados da vida e até iniciaram um processo pra me expulsar. Pra não dar esse gosto, saí por conta própria e fiquei sem partido”, explicou, certa vez, a este blogueiro. Um dos “caras”, segundo ele, era o presidente do diretório e hoje secretário-adjunto de Planejamento, Luis Carlos Pies. Pois não é que agora, com esse entendimento que o mandato pertence ao partido e não ao político, Zezito vai ter que retornar ao PT, que quer vê-lo pelas costas? Tá lascado! Tudo indica que vão ferrá-lo e dar a vaga à Toinha. Situação melindrosa vivem também Sebastião Ferreirinha, hoje PSB, mas eleito pelo PTB, do Tião Miranda. Ferreirinha saiu do PSB, onde quem mandava era Vanda Américo, hoje PV (Partido da Vanda) e que o hostilizava por contrariar Tião Miranda. Vai ter de voltar ao berço esplêndido, ao ninho ancestral, para não perder o mandato, assim como Vanda, que terá de chegar-se ao PSB. Leodato Marques é outro que mudou de sigla e vai ter de voltar ao PP, de Miguelito.

Buraco e apito, o presente e o futuro

De Lúcio Flávio Pinto, no Estado do Tapajós de 16.04.2007 Desenvolvimento O que fica: o buraco Há meio século começou o ciclo dos “grandes projetos” na Amazônia, com o embarque do primeiro carregamento de manganês do Amapá. Os projetos se multiplicaram desde então, as histórias se repetem, mas ninguém parece interessado em tirar as lições que elas podem oferecer. Por isso, repetem-se os erros. Em janeiro de 1957 o primeiro navio desatracou do porto de Santana, no Amapá, carregando 20 mil toneladas de manganês destinado aos Estados Unidos. Depois de quatro décadas de ausência do mercado internacional, em conseqüência da estrondosa derrota de sua borracha para os concorrentes asiáticos, abstinência interrompida apenas durante a Segunda Guerra Mundial, no esforço para abastecer de látex os países aliados, a Amazônia voltava a oferecer um produto de interesse mundial. Era o início de um novo ciclo, o dos “grandes projetos”, que conectaria de vez a região a um planeta crescentemente globalizado e faminto de matérias primas. A Icomi, responsável pela exploração da rica jazida de manganês da Serra do Navio, conseguiu uma concessão de 50 anos junto ao governo federal para realizar a lavra, numa parceria do empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes com a americana Bethlehem Steel, então a segunda maior siderúrgica do mundo. Mas não precisou de tanto tempo: antes do prazo contratual não havia mais minério com teor comercial. A empresa simplesmente pôs fim às suas atividades e devolveu aos amapaenses o rescaldo do seu polêmico projeto. Até hoje o Amapá não conseguiu dar conta do desafio de retomar ou refazer essa história. O meio século do começo da extração de manganês se completou sem sequer um registro na imprensa. A história acabou e ninguém mais parece interessado nela, como se dela nada mais se pudesse extrair, já que não há mesmo mais minério para explorar. É um erro. Quando o “grande projeto” do manganês ainda estava em fase de implantação, o governador Janary Gentil Nunes, o “fundador” e dono do Amapá, juntamente com o irmão, Coaracy, apresentou-o como a salvação do Território Federal, desmembrado do Pará em 1943 como uma unidade federativa de novo tipo, semente de um amadurecido Estado no futuro. Disse Janary, no festivo discurso de inauguração da IX Exposição de Animais e Produtos Econômicos, quatro anos antes da primeira viagem de manganês amapaense: “Quais são os reais objetivos que perseguimos? A exploração do manganês, que muito breve será realidade. A Usina Hidrelétrica do Paredão, que transformará o Território no maior centro industrial do Norte. A industrialização de manganês, ferro, bauxita, papel, madeira, fibras e óleos vegetais. A instalação no porto de Macapá de terminais de combustíveis para a exportação do petróleo de Nova Olinda. A duplicação da atual produção de borracha do país pelos seus seringais de cultura. A pesquisa sistemática de toda área territorial para identificação de novas fontes de riqueza. O povoamento dos vales dos rios Jari, Cajari, Maracá, Vila Nova, Amapari, Araguari, Amapá Grande, Calçoene, Cunani, Cassiporé, Uaçá e Oiapoque. A conclusão da rodovia AP-BR-15, espinha dorsal política e econômica do Território. A multiplicação das searas e dos rebanhos. A construção da cidade de Tumucumaque. A criação do Estado do Amapá”. A hidrelétrica do Paredão (batizada com o nome de Coaracy Nunes) saiu, embora com 15 anos de atraso em relação à previsão inicial. Mas de todos os investimentos indicados por Janary, apenas uma usina de ferro-liga resultou de perene (embora precário) do projeto da Icomi. Todas as combinações possíveis de produtos a partir do manganês para industrializar o Amapá ficaram no papel. Um plano de industrialização chegou a ser elaborado, em 1955, prometendo que desta vez a mineração resultaria “num oásis de paz e prosperidade”. Ela não repetiria “a triste história de outrora, resumida em esgotamento e miséria”, prometia o economista responsável pelo plano, a pedido do governo territorial, Edouard Urech, ex-integrante da Missão Klein & Saks. Depois da extração de 19 milhões de toneladas de manganês de alto teor, ao longo de quatro décadas, o Amapá era pouco mais do que “esgotamento e miséria”, edulcorado pelo suspeito privilégio de estar sendo comandado politicamente por um Janary mais bem-sucedido, o senador e ex-presidente José Sarney. Nada de novo, portanto, na linha das regiões coloniais da Terra. Nem mesmo com a multiplicação de projetos semelhantes aos da Icomi, agora revestidos de uma encadernação caprichosa, ajustando-os às “responsabilidades socioambientais”.Se a data redonda do capítulo do manganês, “velha” de apenas meio século, passou em brancas nuvens, efemérides mais recentes precisam ser trazidas à consciência dos contemporâneos. A descoberta da jazida de minério de ferro de Carajás, a melhor do planeta, fará 40 anos em julho. Certamente haverá comemoração, agora que a dona da mina, a Companhia Vale do Rio Doce, está mais atenta às exigências de fazer amigos & influenciar pessoas.Mas já passou batida a data anterior, a da descoberta da jazida de manganês do Sereno, também na província mineral de Carajás, feita pela Codim, em 1966, que inaugurou formalmente a nova corrida do setor às mineralizações do mesmo filão que possibilitou o manganês (e outras substâncias, só recentemente mais bem avaliadas) no Amapá. Era resultado da fixação dos Estados Unidos com a “pedra preta”. O país, que saíra da 2ª Guerra como o mais poderoso (de então e de todos os tempos), em 1950 só obtinha em seu próprio território 7% do manganês usado nos altos fornos das suas siderúrgicas, que processavam mais de um terço do aço do mundo. Nesse ano, os EUA iam buscar no exterior 50% de todos os minérios que consumiam. O Brasil era o segundo principal destino, superado apenas pelo vizinho Canadá.Um órgão foi então criado, atendendo sugestivamente pelo nome de Comissão da Política das Matérias Primas, e um relatório foi produzido (o Paley Report) para assegurar o fluxo de minérios em direção ao gigante do Norte pelas duas décadas seguintes. Naturalmente, muita teoria utilitária foi gerada na matriz do saber e disseminada nos seus satélites. O “plano de industrialização” produzido por Urech em 1955 para o governo do Amapá se colocava dentro dessa moldura analítica. Ele garantia que o “interesse direto já manifestado pelos americanos pela exploração das jazidas ricas, no Labrador, África, Venezuela e Chile, torna a posição da ‘Cia. Vale do Rio Doce’ um tanto sombria no futuro. – Somente um estado de emergência daria, talvez, grande impulso a uma exportação rentável dos minérios de ferro brasileiro”.Coerente com essa presunção, a United States Steel, campeão mundial da siderurgia nessa época, não obtendo na margem norte do rio Amazonas o mesmo sucesso que sua competidora, a Bethlehem, conquistou na margem sul, em 1977, desinteressada pelo ferro de Carajás, desfez a sociedade com a CVRD, recebeu 55 milhões de dólares de indenização pelo que realizou em toda década anterior, pioneiramente, e aí ouviu o canto do cisne da sua posição no topo da siderurgia. Nunca mais foi a mesma. Nesse ano, em que a Vale, ainda estatal, passou a executar sozinha o projeto Carajás (mais uma data redonda: 30 anos), o desafio não era nada desprezível. A mina ficava a quase 900 quilômetros do litoral, no meio da selva amazônica, num nível surpreendentemente elevado (entre 500 e 600 metros de altitude) para a planície na qual a região era reduzida nos manuais explicativos. Para ir do porto até ela era preciso abrir uma longa ferrovia, que absorveria metade dos três bilhões de dólares de custo previsto do empreendimento. Viria a ser a maior ferrovia de uma única via já construída no Brasil. Em seu eixo a região era inóspita a uma obra desse porte: depois de Santa Inês, no Maranhão, no rumo oeste, a primeira cidade estava a quase 500 quilômetros de distância. Do ponto de vista da engenharia, foi um sucesso, embora o terreno plano tenha ajudado: não foi preciso construir um só túnel e as obras de arte, com 63 pontes e viadutos, não ultrapassavam 11 quilômetros de extensão. Mas em março de 1985 (mais uma data, ainda que não redonda) a ferrovia foi inaugurada. E sua estrutura era tão sólida que, mesmo em linha singela, dá conta atualmente de escoar 100 milhões de toneladas de minério, quando o projeto ferro de Carajás previa “apenas” 35 milhões de toneladas. Foram construídos tantos pátios e terminais que, hoje, falta pouco para a ferrovia estar duplicada. E é isso que assusta quem se mantém um pouco mais atento às histórias, preocupado em que elas não sejam a repetição do enredo de sempre e as promessas de novidade não passem de conversa fiada. Se a Icomi levou 40 anos para esgotar a rica jazida de manganês do Amapá, a CVRD já exportou mais do que as 20 milhões de toneladas em metade desse tempo, na posição de maior vendedora de minério de ferro do planeta (responsável por um terço desse minério em circulação entre os oceanos). Serra do Navio durou pouco menos de 50 anos. A mina do Azul não irá muito além de 30 anos. Os fabulosos depósitos de ferro, projetados para 400 anos de lavra, talvez apenas ultrapassem o primeiro século. Com mais tempo e menos exploração, os amapaenses um dia alimentaram o sonho de se tornar “um oásis de paz e prosperidade”. Na conflituosa e saqueada província de Carajás, num Pará que se tornou exportador de energia bruta, não nos permitimos sequer sonhar. O futuro, por isso, passará rápido, deixando buracos na terra e o apito do trem no ar.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

CPT: impunidade mantém violência no campo

Os dados dos conflitos e violências de 2006 reafirmam que permanecem intocados os alicerces da concentração da propriedade, sua defesa como valor quase absoluto, a truculência dos que dela se apropriaram e, sobretudo, a impunidade. Os trabalhadores e trabalhadoras rurais continuam sendo reprimidos e sofrendo violências. Em 2006 houve um aumento de 176,92% das tentativas de assassinato em relação a 2005. Em 2006 registraram-se 72, enquanto no ano anterior foram 26. O número de prisões também sofreu um significativo aumento, de 261 trabalhadores presos em 2005 para 917 em 2006. Um crescimento de 251,34%. Houve também um crescimento de 2,63% no número de assassinatos. Em 2006, 39 pessoas foram assassinadas. Em 2005 foram 38. Registrou-se uma diminuição de -10,54% no número de mortos em conseqüência dos conflitos. Foram 64 em 2005, e 57 em 2006. Também caiu o número de ameaçados de morte - 266 em 2005, 207 em 2006, -22,18% - e de torturados - 33 em 2005, 30 em 2006, - 9,09%. Conflitos Em 2006 foram registradas 1.212 ocorrências de conflitos relacionados com a posse, uso, resistência e luta pela terra, que compreende os conflitos por terra, as ocupações e acampamentos. Ao todo estiveram envolvidas 140.650 famílias. É importante se destacar que quase 20% destas ocorrências envolveram comunidades e povos tradicionais, notadamente indígenas e quilombolas, além de outras comunidades. O número representa uma diminuição percentual de -7,82% em relação a 2005, quando foram registrados 1.304 conflitos. As ocorrências de conflitos por terra apresentaram diminuição de -2,06%, 761, em 2006; 777, em 2005. Já as ocupações apresentaram uma diminuição percentual de – 12,13% (384, em 2006, 437 em 2005). Ainda maior foi a diminuição dos acampamentos – 25,56% (67 acampamentos em 2006, 90 em 2005). Nestes conflitos por terra registrou-se o despejo judicial de 19.449 famílias e a expulsão pelo poder privado de 1.809. Estes números representam uma redução percentual de -24,08% em relação ao número de famílias despejadas em 2005, 25.618 famílias, e de -58,57% em relação às famílias expulsas, 4.366 em 2005. Os despejos judiciais não atingem somente ocupações novas, mas áreas ocupadas de longa data. Chamou a atenção em 2006 o despejo de toda uma comunidade quilombola no município de Vargem Grande, MA, a de São Malaquias. As famílias viviam na área há mais de 100 anos. O corpo de um morador que havia falecido no dia do despejo teve que ser levado para outra comunidade para ser velado, enquanto sua casa era destruída. Entre os casos de expulsão destaca-se o acontecido em Murici, AL, onde 29 famílias foram expulsas pela ação da conhecida família de políticos Calheiros. Os conflitos no campo – soma dos conflitos por terra, pela água, trabalhistas, em tempos de seca – chegaram a 1.657, em 2006. -11,91% que em 2005, 1881. A leitura destes números, relacionando-os com a população rural de cada estado ou região, dá uma outra visão. Onde se dá o maior número de ações de mobilização - ocupações e acampamentos - no Centro-Sul do País, aí o número de assentamentos é menor. Por outro lado, os índices de violência sofrida pelos trabalhadores são bem maiores nas regiões onde a ação dos movimentos é menos intensa, como na Amazônia. Com isso, fica patente que a violência no campo não pode ser creditada ao aumento da pressão dos movimentos do campo, mas continua diretamente vinculada à truculência histórica do latifúndio, travestido hoje de agronegócio. Conflitos trabalhistas A violência que acompanha o trabalho escravo e outros conflitos trabalhistas foi significativa em 2006. Três trabalhadores na situação de escravidão foram assassinados, enquanto que em 2005 não se registrou nenhum caso. 300% a mais. O número de trabalhadores libertados em 2006 foi -20,67% (foram libertados pela fiscalização do Ministério do Trabalho 3.633 trabalhadores, em 2005 foram 4.585) enquanto que o número de denúncias de trabalho escravo foi de -5,07% menor. 262 denúncias recebidas em 2006, 276 em 2005. Também caiu o número de trabalhadores nestas denúncias: 6.930 em 2006, contra 7.707 em 2005. Uma redução de –10,08%. Também aparecem com destaque situações de violência em outros conflitos trabalhistas. O número de trabalhadores superexplorados foi 96,12% maior (7.078 pessoas, em 2006; 3.609, no ano anterior), mesmo que os casos registrados de superexploração tenha sido de 2,83% (109) a mais do que em 2005 (106). Nos casos de superexploração do trabalho registrou-se um assassinato. O de um menino de 11 anos, filho de um vaqueiro que fora ameaçado pelo fazendeiro, ao tentar acertar as contas depois de mais de três anos de trabalho. Quanto ao desrespeito trabalhista, as ocorrências registradas foram -62,50% menores (27 em 2006; 72, em 2005). Em contrapartida o número de pessoas que sofreu o desrespeito foi 167,05% maior (932 pessoas, em 2006; 349, em 2005). Outro dado preocupante é o de mortos em acidentes de trabalho: 100% a mais, em 2006 (14), em relação a 2005 (7). O número de feridos nestes acidentes foi de 22 em 2006, contra 27 em 2005, - 18,52% . Impunidade A CPT há muitos anos vem repetindo que a violência no campo se mantém por causa da impunidade. De 1985 a 2006, registraram-se 1.104 ocorrências de conflitos com assassinato. Nestes conflitos morreram 1.464 trabalhadores. Destas ocorrências somente 85 foram levadas a julgamento. Foram condenados 71 executores e somente 19 mandantes. É preciso que a sociedade brasileira exija do poder Judiciário uma atuação mais rigorosa. Um exemplo de impunidade é o massacre de Eldorado dos Carajás, onde 16 sem-terra foram mortos, no dia 17 de abril de 1996. Mesmo condenados, o coronel Mário Colares Pantoja (228 anos de prisão) e o capitão José Maria Pereira (158 anos) conseguiram hábeas corpus e hoje aguardam julgamento de recurso em liberdade. Para lembrar a ação dos trabalhadores, em 2002 foi aprovada a lei que instituiu o 17 de abril como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.