Pages

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Em petição de miséria

“Prestação de serviço de energia, água, combustível, telefone, acumulados de gastos de pessoal.  Quando ela [a ex-governadora Ana Julia Carepa] tentava fechar a folha de pagamento e não tinha o dinheiro suficiente, mandava rodar nova folha retirando direitos como diárias, gratificações, ajuda de custo.  Isso se acumulou e soma mais de R$ 700 milhões.  Há outras dívidas com operações de crédito.  Menos do que a dívida em si, porque o Estado tem uma capacidade de crédito boa, o problema é que foram contraídas algumas dívidas de operações de crédito fechadas em condições extremamente desfavoráveis, com prazos de carência de seis, doze meses.  Temos que pagar R$ 600 milhões de serviço da dívida ao ano.  Isso tudo é muito explosivo.”
Esta é a situação do Estado do Pará, segundo o governador Simão Jatene ao jornal Valor Econômico, publicada hoje. Talvez o Estado jamais tenha vivenciado uma situação tão grave. Veja a entrevista de Jatene, sob o título "O Pará está numa situação explosiva", diz governador”  
-----------

Quatro anos depois de ter sido derrotado em sua tentativa de reeleição pela petista Ana Júlia Carepa, o tucano Simão Jatene encontrou o Pará numa situação que chama de "explosiva".  Diz que retomou o Estado em más condições financeiras, numa mistura que chama de "explosiva", uma combinação de déficit fiscal, contratos de empréstimo fechados em condições desfavoráveis, pagamento elevado de dívidas de curto prazo e nenhuma folga para investir.  A saída, diz, é cortar gasto e aumentar receita.
Defensor da revisão da Lei Kandir, avalia que a compensação prevista aos Estados exportadores deve ser automática, sem margem de cortes no Orçamento da União.  O governador do Pará é autor de ideia inovadora para tributar os recursos minerais.  No lugar de simplesmente aumentar a alíquota dos royalties sobre minérios, propõe alíquotas progressivas de acordo com os preços internacionais dos recursos naturais.
No comando de um Estado cuja população tem renda inferior à metade da renda nacional, Jatene propõe uma relação de cooperação com o governo Dilma.  Espera sensibilizar o governo e a opinião pública com a questão Amazônica: "A Amazônia e o Pará são credores do Brasil.  O país driblou a reforma agrária abrindo a fronteira da Amazônia para ocupação.  Foi empurrada para cá uma tensão social que não se resolveu no Sul".  A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor.
Valor: Como o senhor recebeu o Estado?
Simão Jatene: Além do desequilíbrio das contas, há um certo desmonte da administração, quebra de regras fundamentais de gestão pública.  Tenho um ofício de um secretário para a prefeita de Altamira sobre um mercado construído em parceria com o município.  A obra estava incompleta e a prefeita não quis receber.  A resposta do secretário diz o seguinte: "Não tenho como fazer o que a senhora está pedindo, o próprio Ministério Público mandou ofício solicitando as mesmas coisas.  Diante da impossibilidade de entregar o mercado a Vossa Excelência diretamente no dia 11 de dezembro de 2010, entregamos as chaves do referido prédio ao presidente do conselho do bairro em ato testemunhado pelo presidente da associação dos produtores de hortaliças orgânicas".  Como um ente público entrega um prédio público aos presidentes do conselho do bairro e da associação de hortaliças?
Valor: Tem muitos casos desse tipo?
Jatene: Uma montanha.  Tem termo aditivo a contratos onde o Estado assinou unilateralmente e publicou.  E a contraparte não sabia de nada.
Valor: E a situação das contas?
Jatene: Conseguiram fazer uma mistura explosiva nas contas. Excluindo investimento, publicidade e pagamento de despesas de exercícios anteriores ou de restos a pagar, o Estado já apresentava um déficit de R$ 78 milhões em janeiro.  Não tem nada para investimento, restos a pagar ou contrapartidas.  As dívidas de curto prazo superam R$ 700 milhões.
Valor: Quais são essas dívidas?
Jatene: Prestação de serviço de energia, água, combustível, telefone, acumulados de gastos de pessoal.  Quando ela [a ex-governadora Ana Julia Carepa] tentava fechar a folha de pagamento e não tinha o dinheiro suficiente, mandava rodar nova folha retirando direitos como diárias, gratificações, ajuda de custo.  Isso se acumulou e soma mais de R$ 700 milhões.  Há outras dívidas com operações de crédito.  Menos do que a dívida em si, porque o Estado tem uma capacidade de crédito boa, o problema é que foram contraídas algumas dívidas de operações de crédito fechadas em condições extremamente desfavoráveis, com prazos de carência de seis, doze meses.  Temos que pagar R$ 600 milhões de serviço da dívida ao ano.  Isso tudo é muito explosivo.
Valor: E vocês estão fazendo o quê?
Jatene: Boa pergunta.  Não tem fórmula mágica, tem que elevar receita e reduzir despesa.  Nos últimos quatro anos, eles explodiram os gastos das outras despesas correntes, de custeio.  Quando comparamos com os nossos quatro anos anteriores, eles elevaram o custeio em torno de R$ 3 bilhões para cerca de R$ 8 bilhões.  Isso desarruma muito, mas sugere que podemos reduzir substancialmente.  Baixamos decreto com cortes seletivos de 20% a 30%.  Deixamos de fora saúde, educação e segurança.
Valor: Houve problema na arrecadação?
Jatene O ICMS, principal componente da receita própria estadual, cresceu 8% na média anual nos nossos quatro anos.  Nos últimos quatro anos, cresceu 4%.  Ela tentou compensar o crescimento menor do ICMS com a explosão das operações de crédito, que passaram de R$ 400 milhões para R$ 1,6 bilhão.
Valor: Quais são as medidas para elevar a arrecadação de ICMS?
Jatene: O controle de fronteiras é importante, com mais controle sobre as mercadorias que entram.  E tem o trabalho com os grandes contribuintes, as cadeias de atacado e varejo.
Valor: Já foram observados efeitos?
Jatene Já vimos efeitos dessas políticas em janeiro.  Tem um componente que não podemos deixar de considerar, até por força de ter sido do serviço público por 40 anos, fui professor da universidade e técnico do Estado.  À medida que a sociedade recupera a crença no governo, as coisas passam a ter uma resposta diferenciada.  É um quadro difícil de reverter, mas não cabe ficar perplexo.  Em quanto tempo arrumo, não sei, não tenho bola de cristal, mas tenho certeza que arrumamos.  Tem que recuperar primeiro a capacidade de investimento; não posso trabalhar com déficit.
Valor: Quais são os planos de investimento?
Jatene Elegemos educação, saúde e segurança.  Além da crise financeira estadual, houve um desmonte da máquina.  O resultado da eleição foi fortemente fruto dessa percepção pela sociedade.  Temos que melhorar a administração pública, a qualidade do gasto.  Paralelamente, pela motivação dos servidores e cooperação da sociedade, a administração passa a funcionar.  Em Belém, no primeiro mês, já tivemos redução bastante expressiva na criminalidade, de aproximadamente 50% no número de homicídios (de 67 para 33 casos) comparado a janeiro de 2010.
Valor: O senhor é favorável à alta dos royalties sobre o minério?
Jatene Claro, o Pará é o quinto Estado que mais contribui ao saldo da balança comercial brasileira, somos fortemente exportadores.  Não é só um problema de alíquota.  Precisa ter uma lógica diferente.  Continuo fazendo o possível e o impossível, usando de todos os meios legais, para defender uma rediscussão da questão da desoneração das exportações.
Valor: Da Lei Kandir?
Jatene Isso tem que acontecer, não é possível esse país se dizer federativo e Estados pobres, que contribuem fortemente para o equilíbrio das contas externas no país, serem penalizados.  Pela Lei Kandir, a melhor posição para uma unidade federativa seria importar tudo do resto do mundo porque teria base para cobrar imposto, vender tudo para o mercado interno e não exportar nada.  Imagine se todos os Estados procurassem esse caminho.
Valor: Deve ter um imposto ou uma compensação maior sobre as exportações?
Jatene É preciso um mecanismo claro de compensação decente, correto, que não deixe os Estados sujeitos a um debate desgastante a cada ano, ao sabor e humor das autoridades de plantão.  O Orçamento vai ao Congresso com zero para compensação, os governadores e deputados ficam brigando.  É um negócio meio maluco.  Chegamos a propor uma formulação que tornasse isso mais automático, impessoal e racional.
Valor: Pode entrar na reforma tributária prevista pelo governo ou seria uma decisão administrativa?
Jatene Isso necessariamente passa por uma decisão legislativa.  É óbvio que o Executivo pode ter mecanismos compensatórios até que o Congresso aprove uma solução definitiva.  Sobre tributação de minério, de commodities em geral, tem uma discussão interessante: ninguém define preço de commodity, o preço se constrói nos mercados.  Por que não criamos um piso para determinadas commodities a partir do qual abaixo daquilo não se paga imposto?  Acima do piso, teria uma gradação de impostos.  Estado e sociedade seriam parceiros dos ganhos dos seus recursos naturais.  Teria que ir ao Congresso.
Valor: O senhor venceu a eleição contra uma ex-governadora do PT.  Qual a relação que o senhor espera ter com o governo federal?
Jatene Espero ter uma relação absolutamente respeitosa.  A Amazônia e o Pará são credores do Brasil.  O país driblou a reforma agrária abrindo a fronteira da Amazônia para ocupação.  Foi empurrada para cá uma tensão social que não se resolveu no Sul, mas que foi amenizada.  Ficamos com esse passivo.  Ótimo, contribuímos para o país.  E hoje contribuímos fortemente para o país com as exportações de recursos minerais e fornecimento de energia limpa.
Valor: Como o senhor vai se posicionar em relação ao governo federal sendo de um partido de oposição?
Jatene De forma cooperativa e espero ter a mesma reciprocidade.  A Amazônia não pode ser alvo de holofotes só quando explodem aqui os que os nossos caboclos chamam de causos.  Está na hora da Amazônia e do Pará começarem a merecer o respeito pelas causas e não pelos causos.  Não foram coisas engendradas por nós.  O Pará contribui para o saldo da balança, é grande produtor de energia ao sistema interligado nacional e tem renda per capita de menos da metade da média do país.  Somos 7,5 milhões de habitantes e a terça parte vive em extrema pobreza.  Como a presidente tem dito que esse é o inimigo fundamental dela, é o nosso também.  Espero que a República comece a olhar o Pará sem ser almoxarifado ou santuário, inferno verde ou celeiro do mundo.
Valor: O senhor já conversou com algum representante do governo Dilma?
Jatene Há duas semanas, recebi o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para fecharmos parceria no programa contra a dengue e em um centro oncológico que começamos a tratar no meu governo passado, na primeira gestão Lula.  Só agora está ficando pronto, mas não há recursos para funcionar, para contratar.  Acertei com o ministro que o Pará vai bancar isso por seis meses, não posso admitir que não funcione porque a universidade federal não tem recursos para contratar.
Valor: O senhor é favor da criação da CSS para financiar a saúde?
Jatene - O problema não é de mais imposto, o problema desse país é melhorar a gestão do gasto público, é o grande desafio dos governos federal e estaduais.  Recurso é sempre pouco.  Mas a capacidade da sociedade brasileira de sustentar o Estado está batendo no teto.  Não tem mais chance de exigir da sociedade mais tributo para uma prestação de serviço medíocre.
Valor: Há um investimento da Vale na siderúrgica Alpa.  O cronograma está atrasado, ainda está terraplanagem.  Qual a sua expectativa?
Jatene Estou apostando que vai acontecer.  Da conversa que tive, sim.  Vou brigar por isso.
Valor: Como é a sua relação com a Vale?
Jatene Tenho relação boa com todo mundo que trata bem o Estado e tenho uma relação péssima com todo mundo que trata ou tenta tratá-lo mal.  Espero que essas coisas se processem de forma muito tranquila.  Não tenho nenhum problema com nenhuma empresa.  Não pretendo ser empresário e espero que eles não pretendam ser governadores do Estado.
Valor: O senhor defende a permanência do Sergio Guerra na presidência do PSDB?
Jatene O Sérgio tem falado comigo, foi um bom presidente num momento que não foi tão simples.  Como disse o FHC, os partidos precisam dar uma chacoalhada, inclusive o PSDB.  Está na hora de pegar as vaidades e subordinar aos interesses maiores.  O partido tem quadros da melhor qualidade, já prestou um serviço muito grande ao país e tem um compromisso histórico que não pode estar subordinado a outro tipo de coisa.  Minha expectativa é que seremos capazes de superar as dificuldades internas.
Valor: O senhor está se referindo ao Serra?
Jatene De jeito nenhum, o Serra é meu amigo, foi meu contemporâneo de Unicamp.
Valor: O senhor está com maioria da Assembléia?
Jatene Sim, a relação é boa.
Valor: E com o ex-deputado Jader Barbalho, com o PMDB?
Jatene Minha relação é boa.  Conversamos antes da eleição e agora.  Conseguimos montar uma chapa única.  A mesa diretora tem a presença de todos os partidos, inclusive do PT.  Sou um democrata.  Somos poucos.  Se dividirmos, seremos mais fracos ainda. (Fonte: Valor Econômico) 

Nenhum comentário: