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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O escritor marabaense Abílio Pacheco manda lembranças:

Minha alma disporei em cantos


Abilio Pacheco - Revista do Difere - ISSN 2179 6505, v. 2, n. 3, ago/2012
apacheco@ufpa.br


Quando sigo por estas ruas, ouço a voz e a voz do poeta. A voz dos versos do mesmo modo como “retinem nos ouvidos pás e gritos”1 e a voz do próprio pagão ora “imerso nas coisas deste e dos outros mundos”2 , ora caminhando ao meu lado na Velha Marabá.
Não sei o que me levou aquele fim de manhã para a rua Sete de Junho e de lá caminhei meio ao léu até a Bartolomeu Igreja. E a Cidade Velha era-me este espaço morto como uma língua morta. Era-me um espaço de memória de outros, mas – não sei como – de mim. Como o latim, o Núcleo Pioneiro e seus bairros  – “Santa Rosa,  Jureminha,  Alto-do-Bode, Cabelo Seco”3 – eram-me completely  unheimlich. Reconhecidamente íntimo. Externamente familiar.
E eu seguia – Dante guiado por Virgílio – guiado por Ademir. Chegando já à Bartolomeu Igreja: “aqui era um puteiro, aqui era puteiro, aqui era puteiro...” dizia-me apontando uma e outra casa. “Eu saia porre de um e porre caía no outro”.
Não custou sua fala me trazer à tona os versos em que lamenta o destino inexorável dos meninos da região: e eles “serão juquireiro castanheiro lavrador presos de correição”4 e das meninas que nada serão senão “flores da terra” “na valsa do deus dará”, “sono sem sonho”5.
Cristalizado. Fossilizado... era um tempo de casas de tolerância tão perto uma da outra. Mas no meu mapa essas casas: o Cajueiro, o Copa, a Viúva, a Índia e a Piscina eram distantes entre si. Ficavam na Folha 21, na Folha 15, na Folha 16, no Belo Horizonte, Transamazônica... nenhum na Velha Marabá.
Ouço o poeta me dizer do romance que escreve em que a terra é coisa medieva. Assusto-me com sua certeza sobre os modos e os meios de produção na região. Assombro-me com aquilo que desconheço e que deveria conhecer, mas que de fato vejo... Mas calo.
Calo, não calando e aborrecendo-me. Vivo (vive-se) entre “fardos e farpas, agravos e adagas”. Em águas terçãs, impregnados pele e pelos, unhas e dentes, olhos e lágrimas, ouvidos e gritos “e a mão em chaga viva tece de urtigas / um manto sob o céu de pássaros e bruxas”. A cidade é ainda cheia de meninos sombrios, cães sem dono, cantores e poetas.
A vontade é a de sair aos gritos em versos alardeantes amorosos e politizados, como se a palavra fosse pão, água, vinho, festa e ar. A palavra modificadora da vida ordinária do operário e do cidadão vizinho.
Não sei como encerrou-se minha caminhada ao lado do poeta. Creio mesmo que nunca cessou.
Saímos da Bartolomeu Igreja. Entramos na Antônio Maia... E estamos ainda lado a lado nesta vida de versos e sonhos pela cidade. Nós que por ela reciprocamente “morremos todos os dias”.
Eu pouco “sei disperso neste coração legado às ventanias”, mas sei mesmo que vagamente da “negra noite acumulada na boca entre versos” de Ademir Braz.

Observação:
Este texto é um exercício de tradução recriativa ou transcriação a partir do poema Minha Cidade, Minha Vida, do escritor marabaense Ademir Braz. O texto de chegada procurou lançar mão de elementos do texto de partida com o intuito de também acrescentar experiência e afetos nossos sobre a cidade, objeto do poema. A intenção foi de aproveitar elementos da poesia de Ademir (deste e de outros poemas) para fazer um ensaio de prosa poética, efetuando uma certa tradução da força afetiva do poema, fazendo uso dos elementos composicionais do mesmo, de modo a tocar (como afirma Walter Benjamim sobre a tradução) o original, mas também enxertando no texto elementos de nossa própria experiência de leitura da cidade e de nossa relação afetiva com a mesma, traduzindo mas mesclando lirismo de dois sujeitos amantes de Marabá.
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1 Do poema “Águas de passagem”, In: Braz, Ademir. Rebanho de Pedras (Rebanho de Pedras & Esta Terra). Marabá: Grafecort, 2003. p. 81.
2 Do poema “Minha cidade, minha vida”, In: Braz, Ademir. Rebanho de Pedras (Rebanho de Pedras & Esta Terra). Marabá: Grafecort, 2003. pp. 25-7.
3 Do texto “A Terra Mesopotâmica do Sol ou guia nostálgico para o nada”. , In: Braz, Ademir. Esta Terra (Rebanho de Pedras & Esta Terra). Marabá: Grafecort, 2003. p. 149.
4 Do poema “O Burocrata espia à janela”, In: Braz, Ademir. Esta Terra (Rebanho de Pedras & Esta Terra). Marabá: Grafecort, 2003. pp. 125-6.
5 Do poema “Flor da terra”, In: Braz, Ademir. Esta Terra (Rebanho de Pedras & Esta Terra). Marabá: Grafecort, 2003. p. 127.
6 Do poema “Minha cidade, minha vida”. In: Braz, Ademir. Rebanho de Pedras (Rebanho de Pedras & Esta Terra). Marabá:
Grafecort, 2003. pp. 25-7.
7 Idem.
8 Idem.
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Um comentário:

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