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sexta-feira, 1 de março de 2013

Volks e general: a “verdade verdadeira”



Por Lúcio Flávio Pinto | Cartas da Amazônia

Em 1980 o IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, antecessor do Ibama) abriu licitação para a exploração de madeira em uma extensa área em Tucuruí, no Pará. As terras seriam inundadas quando o rio Tocantins fosse represado por uma monumental barragem de concreto (com mais de 70 metros de altura) para gerar energia na quarta maior hidrelétrica do mundo. O reservatório da usina deveria ocupar 1.116 quilômetros quadrados (no final, passou de três mil km2).
Só uma empresa se habilitou, empresa criada pouco antes da divulgação do edital de convocação dos interessados. Para surpresa de todos, era uma subsidiária da Capemi, que, até aquele momento, atuava na área de seguros, pensões e aposentadorias, principalmente entre militares. Sua sede era do outro lado do país, no Rio Grande do Sul. Seu presidente era um general da reserva, mais conhecido por suas preocupações filantrópicas e espiritualistas.
Sem concorrentes, a Capemi Agropecuária foi autorizada pelo governo federal a derrubar, cortar e vender milhares de árvores, que, de outro modo, ficariam submersas. A empresa pensou até em montar um polo carboquímico, que seria projeto de vanguarda. Mas acabou provocando mesmo foi um enorme escândalo, um dos maiores do último dos governos militares, iniciados em 1964.
Dentre tantos absurdos e abusos, dizia-se que um dos beneficiados ocultos da Capemi era um filho do presidente, general João Batista de Figueiredo, filho, por sua vez, do general Euclides Figueiredo, personagem destacado da república brasileira iniciada pelas revoltas tenentistas de 1922 e a revolução de 1930.
De fato, a Capemi foi apenas um arranjo no jogo de poder da época. Ela se mostrou completamente ineficiente na execução da sua tarefa, que seria a “limpeza” da área do futuro lago. Com seu fracasso,foram inundadas milhares e milhares de árvores, formando um cenário lúgubre com os troncos desnudos à superfície da água, como um gigantesco paliteiro com espécies vegetais mortas.
O que a Capemi devia fazer era gastar dinheiro, o dos seus associados, o do governo e o de um empréstimo internacional obtido na Europa. Na apuração final, antes de sumir, deixou um rombo de mais de 100 milhões de dólares, que o governo, por ser avalista, pagou. Boa parte desse dinheiro devia ser usado para promover a campanha do general Otávio Medeiros, candidato que o general Figueiredo queria fazer seu sucessor. Seria o terceiro chefe do também lúgubre SNI (Serviço Nacional de Informações) a chegar à presidência da república brasileira. Nenhuma agência de espionagem internacional conseguiu tanto. Nem a famosa CIA americana.
A democracia atropelou esses planos continuistas, que exigiriam mesmo muito dinheiro diante do perfil nada simpático aos eleitores do último chefe do SNI (hoje Abin) da ditadura. Com a abertura política, dentre os muitos mal feitos da Capemi estaria a traquinagem de Paulo Figueiredo, o filho do presidente.
As ilicitudes e abusos da Capemi foram fartamente provados, mas não o usufruto de Paulo Figueiredo. Realmente ele até podia ter tirado proveito do projeto da madeira do lago de Tucuruí, mas, de fato, apenas uns minguados metros cúbicos chegaram até ele, devidamente pagos. Desse crime ele não pode ser acusado.
Relembro o fato porque um leitor desta coluna o citou como coisa provada do desvio de madeira para o filho do general Figueiredo. O general que saiu pela porta dos fundos para não transmitiu o cargo a José Sarney, por considerá-lo um traidor, que comeu na mão da ditadura e de forma oportunista a renegou para ser o vice – à última hora – de Tancredo Neves (e assumir a presidência com o impedimento e a morte do eleito).
Uma controvérsia só é benéfica quando se funda em fatos. Quando é feita de ilusões e versões, desserve a sociedade e o país.
Por isso, também dou atenção ao comentário da leitora Isabela. Ela citou um trecho do meu artigo para me aplicar a pecha de desinformado. O trecho que usou foi este:
“A Volks estava destruindo a natureza e eliminando o oxigênio do planeta, impedindo a Amazônia de funcionar como pulmão do mundo. Toda a humanidade seria vítima dessa devastação”.
Pela citação, parece mesmo que embarquei na canoa furada da teoria da fotossíntese amazônica como pulmão do mundo, renovando o oxigênio na atmosfera da Terra. Mas se Isabela prosseguisse no artigo, leria, no parágrafo imediatamente seguinte ao que usou, o seguinte:
“Quando políticos e militantes alemães ameaçaram boicotar os carros da Volks, a direção da empresa se alarmou. Sauer foi chamado e recebeu a ordem de passar em frente o projeto amazônico. Tudo tão às pressas e sem uma checagem nos argumentos dos críticos que o comprador escolhido deu um tombo na poderosa indústria alemã: pagou apenas a primeira parcela da venda, retirou o gado e sumiu”.
A Amazônia, já então o sabíamos, não é o pulmão do mundo, mas uma esponja de absorção de poluição atmosférica. Ao ser queimada ou mesmo derrubada, deixa de cumprir essa função e, no segundo caso, assume outra, terrível: emite mais gases de efeito estufa. É por isso que o Brasil, cuja indústria não é tão expressiva mundialmente e se tem contraído em tempos mais recentes, é o sexto mais emissor desses gases no planeta.
Espero contribuir para que nosso debate nesta coluna se torne mais fecundo. Cada um procurando formar seu juízo sem agredir os fatos, a verdade e o oposto. Dessa maneira contribuindo para o avanço da democracia e da civilização.

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