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quinta-feira, 14 de julho de 2011

A morte da inocência

Reportagem do jornal A Crítica, de Manaus:

Assentados do Pará admitem que abastecem pólo madeireiro ilegalmente por falta de opção


Nesta semana, a comissão especial do senado foi ao local para ouvir produtores rurais
As 326 famílias assentadas no Programa de Assentamento Extrativista (PAE) Praialta Piranheira, na região de Nova Ipixuna (PA), estão desmatando a floresta para retirar a madeira e abastecer as serrarias do município, além da cidade vizinha de Marabá.
A madeira retirada também serve para produzir carvão vegetal para as 17 siderúrgicas “guseiras” instaladas na região.
As informações foram dadas pelas próprias famílias aos membros da comissão de senadores que estive no município nesta semana, que foi ao local para acompanhar a situação de conflito que existe na região.
Anualmente, as indústrias consomem 17 mil toneladas de carvão para produzir ferro gusa sem possuir um único projeto de manejo florestal próprio para atender às necessidades da produção.
O Pará é um dos maiores produtores de minério de ferro do País, onde está instalada a Vale, que está entre maiores mineradoras do mundo.
Segundo informações colhidas pela reportagem, nos últimos quatro e cinco anos, cerca de 40% dos 22 mil hectares, ou 8,8 mil hectares, do PAE Praialta Piranheira foram derrubados para extração e venda ilegal de madeira e carvoarias.
Na audiência pública, os colonos fizeram muitas reclamações contra o Ibama pois, segundo eles, o órgão vem multando  com valores entre R$ 1 mil e R$ 100 mil.
As maiores infrações são por desmatamento e construção de fornos para fabricação de carvão vegetal.
Defesa
“Os pequenos agricultores sabem que estão cometendo irregularidades, infringindo a lei e desmatando além dos limites permitidos, mas fazem isso por não ter alternativa para o próprio sustento. Há assentamentos feitos há mais de 14 anos que sequer têm um plano de desenvolvimento”, disse a senadora Vanessa Grazziotin, membro da comissão.
Ao ouvir as reclamações contra o Ibama a senadora amazonense disse que o órgão ambiental é tão rigoroso com os pequenos agricultores quanto com os grandes, “o que seria injusto, por tratar dois desiguais de forma semelhante. Essa postura deve ser mudada”, salientou.
Projeto
O coordenador estadual do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Atanagildo Matos (Gatão), admite que algumas infrações são cometidas no PAE Praialta Piranheira pela ausência do poder público. Mas, que o projeto agroextrativista está sendo retomado.
Em fase de elaboração e busca de apoio institucional e político, o projeto prevê maior fiscalização e controle das carvoarias; plano de revitalização do sistema agroextrativista e recuperação das Áreas de Proteção Permanentes (APPs); recomposição da cobertura florestal com árvores que deem retorno econômico-financeiro (castanheiras, açaí, andiroba, cupuaçu etc); plano de manejo florestal; emissão mais rápida das licenças ambientais e conversão das multas por reposição da floresta com meta entre um e dois hectares/ano.
“Estamos conversando, dialogando e buscando apoio político e institucional em todos os níveis e poderes. Temos que retomar o projeto agroextrativista e acabar com o desmatamento, uma luta dos companheiros José Cláudio e Maria do Espírito Santo. Sem esse retorno ao PAE, a luta deles terá sido em vão”, disse Atanagildo Gatão.
Manifestos
A Comissão Externa do Senado, que acompanha as mortes dos líderes camponeses nos Estados de Rondônia e Pará, saiu do município Nova Ipixuna (PA) com uma série de documentos, manifestos e reivindicações dos cerca de 200 produtores rurais do Praialta Piranheira que participaram da audiência pública.
Ao contrário do que ocorria anos atrás, quando autoridades chegavam a lugares mais simples, pobres e desassistidos, os colonos de Nova Ipixuna não se intimidaram com a presença de senadores, representantes do Governo do Pará, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Incra, OAB e até o prefeito da cidade.
Lamentaram a morte dos líderes José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, criticaram a polícia do Pará pela lentidão nas investigações, pediram punição aos culpados, mas também reclamaram, reivindicaram melhor qualidade de vida no assentamento:
“Quando tomba alguém, vem o discurso bonito. Senadores, não queremos somente discursos, queremos que vocês, o Governo olhem por nós; precisamos do apoio do poder público para a gente produzir, ter saúde, educação, estradas decentes para escoar a produção. Queremos uma vida melhor”, disse o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Nova Ipixuna (STTR), Eduardo Rodrigues da Silva.
Ele é um dos que assinam o “Ofício Circular nº 008/STTR Nova Ipixuna/2011 entregue aos senadores Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), coordenadora e relator, respectivamente, da Comissão Externa do Senado.
A lista de reivindicações é extensa. Contendo 18 itens, eles pedem a construção de 100 quilômetros de estradas, recuperação das estradas do PAE Praialta Piranheira, construção de 100 casas, assistência técnica, acesso a mais 100 programas de agricultura familiar (Pronaf), retomada e regularização de lotes no assentamento, licenças do Ibama, projeto de reflorestamento e manejo, agricultura mecanizada, complementação do programa Luz para Todos, energia para funcionamento de uma movelaria e apoio para o grupo de mulheres que produz cosméticos com andiroba e castanha.
“Queremos o compromisso dos senadores e das autoridades aqui presentes para que nossas reivindicações sejam levadas ao Governo Federal e Estadual e atendidas porque nós aqui estamos quase sem ter o que comer”, disse o presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Assentamento Agroextrativista Praialta Piranheira (APAEP), Osmar Cruz Lima.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Ademir,

Há um tempo atras fiz um comentario sobre isto.
Quem ganha na verdade são as Fetagris e Fetrafis da vida. São os presidentes regionais destas instituições que negociam com os colonos.
Sr. Chico da Cibi não trabalha a toa não.
Falei para vc que vivia andando e prestando serviços as associações de produtores e via um enorme distanciamento do INCRA, já aquela época, 3 anos atras, da realidade e da miseria dos colonos e de quem realmente quer trabalhar na terra.
EU,hoje, tenho medo e receios, em falar sobre este assunto, mas posso te garantir que tenho conhecimento de causa sobre isto.
Tem incentivo dos presidentes de associações e das federações.
Evidentemente que tem as exceções. Isto não é um quadro geral. Não posso afrimar que todos de uma determinada associação concordam com isto, mesmo onde há o desmatamento.
Supunho, que a morte do casal de NOva Ipixuna tenha sido uma desavença entre os propios interesses dos assentados e que o o casal de ambientalistas mortos covardemente foi,possivelmente, vitima de emboscada de outros do assentamento que tinham interesses maiores na madeira.
Isto mostra a ineficacia do INCRA, a nivel nacional, na questão da reforma agraria, com este modelo de colocar o colono na terra, dar uma casa para ele e pronto... Te vira cara.