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terça-feira, 10 de abril de 2012

Historiadora avalia a arte poética de Ademir Braz

A Poética de Ademir Braz:
Canto de memória que conspira outros tempos


Profa. Dra. Idelma Santiago da Silva
[UFPA/ Campus de Marabá]

A poesia pode constituir-se em prática de significação fundamental na produção de sentidos à existência individual e coletiva. Sob meu olhar de historiadora, é assim que encontro a poética de Ademir Braz: instauradora de realidade! Canto de memória que conspira outros tempos.
Em Minha cidade, minha vida encontro o poeta em diálogo com a cidade, mas também com sua própria vida e seus pertencimentos: “Eu vivo imerso para sempre neste/ e nas coisas deste e dos outros mundos”.
No poema História Natural [1978] tem-se refletida a subjetivação de um contexto histórico de abruptas transformações econômicas e sociais no sudeste do Pará. A palavra surge insubmissa como documento cultural de tradução de um tempo de dilaceramento de identidades e outras tragédias. O próprio Ademir Braz definiu-se como “trabalhador cultural, militante numa área de conflitos, de desenfreada e selvagem exploração capitalista, de destruição criminosa da natureza” e assumiu a perspectiva crítica e prospectiva de sua poesia: “Ora, uma pessoa é uma pessoa mais as suas circunstâncias. Logo, a produção cultural dessa região longínqua não poderia ser outra senão aquela voltada para o questionamento de sua realidade imediata – naturalmente trágica – e para o desejo de mudança no sentido de uma alternativa mais humana e mais digna de existência” (Roteiro crítico para a fronteira do inferno, 1988).
Na poesia de Ademir Braz os deslocamentos culturais e sociais decorrentes dos processos de ocupação da região são temas recorrentes, revelando um enraizamento crítico no tempo presente. Essa inserção temática nas circunstâncias imediatas e no cotidiano [uma poesia que não se faz isolada da realidade] revela não somente uma poética que toma a palavra na sua função social, mas também engendra uma estética enriquecida: é “poeta que sabe chamar o pão de pão e o vinho de vinho” (Pablo Neruda) numa estética que dialoga com o coração e a consciência.
Nos versos de Símbolos avessos de àbaraM a apreensão irônica da dialética dos pertencimentos: a musa [cidade] e o poeta se consomem numa luta de negação e cumplicidade. Palavras que trabalham o material ácido da realidade e o faz retornar, instaurando para o poeta seu lugar no combate, como em Minha cidade, minha vida:

A voz tonitroante – e inútil, cidade –
do poeta ressoa nos casebres
e na praça mouca dos poderes
(mas nem por isso cessarei o alarde).
[...]
Sim, são ácidos esses dias,
quando até o amor se exila.
Então a poesia sai de mim aos gritos [...]

No poema História natural, o próprio título uma ironia, assim como a “desculpa” que atravessa o texto, mistura verso e prosa e possui características interdiscursiva e intertextual. Pelo lado de uma relação contratual [com os iguais da “tribo”], os percursos temáticos principais tratam da relação equilibrada cultura-natureza e da herança comum com suas virtudes, desigualdades e “mistérios”. Do outro lado, da relação polêmica, têm-se os temas da invasão e dominação do estranho [atores da frente capitalista] que deslocou os sentidos da cultura local e a transformou em “museu”. A tragédia do semiocídio vitimou a “tribo”.
Esse poema reflete a experiência do descentramento das identidades, práticas culturais e de sociabilidades locais. Nele, o elemento da cosmovisão é marcante e levanta a questão da existência [naquele presente] de duas ordens humanas de relacionamento com a realidade. De um lado, uma cultura do encantamento e das aparências, referência para as interações comunitárias e do saber construído na relação com a natureza. De outro, uma perspectiva cultural baseada em separações e hierarquizações das dimensões da realidade. É um discurso que vê na circunstância dos deslocamentos a imposição da segunda perspectiva cultural, através da dominação que se exerce especialmente por meio de novas formas de ocupação e uso do território e dos “conhecimentos” da realidade implicados nessas novas práticas: a verdade instrumental e desencantada do mundo. Conforme constatou Paes Loureiro (Cultura amazônica, 1995, p. 413), “vem ocorrendo na Amazônia a prevalência progressiva das relações fundadas da exploração do trabalho, no agravamento das desigualdades entre os homens, no desapossamento cultural. Emerge, no conjunto dessas mudanças, uma cultura da exclusão, que se nutre de uma racionalidade linear e prática, em lugar da cultura fundada no poético”.
O poema História natural é encerrado com um epílogo, uma síntese de seu percurso temático. A forma de ocupação da região, neste período, tem significado uma tragédia para as populações locais, suas formas de vida e sua cultura. Os “cavaleiros” que entraram portas adentro não são qualquer migrante, mas sim a frente pecuarista que vinha, desde fins da década de 1960, ocupando a região. Narrativa de uma “tragédia”, mas poética que deseja instaurar um horizonte de possibilidades para os “sobreviventes”:

ei parceiro
tem um pássaro verde no teu ombro
e uma flor de sapucaia em teus cabelos.

não os espante, parceiro.
não os destrua, parceiro.
           
No poema Ao largo [2008], àqueles que aqui estiveram desde tempos deslembrados juntam-se outros recém-chegados, os errantes da pobreza, da imigração à procura de trabalho. Seguem como excluídos das memórias e realizações da cidade, da qual também o poeta se põe ao largo: “Já não te amo mais cidade minha. [...] Um gigantesco mar nos põe ao largo/ e singro, em velames, a esquecer teu cais”. Pôr-se ao largo, para Ademir Braz, é retornar à poesia insubmissa e crítica sobre um tempo e a cidade presentes, arremeter contra a frequente ideia de que já estão selados os destinos de sua gente e de seus sonhos humanos:

Para onde irão a seguir (além da cerca do latifúndio
e da cova anônima de indigentes sem luto),
sob o céu encauchado no forno das siderúrgicas?

Eis uma possibilidade para a poética de Ademir Braz: documento cultural de um tempo de tragédia e de uma palavra impregnada de humanidade. Uma releitura para refletir os sentidos das experiências humanas nesta região.

3 comentários:

Anônimo disse...

Historiadora avalia arte poética? Desculpe, mas, deveria avaliar contextos históricos e sua importância no momento histórico e seus desdobramentos nos dias atuais.

Enfim, avaliação poética por uma historiadora, não deve ser um trabalho que vai ter grande relevancia. Deve ser algo como, sem nenhum demérito: um vereador se achar um bom administrador público, sem sê-lo, como é a história do Maurino Magalhaes, sem nenhum reconhecimento de relevancia ou poética.

Desculpe a forma, o jeito, a moça é muito bonita mesmo.

Ademir Braz disse...

Lê de novo, das 08:40. Seguramente você vai verificar que ela analisou e interpretou poesias sobre Marabá produzidas com longas datas entre uma e outra. Se isso não é um approach histórico, por favor me instrua sobre o que o é.

Anônimo disse...

Ademir essa Idelma é linda, e sabida viu...

Belo texto, para um belo poeta!

O anonimo, de cima devia saber, que a arte nos duplica, e que a poetica é para todo mundo, inclusive para os medrosos dela.

- a cidade perfura
o intestino das horas
com mitos e desleixos,
seus pés, seus sapatos
impactam o planeta-

Eu,

Charles Trocate