Pages

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Belém, um olhar

Notícias de Belém Rodolfo Salm* Escrevendo para esta coluna desde 2005, tentamos discutir temas relevantes para a questão ambiental em diferentes escalas, desde transformações no clima e na paisagem globais até assuntos bastante específicos, mas não menos importantes, como a “verticalização de São Sebastião”, ou a degradação das “águas paulistanas”. No fundo, é claro, estamos escrevendo sobre nós mesmos, nossas preferências pessoais, preocupações particulares, idiossincrasias, embora tentemos disfarçá-lo para tornar os textos mais interessantes para o leitor. Assim, hoje resolvi escrever sobre a minha recente mudança para Belém do Pará. A cidade é a cara do subdesenvolvimento: tem uma elite de madeireiros, fazendeiros e seus asseclas instalados em altos prédios que despontam como paliçadas sobre os populares, enquanto o esgoto corre em valas pela cidade. Escolhendo um título para o artigo desta semana, pensei em plagiar meus colegas de coluna escrevendo sobre a “verticalização de Belém” ou as “águas belenenses”. A verticalização é realmente um problema sério por aqui. A imagem que se tem de Belém, dos casarões ladeando ruas de mangueiras centenárias, é apenas uma pequena parte da realidade, infelizmente. Chegando-se de avião, os prédios que despontam nos bairros mais próximos à baía de Guajará, a zona mais valorizada da cidade, chamam a atenção dos visitantes. São imensos espigões de até quarenta andares! Esta obsessão pela altura tem uma explicação: a região é extremamente quente, mas, a partir do quinto andar, mais ou menos, o vento que vem da baía é forte o bastante para refrescar os apartamentos, que, quanto mais altos, mais agradáveis são. O problema é que cada um destes prédios cria uma “sombra de vento” (uma zona que deixa de ser ventilada), que se estende por vários quilômetros ao longo da cidade. Assim, será necessário viver mais e mais alto para escapar do calorão. O resultado é uma sociedade estratificada, com os ricos vivendo literalmente por cima e os pobres e remediados cada vez mais privados da brisa que lhes era natural e dependentes de ventiladores e aparelhos de ar-condicionado (quando possível). O problema das águas também é grave. A cidade, localizada na desembocadura do rio Guamá, na baía de Guajará, tem formato de península e é composta principalmente por terras baixas com poucos declives, portanto cortada por igarapés com baixa velocidade de escoamento. Como as chuvas por aqui são torrenciais e a drenagem precária, foram cavadas valas profundas por toda parte, entre as ruas e o calçamento (tipo um meio-fio bem fundo). Apesar de oficialmente destinadas às águas pluviais, as valas freqüentemente abrigam água de esgoto, que vai terminar nos igarapés, que se tornam assim tão fétidos quanto o rio Tietê em São Paulo, na altura da marginal. Assim, temos valas de esgoto a céu aberto por toda a cidade, até mesmo em seus bairros mais “nobres”, por onde correm ratazanas na maré baixa. Em Belém, todos, do mais pobre ao mais rico, convivem cotidianamente com o esgoto, como se isso fosse natural. Também merece destaque, na zona portuária, próxima ao famoso e lendário mercado Ver-o-Peso, a Companhia Docas do Pará. Ali se vêem pilhas e mais pilhas de madeira roubadas da floresta tropical e cortadas em tábuas para a exportação, sob os olhares complacentes da cidade que, mais do que aceitáveis, as vê como necessárias ao seu desenvolvimento. Passando por ali, sinto muita raiva dos profissionais que, através de obscuros “planos de manejo”, dão um verniz “científico/sustentável” à exploração, ainda mais agora sob as bênçãos de Marina Silva e seu Ministério, convertidos à falácia do manejo. Posto assim, as notícias podem fazer pensar que estou desgostoso da mudança, o que absolutamente não é verdade. Perturbavam-me muito os infindáveis períodos de seca do interior de São Paulo que, na região de Ribeirão Preto, são agravados pela queima dos canaviais, levando a umidade relativa do ar a níveis mínimos e insuportáveis e dando à paisagem ares apocalípticos. Aqui, por outro lado, a tempestade tropical traz sempre uma esperança junto com as águas torrenciais. *Rodolfo Salm é articulista do site http://www.ie.ufrj.br/aparte/(18/01/2007 - 22:35)

4 comentários:

Anônimo disse...

Sempre... sempre... depois da tempestade vem a bonanza. Até no texto. "Absolutamente", pobre Belém, ai de ti. Seja bem vindo, forasteiro.

Ademir Braz disse...

Achei delicioso o olhar do bandeirante imigrado para a chuva da sesta paraense: incisivo como um bisturi. Ele está agora, eu acho,pondo seu brilhante poder de síntese e reflexão a serviço da ciência entre nós.
Oh, quão grato somos aos desígnios de Deus...

Anônimo disse...

AB, deliciosas são as nossas mangas, o açaí, o cupuaçu...
Toda crítica construtiva é e será bem recebida.
Perdoa-me, mas cansa levar porrada do povo de fora.
Eu só disse um ai....poxa!
Entendi a sua intenção. Entenda a minha indignação!

Ademir Braz disse...

Oi, princesa! Olha,os livros nunca chegaram. Que diabo é esse de sedex que leva uma semana e não chega?
Bom, tanto pior quanto levar porrada é levar porrada e servir de cobaia sem saber para onde vão e a que servem (além das honrosas distinções científicas) as pesquisas que fazem sobre nós. Meu cumpadre passou seis anos na França estudando sobre... posseiro na Amazônia.
É sério! Gutemberg Guerra é professor aí da UFPA e publicou parte das suas pesquisas num livro sobre a identidade do posseiro nesta parte do armagedon.
Mas, tá. Deixa eu reiterar o pedido de endereço para lhe enviar um livrinho.
bjs