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terça-feira, 22 de maio de 2007

A arte em grãos – VI: Xavier Santos

Marabaense nascido em 3 de dezembro de 1955, numa rua que se chamava Itacayunas em placa de latão esmaltada em azul e letras brancas e que, sabem lá Deus e os conquistadores, porque rebatizaram de Benjamin Constant – sem placa e sem letreiro. Filho de canoeiro e chacareiro do Quindangues, terra sagrada de cajus e encantamentos, só podia ter virado poesia e música, mais esta que aquela, coisas que faz como ninguém. Achou pouco e resolveu chamar-se Javier di Mayr-abá. É formado em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará. Os poemas a seguir foram tirados do seu livro inédito Sob as luzes de Argos. Medidas O cálice da luz Tem que ser sorvido Em pequenos goles, A despeito da sede E das luzes. Só quem chega ao fundo do poço Sabe a exata distância Que o separa da superfície. A escuridão existe Para medir a intensidade da luz Que não lhe coube sê-la. Castanheiras Esperei-te séculos! Ergui-me viçosa e bela até que apareceste com ares senhoriais. Eu sempre pensei nosso sexo assim mesmo: sem nexo. Mas essa motoserra foi demais. Infâncias O mundo fez piruetas com o pé de manga-rosa pintou as bolas-de-gude com as sobras do arco-íris. Brincavam de amarelinhas felizes muricizeiros. Curiós, xexéus e sanhaços faziam o maior furdunço nas frutas, nos arvoredos. Os anos de todos eles a gente contava nos dedos. Com argamassa dos sonhos, a terra forjava os homens: era Bruno, Erick, Carol e Rafa brincando de lobisomem. Auto tessitura Habitam em mim duendes e ninfas que se embalam ao som das águas dos igarapés e rios... Sonhando com os mares sabem das enchentes e vazantes; deduzem marés e preamar. Brotam dos meus olhos a alegria da luz do nascer do dia e a tristeza de não-sei-bem-onde adornada pelo vôo das gaivotas e andorinhas nos finais de tarde a povoar meus olhos. Coexisto escárnio e mistério; convivo a cada segundo com a hipótese do fim; em cada curva gume da afiada lâmina a esperar por mim. Meus líquidos – mel e fel, são taças a inundar-me os leitos. As dores, na carne ínvia, Agem ambíguas em viagens e lendas. - Os sons roubam-me a cena. É sempre assim! Sou tantos nessa moldura de carne e ossos... A música que me habita ronda em minha mesa farta de canções impossíveis. Olho o horizonte e tento resumir o céu aos pedaços que alcançam minhas retinas. Os dias parecem-me tão curtos já não me bastam; sou pouco demais para mim mesmo! Talvez porque ainda procuro rumos em minhas velas enfunadas. O tempo é um novelo: nem novo, nem velho, basta-se a si mesmo. É só tempo, a esmo, sem antagonismos... sem dilemas... O mundo que nos rodeia é um abismo de sorriso largo e o reino fugidio do sonho não contém a magia do passo que decide. Os sonhos são mais caprichosos que a musa que amei. *******

4 comentários:

Ronaldo Giusti disse...

Xavier (eu me nego a chamá-lo de Javier)Santos é um irresponsável (no bom sentido). Anos atrás me passou os originais d e "Sob os olhos de argos" - poesia, que eu denominei de "O livro da Sogra" - para que eu fizesse uma apresentação e conseguisse algum patrocínio. Consegui parte do necessário para publicar o livro, rabisquei alguma coisa sobre a poesia de Xavier, mas o irresponsável poeta gastou o dinheiro e permanece inédito em livro impresso. Priva o grande público de sua bela poesia tocantina.
Mas merece o nosso perdão, pois tem o dom da música e da poesia.

Ademir Braz disse...

Não seria melhor que "Sob as luzes de Argos" se chama-se "À sombra da sogra"? A obra é, de fato, antiga, vai para seus 7, 8 anos, e agora que você tocou nos "Livro da sogra", fico pensando se esta circunstãncia não teria sido a causa da amargura que transcende de alguns dos poemas dele daquela época. Sogras, aprendi há anos, às vezes nos exige ficar monitorando para não perder as vantagens, mas não tão próximo delas, ao alcance das patadas.

Anônimo disse...

Tudo perfeito. Tudo se completa. Não sei qual é a forma mais poética. A chamada para as poesias. Ou as próprias. Encaixam-se como peças de quebra-cabeça. São 51 anos. Você ainda tem outras poesias desse autor?
Poderia divulgar aqui, no seu blog?

Arquivei todo esse material.

Abraço!

Ademir Braz disse...

ôi, Cris:
o Xavier tem habitos estranhos: trabalha uns tempos e em seguida hiberna como um urso velho. Houve um tempo em que percorria este país, de festival em festival de música. Há anos estabilizou-se: arranjou uma companheira com quase dois metros de pura beleza negra e acredito que ainda não resolveu seu próprio enigma: ou se comporta ou cai na porrada da parceira. Ambos são professores de educação física e cobrem várias escolas. Vou ver aí, num final de semana, se ele larga a viola (que toda divinamente bem) e me mostra os textos novos que provavelmente possui.