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sexta-feira, 6 de abril de 2007

A textura do real

Marabá comemora por toda esta semana seus 94 anos de emancipação político-administrativa, arrancada a forceps do governo paraense em 1913, quando era o sustentáculo da economia de Baião, a que pertencia, como pertenciam importantes membros da administração, radicalmente contra perderem a maior fonte dos recursos daquele município.
Se isto recorda alguma situação vigente, num cenário agora regionalizado, não é mera coincidência: no Pará, a história costuma repetir-se, como farsa ou não. Enquanto isso, nossos problemas se agravam em escala planetária e não conseguimos sair da barbárie, do medievalismo, daquilo que estudioso nacional já chamara de estado do "coronelismo, enxada e voto".
Achei nos arquivos um texto meu de setembro de 2004 que, atualizado em poucos detalhes, dá bem uma idéia da mixórdia (que alguns chamam de desenvolvimento resultante dos mega-projetos minerais e pecuários) em que vivemos. Leiam a seguir: Duas ou três razões do atraso político e econômico A partir de 2002, oito empresas dos setores de siderurgia, frigorífico, pavimentação e combustível previam instalar-se em Marabá com investimentos avaliados em mais de 33 milhões de dólares. Com isso, quase 3,5 mil novos empregos seriam gerados na cidade, sendo que 975 apenas na fase de implantação dos projetos. Outros 2.485 surgiriam na etapa operacional, utilizando 90% da mão-de-obra marabaense, dependendo de incentivos fiscais municipais. Exceto, entretanto, por duas siderúrgicas que foram implantadas com toda sorte de dificuldade no Distrito Industrial (DIM), e do frigorífico que para ficar obrigou-se a comprar um terreno fora daquela setor, as demais empresas desistiram de seus projetos ou migraram para regiões mais interessadas em apoiar investimentos produtivos. Representantes dos investidores, segundo uma autoridade municipal, sequer foram recebidos pela administração, onde andaram inutilmente em busca de informações e incentivos. “Aliás, nesse período, a prefeitura preferiu desativar a Secretaria de Indústria e Comércio, encarregada de viabilizar os projetos locais e vindos de fora”, acrescentou a fonte. O Distrito Industrial de Marabá tem 21 anos de existência (hoje) – instalado no castanhal Taboquinha, desapropriado em 1986 - e continua com problemas graves de infraestrutura como falta de sistema de comunicação e malha viária decente. O governo do Estado sempre alegou tratar-se o DIM de um espaço diferenciado de outros do Brasil: é um “distrito siderúrgico”, foi imaginado, projetado e implantado para atender a produção mineral de Carajás. Ou seja, siderúrgicas, fábricas de ferro-liga, de motores, trilhos, fábricas de grande porte e pesado. Por isso, justifica o governo estadual que o Distrito Industrial não pode ter uma estrutura detalhada com iluminação pública, comunicação, pavimentação adequada, etc., o que seria feito a cada novo empreendimento, com demanda de áreas de 40, 50 hectares. Deve ser por isso que o governo do Pará levou década e meia para instalar um sistema de abastecimento d`água bruta que não daria para atender uma demanda maior do que é exigido hoje pelas siderúrgicas existentes. Houve um tempo, também a cerca de três anos, que em Marabá se pensou em propor ao governo definir uma área aproximada de 80 hectares e oferta de 30 lotes de dois hectares, para atender serrarias e fábricas diversas, gerando grande quantidade de empregos, uma vez que o Distrito Industrial está hoje praticamente dentro da cidade (metade dele foi incluída na zona urbana por lei municipal de 1989). A idéia morreu no nascedouro, por falta de interesse de quem deveria levar adiante o projeto ou pelo menos negociá-lo junto à Companhia de Distritos Industriais. Outras propostas como a criação dos pólos joalheiro e moveleiro, que incentivariam as pequenas ourivesarias e movelarias do município, igualmente tomaram o rumo do esquecimento. O joalheiro, a propósito, migrou para Parauapebas após longas e inúteis discussões em Marabá. Avançando para trás - No Sul do Pará, o Município de Marabá é o principal agente de desenvolvimento regional. Ou era, até recentemente. Acontece que a totalidade dos enormes investimentos públicos, originários do Governo Federal, e aplicados através do Banco da Amazônia, Banco do Brasil, Incra e outras instituições, além dos aportes privados, não vem sinalizando qualquer geração de emprego e renda mais significativa, por falta da contrapartida e da necessária vontade política que deveria animar a administração municipal. Por sua vez, o que tem marcado as relações históricas do governo do Pará com Marabá têm sido o descaso ou, no mínimo, a má vontade. Por exemplo, não há um só órgão estatal em Marabá que cumpra regularmente sua função. Todos vivem praticamente à míngua de recursos, mão-de-obra e de equipamentos. Tecnicamente, quem de fato mantém (de forma cada vez mais precária) a atividade econômica são o comércio, o setor de serviços e a siderurgia, - esta, limitada à agregação de insumos à produção de ferro gusa para exportação, e geradora de poucos empregos em relação à grandeza dos investimentos que exige. Desse conjunto de fatores resulta Marabá está perdendo a passos céleres a liderança regional no que respeita à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, e na oferta de serviços de saúde, educativos e culturais, entre outros. O efeito é drástico: a pobreza, a fome, a violência, a desagregação familiar que gera crianças de rua, estão aí com sua evidência concreta. A tragédia vai mais além. Segundo dados da Sespa, em Marabá até 2002 o número de leitos era de 1,45 por cada mil habitante, abaixo da determinação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de pelo menos 2,5 leitos para cada mil habitante do município. De lá para cá, a situação piorou com a falência e o fechamento recentes do Hospital Celina Gonçalves, em meio a uma história confusa que envolveria também a prefeitura. No item da mortalidade infantil, enquanto no Pará a média é de 35,83 óbitos por mil nascidos vivos e crianças até um ano, em Marabá a média chega a 65,48 mortos a cada mil crianças nascidas no município. Essa mortalidade infantil em Marabá é causada, em 55,3% dos casos, por afecções perinatais, isto é, por deficiência relacionada ao tratamento de grávidas e nascimento de bebês – ainda segundo a Sespa. Participação é a saída - Neste cenário, o papel do governo de Marabá seria o de agente articulador, indutor e catalizador de ações assumidas pelo setor privado, trabalhadores e entidades da sociedade civil, voltado para o aproveitamento ótimo de todas as oportunidades de crescimento social. Para isso, há muito deveria ter criado um corpo técnico – em conjunto com as representações da sociedade civil – que coordenasse a elaboração do plano de desenvolvimento, além de acompanhar sua execução. Mas isso não existe. O Plano Diretor do Município foi elaborado em 1987 e jamais posto em prática. Para produzir um novo plano agora seria necessário elaborar socialmente um diagnóstico da pobreza e da exclusão social e propor medidas para sua superação. Neste sentido, a Lei Orgânica do Município dispõe sobre uma quantidade expressiva de Conselhos Municipais que, vitalizados ou revitalizados com a participação das entidades representativas dos distintos setores da sociedade – sindicatos, associações de moradores, universidades, associação comercial, igrejas etc –, concorreria para a discussão dos problemas e articulação das iniciativas. Mas a participação popular na administração há muito foi banida entre nós.

3 comentários:

Anônimo disse...

Esse modelo de administração ruinoso prá maioria e excelente prá curriola tem dias contados prá acabar.

E quem viu uns e outros detonando Nagibs e Vavás em bares quando ainda era um impúbere projeto de político.

Dou risada hoje disso tudo.

Anônimo disse...

Gonçalves Dias (1823 - 1864)

Marabá

Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
— Tu és, me responde,
— Tu és Marabá!

— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!

Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços,
Responde anojado; "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"

— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. —

Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde; "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."

— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —

"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
"Qual duma palmeira,
Então me responde; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
"Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."

— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os ver tão formosos como um beija-flor!

Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá."

E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:

Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!

Anônimo disse...

Parabéns terra de todos os marabaenses forasteiros e legítimos!