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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

15 de agosto e a guerra de libertação da Amazônia

No Manuel Dutra


Imagem clássica representativa do povo
amazônico na Guerra da Cabanagem. Imagem-
inspiração e símbolo, pois a maioria do povo não era e
não é assim, forte e destemido, mas fraco e
ainda inconsciente de sua força

Bem diferente do que nos contam os livros escolares de história, o povo da Amazônia tem um passado de lutas em busca da afirmação da sua identidade e da sua dignidade. O que nos dizem é que em 15 de agosto de 1823 “o Grão-Pará aderiu à Independência do Brasil”, tendo sido a última província a reconhecer o grito do Ipiranga.

Mas não dizem que essa “adesão” foi um gesto palaciano, entre grupos de poder político e econômico que não viam o povo, a massa da população miserável e brutalmente espoliada e explorada. Na verdade, o povo foi o grande ausente desse dia, como já era ausente de qualquer outro movimento provincial.

O Sete de Setembro de 1822 teve pouco ou nenhum significado para o povo amazônico, que prosseguiu sendo explorado e comandado pelo colonizador português, que aqui manteve o mesmo status colonial de domínio sobre a população não branca. Então, o povo se indagava: que independência é essa em que o colonizador continua com o mesmo poder de mando, um gripo de independência ou morte que mantinha, na realidade, a independência da elite colonial e a morte do povo que, com o seu trabalho, sustentava essa mesma elite?
Mas a Amazônia, que então se chamava Grão-Pará, teve seu momento de luta bravíssima contra a dominação e a miséria. Treze anos após o grito do Ipiranga, começa a verdadeira guerra de libertação da Amazônia, que se tornou conhecida como Cabanagem. Foi um luta sangrenta da massa desesperada contra os portugueses e seus descendentes. Milhares de mortes de parte a parte. O povo chegou e esteve no poder por mais de um ano, sendo depois varrido do mapa pela mais cruel repressão genocida ocorrida no que hoje é o Brasil. Os cabanos não queriam criar um novo País, queriam apenas pertencer ao Brasil, ser livres, obter um pedaço da terra que pertencia toda aos brancos.
Quando assistimos às grandes manifestações populares como as de junho deste ano de 2013, fatalmente vêm à memória as lutas passadas, como a do povo de Muaná, no Marajó, que se antecipou tanto à elite branca de Belém como aos cabanos, declarando-se brasileiros antes de 15 de agosto. E por isso mesmo reprimidos, presos e humilhados pelas ruas de Belém.
Ao vermos hoje as pessoas nas ruas protestando por tantas coisas, bem que os amazônidas do passado poderiam servir de inspiração. No entanto, como a história do povo é mal contada de geração a geração, os jovens de hoje talvez só saibam da Cabanagem pelos monumentos e pelo nome da Assembleia Legislativa do Pará, ironicamente batizada de Palácio Cabanagem. Ali dentro persiste a mesma lógica da elite que resistiu a aderir ao Brasil em 1822, a mesma lógica e as mesmas práticas que desconhecem o povo.
Os cabanos, ou melhor, aqueles que poderíamos considerar como seus descendentes de sangue ou de cultura, continuam a morar nesta Santa Maria de Belém do Grão-Pará, isolados e humilhados nas baixadas, as favelas infectas que compõem mais da metade desta grande cidade. Quando se levantarão para prosseguir a luta que seus antepassados travaram, ganharam por um momento e perderam até os dias de hoje? Quando os avós dessa gente despejada nas baixadas e favelas desta cidade de Belém e deste imenso Pará irão servir-lhe de exemplo de bravura e inconformismo diante da brutal exploração e humilhação, que, como nos idos de 1822, 1823 ou 1835, permanecem tão presentes neste século 21?

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