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quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Estaria agora o Salobo em Alfa-Centauro?

É difícil imaginar hoje que a menos de 15 anos houve uma época em que a Companhia Vale do Rio Doce pertenceu ao Brasil e aos brasileiros, e em Marabá, sede das minas de cobre no Igarapé Salobo, uma preocupação elementar permeava inteiramente a administração pública na busca de se assegurarem a favor do município os efeitos positivos desse projeto, visto que havia a possibilidade de a mineradora levar para o Maranhão sua usina de processamento de 200 mil toneladas/ano de cobre metálico, cujos subprodutos seriam 8 toneladas anuais de ouro e 20 toneladas de prata, além molibdênio. Outro refugo seriam 200 mil toneladas/ano de ácido sulfúrico. Naquele tempo, as discussões sobre qualquer tema de interesse geral eram abertas, públicas, uma característica do período democrático do governo Haroldo Bezerra (1993-1996), que se presumia ter encerrado a fase negra da gestão anterior mas que chegou apenas ao primeiro mandato de Geraldo Veloso – desaparecendo outra vez nas trevas do autoritarismo resgatado sobre uma sociedade cada vez mais amorfa e inerte. Até onde se recorda, naquele tempo não havia barganhas, negociatas em troca de compensações mal explicadas; tudo era posto em relatórios e correspondências oficiais trazidas à imprensa e ao conhecimento público. Não foram poucas as viagens de Haroldo Bezerra e assessores à sede da Salobo Metais Ltda., subsidiária da CVRD, no Rio de Janeiro. Na queda de braço com a mineradora, autoridades civis e cidadãos comuns chegaram ao extremo de ocupar e obstruir, na cabeceira da ponte do rio Tocantins, os trilhos da ferrovia que levam o minério para o porto de Itaqui – tática assimilada dos vizinhos guerreiros da tribo Gavião da Montanha. No âmbito dos argumentos e contra-razões, Bezerra chegou a valer-se da assessoria do jornalista Lúcio Flávio Pinto, especialista em Vale. É que, considerados a amplitude do projeto e seu potencial, capazes de alavancar o desenvolvimento auto-sustentado da região, o governo marabaense entendia como inadmissível que um pólo industrial, ao custo de um e meio bilhão de dólares, só pudesse ofertar como bem mais nobre o concentrado de cobre, sobretudo com os altos teores de ouro e prata que esse concentrado contém. Os grandes projetos, diz relatório de 21 de março de 1995, devem contribuir, de maneira significativa e insubstituível, para a redefinição das potencialidades de desenvolvimento das áreas em que se inserem, através da melhoria da sua infra-estrutura econômica e social. Afinal, através do programa de Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal, o próprio governo da União reconhece que nenhuma região ou município pode desenvolver-se apenas com seus próprios recursos. E que, por isso, deve-se criar um ambiente político-institucional de participação dos grupos regionais e locais no processo decisório sobre o destino das paras que habitam, no que se tem chamado de planejamento participativo. e o Projeto Salobo deveria considerar tanto os aspectos sócio-econômicos e políticos quanto as decisões técnicas para assegurar que os reflexos sociais fossem determinantes na sua consecução. Insistia-se, então, que a planta de metalurgia deveria ser instalada no Distrito Industrial de Marabá, e que o confinamento da usina metalúrgica na pêra significava marginalizar a população regional dos efeitos positivos do processo de industrialização. A definição por aquela área isolada resultaria em nova migração incontrolável para Parauapebas, núcleo que já enfrentava dificuldades no atendimento à sua crescente população. Agora, certamente, com o agravante de que os impostos do Salobo - ISS, ICMS e royalties – seriam pagos a Marabá, sede da jazida. Amparado na sua autoridade, o governo municipal indagava insistentemente, desde 1994, sobre as seguintes questões: 1) extensão, carga, custo e traçado da linha de transmissão de energia desde Marabá até a pêra ferroviária e qual o consumo atual de Carajás e de da futura implantação do Salobo; 2) qual a previsão de investimento em infra-estrutura, caso a fábrica se localizasse na pêra ferroviária; 3) qual o custo do mineroduto mina-pêra ferroviária e mina-Parauapebas; 4) qual a extensão, o custo e o traçado previsto do mineroduto mina-Marabá (objeto de acordo firmado pela Vale com a prefeitura), fornecendo-se o detalhamento técnico quanto à necessidade de área de servidão, local das estações de bombeamento e qual a composição da massa a ser conduzida no mineroduto. Itens importantes como a segurança no transporte da massa via mineroduto, bacia de deposição de rejeitos e lagoa de estabilização eram também prioritários no rol de informações solicitadas pela prefeitura. Mas a Vale foi privatizada num verdadeiro crime de lesa-pátria cometido pelo governo Fernando Henrique, a sucessão municipal mostrou-se incompetente para dar seqüência à luta por Salobo, o mineroduto está sendo construído rumo à pêra rodoviária em Parauapebas. Marabá, neste contexto, já era. Sobraram a mediocridade e o oportunismo. Por isso mesmo aquelas questões continuam tão vivas e presentes como há treze anos. Agora, porém, sem que interessem a mais ninguém (exceto a esse jornalista, ao site Quaradouro e a Política & Desenvolvimento).

Esse milagre, nem Deus!...

Um judeu caminhava pelo deserto, quando encontrou uma garrafa de Coca-Cola. Ao abrir a tampa, surpresa, apareceu um gênio: - Oi! Sou o gênio de um desejo só, às suas ordens. - Então, eu quero a paz no Oriente Médio. Veja esse mapa: que esses países vivam em paz! O gênio olhou bem para o mapa e disse: - Cai na real, abestado. Esses paises guerreiam há 5 mil anos! E para falar a verdade, eu sou bom, mas não o suficiente para isso. Peça outra coisa. - Bom, eu nunca encontrei a mulher ideal. Você sabe, gostaria de uma mulher que tenha senso de humor, goste de cozinhar, limpar a casa, lavar, passar, que não seja ciumenta, que goste de futebol, aprecie uma cervejinha, seja fiel, gostosa, bonita, jovem, carinhosa e não se importe de eu não ter dinheiro. Aí o gênio coçou a cabeça, suspirou fundo e disse: - Deixa eu ver a porra desse mapa de novo!

Saneamento

Enfim, uma boa notícia sobre Brejo Grande do Araguaia. Juntamente com Cumaru do Norte, Jacareacanga, Santa Cruz do Arari e Soure integra o rol dos cinco únicos municípios paraenses que receberão apoio técnico e verba da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para ações de abastecimento de água e esgotamento sanitário previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em todo o Brasil, serão dezenas de cidades beneficiadas, segundo a Funasa, com R$ 4 bilhões do PAC para serem investidos pela entidade até 2010. Desse total de recursos, cerca de 70% são destinados para municípios com até 50 mil habitantes, sendo R$ 1,6 bilhão para esgotamento sanitário, R$ 850 milhões para abastecimento de água, R$ 370 milhões para saneamento domiciliar e R$ 180 milhões para resíduos sólidos (lixo). Mas a motivação do benefício é ruim: estes municípios convivem com as maiores taxas de mortalidade infantil.segundo a média entre os anos de 2003 e 2005. As prefeituras serão notificadas em até 10 dias e deverão manifestar interesse num prazo de 30 dias. O município que não assinar o termo de adesão nesse período será excluído da programação de investimentos. A resposta deve ser encaminhada à presidência da Funasa.

PTP/PPA

Secretário de Integração Regional André Farias vai estar em Marabá neste sábado, quando participa de reunião do Conselho Regional Carajás do PTP (Planejamento Territorial Participativo). Na mesa, eleição dos representantes no Conselho Estadual. Também será apresentada proposta do PPA (Plano Plurianual) já com as prioridades definidas nas assembléia municipais e plenárias regionais.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Enfim!...

Na discussão sobre a divisão do Estado, a sensatez necessária começa a vir à luz. no 5ª Emenda desta quarta-feira, 15 de agosto, feriado da adesão forçada do Pará, um ano depois, à Independência do Brasil. Leiam: A Ordem Natural da Vida Por Cristovam Sena Venho acompanhando através do Quinta Emenda a democrática discussão sobre a divisão do Pará e a criação de novos estados, agora mais efervescente do que nunca. Resolvi participar dessa discussão expondo o que penso sobre esse conflito de interesses regionais envolvendo o Sul/Sudeste do Pará e a metrópole. Procurarei fugir da armadilha das “listas de abaixo assinados” e dos “estudos encomendados”, geralmente contestados por quem se vê prejudicado pelos números e conclusões apresentados por eles. Não por considerá-los desnecessários nesse embate que travam grupos político-econômicos, mas porque desejo me posicionar analisando por outro prisma. Um ponto de vista mais sentimental do que técnico. O que vou escrever agora todo paraense sabe ou deveria saber, mas é sempre bom relembrar. No início, nossa metrópole adminstrava um Estado gigantesco, o Estado do Grão-Pará, integrado pelas regiões dos atuais estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí, com capital em Belém. Em 20 de agosto de 1772 essa imensidão de terra foi dividida em duas regiões administrativas: Estado do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís. Em 5 de setembro de 1850 nova divisão: o Grão-Pará foi desmembrado em duas unidades, a Província do Amazonas e a Província do Pará, que seriam denominadas como estados após a Proclamação da República. Mesmo desmenbrados continuaram gigantes no tamanho, representando mais de um terço do território brasileiro. Ainda ocorreram outras subdivisões menores e, numa delas, foi desmembrado o Amapá do Pará. Alguém pode perguntar por que essas divisões acontecem. O geógrafo Eidorfe Moreira nos ensina que o homem e a natureza são expressões completamente indissociáveis, que as regiões geográficas são entidades vivas, por isso crescem, desenvolvem-se, evoluem, emancipam-se. Ficarei com essa explicação do mestre, deixando de lado as lições que envolvem a geopolítica ou coisa parecida. A população da região que contém a bacia do Tapajós e o Médio Amazonas e que hoje pleiteia adquirir o status de Estado, nesses anos todos que se passaram desde a chegada dos jesuítas em meados do século XVII, cresceu, desenvolveu-se, evoluiu e agora quer emancipar-se. Naturalmente, como acontece nas famílias com a emancipação dos filhos. Na família, os pais investem nos filhos pensando nas suas emancipações. A partir dessa data são eliminadas despesas e os pais, muitas das vezes, dão graças a Deus pela suas saídas de casa. Quando é uma filha, na brincadeira, chegam a dizer que descontaram uma promissória. Mesmo os filhos sendo bem tratados pelos pais um dia emancipam-se. É um dia de festa para eles. Saem felizes e vão constituir uma nova família. É a ordem natural da vida. Se os filhos bem tratados pelos pais já trazem na alma o germe da emancipação arraigado ao peito, imaginem como deve ser esse sentimento no peito de um filho maltratado. Principalmente se ele participa ativamente na formação da riqueza da família, e assiste inerme e inerte o pai dissipar essa riqueza alimentando extravagantes caprichos pessoais. Essa conversa que a emancipação da região não passa de esperteza de políticos é papo furado. Mesmo que fosse, eles passam e o estado fica. Ela representa sim um sentimento que é fruto do próprio desenvolvimento da região e que vem de muito longe, alimentada anos a fio pela indiferença da metrópole perdulária. Sei que não é fácil a metrópole aceitar a emancipação como fato natural e não esquartejamento do território paraense. Deveriam muito bem saber que a chegada dessa realidade vinha sendo adiada, agora só resta encará-la. Em 1877 foi lançado o livro do admirável escritor obidense Inglês de Sousa, “O coronel sangrado – cenas da vida do Amazonas”. No terceiro capítulo do livro, o personagem Miguel descreve uma viagem sua de Belém até Óbidos. Miguel faz pequenos comentários sobre os pontos em que o paquête “Madeira” ia atracando durante a viagem: “Durante os três dias que durou a viagem tocamos em diversas vilas e cidadezinhas do interior – Breves com as suas casinhas de sobrado, a sua ponte de desembarque, sua indústria de objetos de barro; Gurupá com sua encantadora colina e a fortaleza; Porto de Mós, à margem do Xingu, com a sua linda praia; Prainha; Monte Alegre, donde se goza do mais admirável panorama, e onde se bebe excelente água; Santarém, a rica, a florescente, a soberba rainha do Tapajós, futura capital do Baixo-Amazonas, e finalmente Alenquer.” Maktub! Comentário do blogueiro José Carlos Lima: "O Cristovão fala de um processo natural de emancipação, misturado com o desejo de poucos, para explicar um sentimento que acha existir no povo do Baixo-amazonas. Quando Eu estava exercendo o cargo de Deputado Estadual propus a criação de uma comissão que percorreu os principais muncípios das duas regiões ouvindo as pessoas, no final produzimos dois relatórios e um relatório final sobre a divisão, procurem, está na Assembléia Legislativa e é patrimônio público. Pois bem. Nestas viagens senti, sinceramente, que o sentimento de separação existe em líderes e o que a população deseja são dias melhores e a resolução de seus problemas. No Sul e Sudeste os líderes apresentam o Estado do Tocantins como exemplo de prosperidade, hoje, o Jornal Bom Dia Brasil mostrou a pobreza do povo do Tocantins que nem água potável tem. No Oeste, percorremos vários municípios, sinceramente o sentimento é da Elite de Santarém. As pessoas não vivem no Estado, pois este é uma abstração. Elas vivem em municípios. Criar um Estado não acho nada grave como alguns querem fazer parecer, nem acho que é a salvação. A criação de um Estado decorre de uma conveniência administrativa de parte do Território, portanto, vamos deixar o poeta e sua individualidade em paz, pois tem para todos os gostos, e partir para o debate da conveniência ou não de se gastar uma determinada soma em recursos para implantar novas unidades federais."

domingo, 12 de agosto de 2007

Emancipar é desenvolver

Deu no Jornal do Commercio, de Manaus (AM), em 10.08.2007 Tapajós é projeto de desenvolvimento – A declaração foi dada durante a audiência pública na Assembléia Legislativa do Amazonas, na manhã de sexta-feira, proposta do deputado Sinésio Campos (PT) para debater o projeto Publicação JC O professor da Universidade Federal do Pará, Edvaldo Bernardo, considera a criação do Estado do Tapajós como o maior projeto de desenvolvimento sócio-econômico do Norte do país. Para ele, nenhum outro projeto do governo estadual ou federal, em pouco tempo, trará um desenvolvimento mais acentuado, até porque a viabilidade é real, com sua condição geográfica fazendo fronteira com o Amazonas, Mato Grosso, Pará, Macapá e todas as Guianas. A declaração foi dada durante a audiência pública na Assembléia Legislativa do mazonas, na manhã de sexta-feira, proposta do deputado Sinésio Campos (PT) para debater o projeto. Como coordenador do plebiscito que será realizado na região, uma iniciativa de autoria do deputado Zé Lima (PA) e já aprovada no Senado em novembro de 2000, está como primeiro da fila para apreciação na Câmara dos Deputados. Edvaldo Bernardo disse que a questão da criação do Estado do Tapajós pode ser entendida até como estratégia na função da soberania nacional e resguardo das fronteiras amazônicas. “O Tapajós não será somente bom para o Pará, mas para a Amazônia e o país, beneficiando a todos no plano estratégico e econômico”, disse. Questionado se o governo federal estaria propenso a arcar com tamanha despesa para a criação de um novo Estado, disse ele que a União pode não aceitar a criação de seis Estados na região, mas já considera o Estado do Tapajós como uma realidade, lembrando que a proposta do Pará existe desde 1853. Plebiscito antecede criação O vice-governador do Pará, Odair Correa, afirmou que é a favor do plebiscito para a criação do Estado do Tapajós, salientando que há 23 anos luta junto ao Congresso Nacional, pelo projeto. No seu entender, com a aprovação do projeto, a Amazônia passa a usufruir de possibilidades maiores, positivas e otimistas, na posição de representante em nível nacional, aumentando o quantitativo de deputados federais, senadores e deputados estaduais. A cor política, segundo ele, passa a ter uma conotação maior para a Amazônia. E se a região precisa de mais parlamentares no Congresso Nacional, com certeza o projeto é uma possibilidade de os amazônidas tirarem um denominador comum para o crescimento e para a melhoria da qualidade de vida na Amazônia.

A Arte em grãos - IX: Aziz Mutran Filho (1944-2003)

Aziz Mutran Filho publicou um único livro: “Retalhos de poesias”, lançado aqui mesmo em Marabá em 28 de abril de 2000, sob a chancela da Secretaria Municipal de Cultura. São 64 páginas com 34 poemas escolhidos entre o que produziu e datou desde 1964, além do “curriculum vitae” escrito quando fez 50 anos, em 29 de setembro de 1994. É desse auto-retrato que transcrevo sua própria definição: “Nasci sob o signo da balança, e por isto tenha vindo ao mundo na forma de contrapeso. Hoje olho para trás e quase nada vejo que me dê motivos para festejar. Fui durante esses anos todos, um ente repleto de contradições, polivalente por excelência, e comum no sentido mais literal da palavra. Contraí dívidas, fui cobrado e paguei. Aliás, paguei com juros escorchantes. Durante cinqüenta anos fui um servidor dos interesses alheios. Pouco tempo tive para dedicá-lo a mim mesmo. Na condição de “escada humana”, muita gente utilizou-se dela para subir. Num período, entretanto, que tive para mim, eu soube vivê-lo por inteiro. Conheci algumas terras distantes, nunca além das fronteiras do meu país. Convivi com pessoas as mais estranhas que se possa imaginar. Aprendi ofícios que hoje já não servem para nada. O dinheiro sempre foi o meu desafeto número um. Em troca, quando me deparava com ele, esnobava da sua cara. Gastei em sinal de protesto, para reafirmar essa nossa mal- querença. Tive um só amor, que para variar foi frutificar-se por além das minhas cercas. No quintal do vizinho. Em troca, fui feliz na tranqüilidade de uma união que durou até a morte da outra parte[1]. Vivemos a felicidade, mas estava escrito que nos separaríamos antes do outono. Não aprendi outras línguas. Não viajei pelos sete mares, como sonhei na adolescência. Não pilotei aviões como queria. Não cheguei a ser “doutor”, como previra o meu pai. Minha mãe foi para o céu quando eu mal completara dois anos. Por amar demais a minha pequena cidade, vou sendo um hospede constante de Marabá. Aqui espero morrer, e se possível ser cremado e ter as minhas cinzas jogadas metade no Itacaiúnas e a outra metade no Tocantins[2]. Sou pai de uma moça[3], para quem desejo uma vida bem diferente da minha. Plantei muitas árvores. Tenho uma paixão doida por tudo quanto é tipo de animal (irracional). Certamente é por esta razão que algumas pessoas me tratam como um homem de caráter. Amei a boemia e as serenatas. Hoje estou fazendo pausa na bebida e tampouco me agrada a noite. Gosto de ver as coisas com clareza. Sou um animal diurno. Escrevo poesias que algumas almas caridosas chegam a elogiar. Não peço dinheiro emprestado, para não receber negativas. Até que de vez em quando preciso e tenho vontade. em troca, sou perseguido por caloteiros que “farejam” quando tenho algum dinheiro no bolso. Depois de me ‘derrubar”, o elemento ainda se transforma em meu desafeto. Escrevi discursos explosivos, que os outros leram com grande eloqüência. Fiz ofícios, projetos, assumi a subserviência dos meus chefes, e desdobrei-me em rapapés para os chefes dos meus chefes. Isto, sempre a troco de nada. Tudo isto, para que eles crescessem e aparecessem. E como cresceram. E como apareceram. E como riram depois da minha cara de otário. Mas não me prendi nas cidades. Varei sertões como “comerciante” de galinhas e outros bichos menores. Perdi nesse negócio as poucas economias que tinha. Fui “peão”, trabalhando numa companhia estrangeira que aportou por aqui,durante um “castigo” que recebi da Ditadura. Nesse tempo de “peonagem”, pelejei por seis meses no cargo de faz tudo – carreguei pedras, madeira, cortei mato e fiz até curativos... Conheci a mata virgem em toda a sua brutalidade e grandeza. De volta à cidade, após ter comprado, com o saldo, duas mudas de roupa nova e um par de sapatos num “queima”, caí na esbórnia e depois de três dias no cabaré não tinha mais um tostão furado no bolso. Restaram-me uma malária que estava “encubada” e que a cachaça fez aparecer, e uma ressaca inominável, sem poder comprar um mísero sonrizal. O que posso falar mais? – Ah, sim, sou surdo de um lado. Dei um tiro no ouvido[4]." Espinhos
Não, não me deixes mais sozinho, caminheira errante dessas vias, viciada em percorrer caminhos, inferno este dos meus longos dias... E partes de maneira inoportuna, embora eu peça, implore, não me escutas. Inconsciente, persegues tal fortuna - miragem que tu chamas “minha luta”. E eu inútil, nem posso acompanhar-te pois se não sei o que queres e o que buscas nos momentos em que sinto evaporar-te – - a cada volta, satisfeito o teu capricho. nem te dás conta do tanto que definho com minha cruz e meu cocar de espinhos. Sempre e sempre Ocorrem-me lembranças vagas e desertas de vidas outras, em horas como dantes. Eu não sabia destas que despertas com a lembrança onipresente dos amantes e encho-me de cismas e de espanto- Não sei se é real e se estou certo que estou vivendo em tal o breve encanto e o que será de mim, quando me ver desperto. Concede-me, Senhor, viver a espera e não me encurtes a vida enquanto isso. Ah, se dormisse agora, quem me dera... E acordasse, e vive e despertado, e que ao vê-la inteira e preparada pudesse tê-la sempre do meu lado. Os anjos que vieram os anjos não disseram nada. Vieram os três, a três chamados, olharam a minha vida destroçada e foram embora ainda mais calados. Um, era a Morte, o que chegou primeiro; o outro brilhava numa luz intensa; o terceiro era uma espécie de coveiro - enigmas cruéis desta saudade imensa! Chamei-os em transe agudo, desvairado, não tendo um lenitivo ao meu alcance para a dor passada em pranto desolado. ... E não disseram nada, nem aliviaram a pena que teima, enquanto avança na direção do peito que mataram. (1991) No bar do Orlando Lá vem ela outra vez acompanhada. Quero não vê-la, mas infelizmente, é mesmo ela quem passa sorridente... E nem me viu a fita-la inconformado; nem um olhar se dignou a dar-me. e despeitado ou desesperançado fui ao Bar do orlando embriagar-me. Ninguém dessa tortura apercebeu-se, pois na face contorcida de agonia um sorriso magoado aparecia. mas, após um trago e mais outro trago ardente do copo amigo pousado à minha frente seu descaso tornou-se indiferente. (Marabá, 1968) [1] Tarcisa [2] Ao contrário do seu desejo, o poeta está sepultado em cova comum no cemitério da Velha Marabá [3] Corina [4] Suicida que era, Aziz também cortou os pulsos e acabou se enforcando numa árvore ao fundo do seu quintal. ************** O suicídio do poeta pegou a todos de surpresa e comoveu amigos e contemporâneos. Um deles, Amin Zalouth, igualmente de origem sírio-libanesa, dedicou-lhe este belo poema: Réquiem para Aziz Amim Zalouth – março/2003 Que tristeza teres ido embora assim, Aziz... No passaporte, apenas visto de partida. Nenhuma palavra sequer de despedida! Mas eu espero, nessa tua outra vida, compensando a existência aqui sofrida, tua alma n’outro plano consiga ser feliz. Caro demais o preço da tua procura! Deste-te fim num gesto de loucura e sem te preocupares com palavras de censura, chutaste o balde transbordante de amargura... Melancólicos no fim da tarde madura dobraram por ti sequer os sinos da matriz? Foste assunto para tantas, em cada esquina, Línguas compridas, afiadas, sibilinas das comadres, vorazes aves de rapina, vendo-te imóvel, cheirando a naftalina, a julgar tua sorte, a tua sina, como se fossem da tua vida o juiz... Inerte agora, sozinho numa cova, não ouves quem tua ida chora, reprova. Quem te deu na última hora uma prova de amizade? Amigos? Amigos, uma ova! Quem leu p’ra ti, na despedida, uma trova, ou ofertou uma rosa, um jasmim, uma flor de lis? Aqui, a vida mudou pouco, quase nada: nosso minério indo embora pela estrada, o sol castigando as ruas, as calçadas, a lua brilhando intensa n’alta madrugada, e logo mais, quase manhã, na alvorada flores serão arrancadas com galhos e raiz. Renunciaste à tua cruz, ao teu calvário... E não se encontra em qualquer livro ou dicionário tanta coragem para fazer o itinerário da estrada onde agora segues solitário, sem dia, sem noite, sem regras, sem horário, rumo à luz branca, intensa, alva como giz. Era cedo ainda para ires embora, mas, já disse o poeta, quem sabe faz a hora, e só tu mesmo podias ver a atua aurora. Partiste. Aqui, a lembrança se demora... Rezamos por ti. Vai em paz.Sejas feliz. Mas foi triste teres ido embora assim, Aziz….

Grande sacada!