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sexta-feira, 16 de maio de 2008

Escravidão dá cadeia

Gilberto Andrade, um dos maiores fazendeiros do Pará, foi condenado pela Justiça Federal no Maranhão pelos crimes de trabalho escravo, ocultação de cadáver e aliciamento de trabalhadores. A denúncia partiu do Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA). Ainda cabe recurso da decisão Gilberto Andrade é proprietário das fazendas Caru, Baixa Verde e Bonsucesso, situadas entre os estados do Pará e Maranhão. O fazendeiro, após aliciar trabalhadores mediante falsas promessas de emprego remunerado, submetia-os a condições degradantes de vida e de trabalho, além de cerceá-los à liberdade de locomoção. Em suas fazendas, foram resgatados 19 trabalhadores que eram escravizados. Segundo a denúncia do MPF, foram localizados cadáveres enterrados nas fazendas do réu, que de tudo tinha conhecimento. Muitos restos mortais já se resumiam a ossadas, dificultando ainda mais a identificação dos mortos e a elucidação de eventual crime contra a vida. Esses crimes ainda estão sendo investigados. Gilberto Andrade foi condenado a 11 anos de reclusão, sendo oito anos pelo crime de redução à condição análoga à de escravo (artigo 149), e três anos pelo crime de ocultação de cadáver (artigo 211), mais três anos de detenção pelo crime de aliciamento de trabalhadores (artigo 207). Além da multa de 7,2 mil salários-mínimos, no valor vigente à época dos crimes. As multas impostas deverão ser pagas em até dez dias contados do trânsito em julgado da sentença e deverão ser corrigidas monetariamente até o dia do pagamento. Não será possível a suspensão da execução das penas, bem como a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, que, inicialmente, serão cumpridas em regime fechado, no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Prisão preventiva - O Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA) apurou que, no Pará, o réu havia reiterado a prática de submeter trabalhadores ao trabalho escravo, dessa vez com requintes de crueldade. O fazendeiro marcou um empregado com ferro de marcar gado. Por conta desse novo crime, o MPF/MA pediu prisão preventiva de Gilberto Andrade em todos os processos contra ele movidos na Justiça Federal do Maranhão. A Justiça decretou e já foram cumpridas três prisões preventivas em processos distintos. Em vista disso, Gilberto Andrade encontra-se preso na penitenciária de Pedrinhas. (Ascom/PRMA

Regularização de PA’s

O Ministério Público Federal (MPF) no Pará quer que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tome providências imediatas para a regularização ambiental dos 473 projetos de assentamento localizados no sudeste do Estado. O MPF recomendou que não sejam assentadas mais famílias enquanto tais medidas não forem realizadas. O procurador da República Marco Mazzoni, que atua em Marabá, estabeleceu um prazo de dez dias para que a autarquia informe quais medidas vêm sendo adotadas e um prazo de 45 dias para que a documentação seja apresentada. Os prazos começaram a valer a partir da última terça-feira, 13 de maio, quando a recomendação foi protocolada no Incra de Marabá. Na recomendação, Mazzoni adverte que o descumprimento das requisições resultará em ação judicial contra o Incra e seus dirigentes. Em 2007, o MPF conseguiu a anulação de 107 assentamentos criados pela autarquia no oeste do Estado. Os projetos não atendiam à legislação ambiental. A Justiça Federal bloqueou os bens e quebrou os sigilos bancários, fiscais e telefônicos dos servidores acusados pelas irregularidades. "Além da necessidade de atender as normas ambientais, o Incra não pode financiar, por meio de créditos aos assentados, atividades degradantes como a pecuária e o extrativismo madeireiro", ressalta Mazzoni. "Quem financia atividades efetiva ou potencialmente violadoras das normas ambientais é responsável pelos danos ambientais causados", observa o procurador. Para o MPF, ao disponibilizar terra aos assentados sem indicar e instruir a forma de uso do terreno e sem delimitar as áreas de preservação e demarcar as reservas legais, o Incra está estimulando os trabalhadores rurais a utilizarem os lotes da forma que melhor lhes convier, sem importar se essa exploração implicará em degradação. A íntegra do documento enviado pelo MPF ao Incra está no site da Procuradoria da República no Pará (www.prpa.mpf.gov.br), na seção Recomendações.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

“Modo de ver para fazer desaparecer”

Enquanto em Marabá a data que assinala os 120 anos da lei de libertação dos pretos passou, digamos, literalmente em branco, nesse dia 13 de maio cerca de mil pessoas foram às ruas de Araguaína (TO) em marcha pelo fim da escravidão moderna e da injustiça social no campo. Só para lembrar, desde 1995 - quando as ações do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foram lançadas - até hoje, mais de 28 mil trabalhadores já foram libertados no Brasil. De qualquer forma, a manifestação de Araguaína não cuidou da exclusão social do negro, como seria de se esperar em razão da data comemorativa. Entre nós, contudo, pelo menos a Professora de História no Ensino Médio e Doutoranda em História pela Universidade Federal do Goiás (UFG), Idelma Santiago, produziu um texto instigante e elucidativo em que, segundo ela, não se está discutindo a questão do trabalho “e sim a questão da presença/reconhecimento dos afro-descendentes na construção da identidade nacional.” Leia o trabalho a seguir. “Em 1894, Nina Rodrigues, médico defensor das teorias raciais com base em modelos darwinistas sociais, disse que “se um país não é velho para se venerar, ou rico para se fazer representar, precisa ao menos tornar-se interessante”. Naquele contexto, mediante os recentes acontecimentos da abolição da escravidão e a proclamação da república, as elites brasileiras se preocupavam em resolver o “problema” da identidade da nação. A solução foi a passagem de uma visão da miscigenação como o “espetáculo” e o laboratório curioso e degradante das raças para a positivação da mestiçagem, através da construção do “mito das três raças” como a grande representação nacional. O tema da raça sempre ocupou uma centralidade nos discursos de identidade nacional no Brasil. Assim, temos um país que se define pela raça, numa perspectiva etnocêntrica – a metarraça mestiça. No Brasil, os ideais de identidade nacional, fundamentados na unidade política e na homogeneidade racial, sedimentaram na sociedade o que Florestan Fernandes definiu como preconceito retroativo, isto é, um preconceito de ter preconceito. Também, nessa forma de racismo, os negros são visibilizados a partir de predicados que explicam a sua exclusão do modelo de cidadão e sociedade definidos à sua revelia e são invisibilizados em suas reais necessidades, seus aportes à formação sociocultural brasileira, porque se quer garantir um tipo de sociedade hipoteticamente harmonizada. E a maldição da cor? A cor da pobreza? A demonização e inferiorização das práticas cultural-religiosas negras? Esses são temas interditados ao debate na sociedade brasileira. Aqui, as desigualdades sociais foram transformadas em marcas de diferenças essenciais. A conclusão da pesquisadora Lilia Schwarcz é de que, no Brasil, desde a abolição, a discussão racial abortou o debate sobre as condições de cidadania no país, naturalizando diferenças sociais, políticas e culturais, ganhando os locais de vivência cotidiana e a esfera das relações pessoais. Segundo Dalmir Francisco (2000), na compreensão sobre o fenômeno racial e étnico no Brasil, o modo predominante de ver-o-negro é o “modo de ver para fazer desaparecer”. A ideologia da comunidade tangida pela harmonia das raças visa fazer desaparecer o outro que deverá diluir-se, misturar, desfazer-se. O negro, na ideologia da mestiçagem, não é mais (foi escravo), não permanece (está se diluindo pela mestiçagem) e que não será, pois estará diluído (lavado) na futura metarraça. O questionamento dessa conservadora narrativa do Brasil ganhou força nos anos 70 do século XX, quando emerge um modo de ver o negro como sujeito de sua história e destino, corroborado, nos anos 80, pela expressão cultural-religiosa e artística dos afro-brasileiros. Certamente, pesa-nos a história de “elogio” da mestiçagem sincrética, da cordialidade e da democracia racial. Mas, a questão da diferença cultural recoloca a problemática da fronteira interna da nação, porque o problema da diferença cultural não é mais uma questão da relação com “outro” povo, mas uma questão da “alteridade do povo-como-um” (Bhabha, 2003). Assim, são nossas vozes – de afro-descendentes -, nesses 120 anos, as contra-narrativas da nação que rasuram suas fronteiras totalizadoras. E, para além do “interessante”, enquanto mestiço e exótico – mistura fascínio e medo -, participamos do jogo de construir a nação e também de sua divisão, apresentando nossa diferença, nossas significações marginais e nossas condições desiguais.”

Latifúndio ratificado

A absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o "Bida", da acusação de ter sido o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang é um reflexo dos "séculos de latifúndio e de escravidão". Essa é a análise que o jurista Fábio Konder Comparato fez ao jornalista Maurício Hashizume, do Repórter Brasil, da decisão do júri popular pronunciada na terça-feira passada (6) que livrou Bida da pena de 30 anos de prisão, determinada no primeiro julgamento ocorrido em meio de 2007. "A realidade dura de ser admitida por nós é que o ´povo´ não gosta daqueles que querem mudar a ordem das coisas", disse o jurista, justificando o sentimento de "repulsa" de parte considerável da população brasileira a organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O tribunal do júri, recorda Fábio Konder, foi adotado justamente como uma forma de defesa dos setores médios do "povo" contra o "mandonismo" dos senhores feudais, instaurando a idéia do julgamento por "pares, pessoas comuns". "Mas numa sociedade atravessada por tão agudas desigualdades como a brasileira, esse reflexo do pensamento do ´povo´ pode aparecer de uma forma negativa [que reproduz a ordem social e as relações de poder estabelecidas historicamente]", complementa. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), não há mais nenhum mandante preso por crime relacionado à conflito agrário no Pará. A entidade contabiliza a morte de 819 pessoas em função de disputas por terra no estado de 1971 a 2007. Desse conjunto, foram instaurados 92 processos. Houve 22 julgamentos pelo Tribunal do Júri e apenas seis mandantes foram condenados - um está foragido, um morreu por causas naturais, um foi perdoado pela Justiça, dois aguardam novo julgamento em liberdade (coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Oliveira, envolvidos no Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996) e o sexto elemento é Bida, que foi absolvido.

“Justiça nos trilhos”

Por iniciativa dos Missionários Combonianos, uma congregação da Igreja Católica que atua em diversas regiões do Estado do Maranhão, foi lançada no final de 2007 a campanha "Justiça nos Trilhos" que obteve a rápida adesão de outros grupos e organizações, que hoje compõem a sua coordenação executiva e/ou a sua rede de ação. Sua prioridade tem sido a defesa do meio-ambiente e das populações ameaçadas na região amazônica, especialmente aquelas situadas às margens da Estrada de Ferro Carajás. Igualmente pretende direcionar sua atenção para os danos causados aos povos indígenas e também aos trabalhadores vítimas de exploração. A Campanha vem trabalhando no sentido de envolver prioritariamente três segmentos da sociedade: os movimentos populares e a base da população, o meio acadêmico e as instituições públicas locais. É que, segundo o padre Dário, a coordenação de Justiça nos Trilhos pretende aproveitar a ocasião do Fórum Social Mundial (Belém – janeiro de 2009), com vista a oferecer maior visibilidade à grave situação da região e contribuir para que sejam estabelecidas alianças mais amplas em níveis nacional e internacional e mostrada que a experiência de pressão sobre a Vale, no contexto de Carajás, pode se tornar modelo para outras regiões também. “Os objetivos da nossa ação são principalmente os seguintes: a) avaliar o impacto real das atividades da Companhia Vale do Rio Doce (Vale) ao longo da denominada área de influência da Estrada de Ferro Carajás; e b) propor o debate sobre a construção de mecanismos que possibilitem a internalização de recursos da Vale, de forma a alavancar o desenvolvimento sustentado das comunidades que vivem na área de influência da EFC”, diz o sacerdote. Para exemplificar sua tese, padre Dário garante que a população de Açailândia (MA) tem sido em sua grande maioria vítima de várias formas de degradação do meio-ambiente. “Entre todos os municípios cortados pela EFC, Açailândia constitui-se em um caso bastante emblemático, pois condensa em uma só área vários tipos de situações que comprometem o bem estar da população (mineração, desflorestamento, monocultura de eucalipto, poluição provocada pelas siderúrgicas e carvoarias, trabalho escravo, miséria, desnutrição, exploração sexual infantil). Trata-se de um contexto expressivo de toda uma região (Carajás) onde os problemas são muito parecidos e a força do povo é bastante desproporcional àquela das grandes empresas atuantes na região”, conclui em e-mail remetido à página P&D.

Saldos

Em nota publicada nessa quarta-feira (14) no Rio de Janeiro, a Vale contabiliza os danos materiais causados à Estrada de Ferro Carajás (EFC), dia 13 de maio, “por integrantes do MST e de um grupo de garimpeiros, no mesmo local da ocupação durante o Abril Vermelho, em Parauapebas (PA)”. Foram, segundo a mineradora, retirados 1.200 grampos que fixam os trilhos ao solo, num trecho de mais de 200 metros de extensão; corte dos cabos de fibra ótica que passam pelos trilhos, interrompendo a comunicação via celular de Carajás; queima de pneus sobre os trilhos, danificando mais de 300 dormentes; e levantamento de trilhos com macaco hidráulico, que comprometeu a sustentação da linha. Ou seja: os ocupantes fizeram barba, cabelo e bigode. Com isso, deixaram de ser transportadas por dia 1.300 pessoas, que têm no trem de passageiros seu principal meio de transporte entre 23 municípios do Maranhão e do Pará; e ficaram sem transporte 285 mil toneladas de minério de ferro, fora os danos à sinalização e aos equipamentos da ferrovia. Na conta da Vale, a paralisação da EFC representa uma perda aproximada de US$ 22 milhões por dia para a balança comercial brasileira. Bem, o choro é livre, mas há um aspecto positivo na questão: foram pelo menos 1,3 mil pessoas que deixaram de vir para a região.