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Gabriel Pimenta, mártir da luta camponesa |
A juíza Maria Aldecy de Sousa Pissolatti, da 3ª Vara Cível da Comarca de Marabá, condenou o Estado do Pará a pagar uma indenização de R$ 700 mil aos familiares do advogado Gabriel Sales Pimenta, assassinado em 18 de julho de 1982, em Marabá.
A sentença de 1º grau foi publicada no Diário da Justiça de quinta-feira (07/10). A ação foi proposta pelos advogados da Comissão Pastoral da Terra – CPT Marabá, em razão de o crime ter prescrito em 2006. Foram 24 anos de tramitação do processo e nenhum dos acusados levado ao tribunal do júri. O mandante do crime, Manoel Cardoso Neto, o Nelito, irmão do ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso, chegou a ser preso em 2005, mas foi solto após o Tribunal de Justiça declarar a prescrição do crime.
Gabriel Pimenta era advogado da CPT e dos movimentos sociais de Marabá. Antes de ser assassinado, ele defendia um grupo de 160 famílias de posseiros do castanhal Pau Seco. Após despejadas por ordem ilegal de juíza local, Pimenta ingressou com Mandado de Segurança perante o Tribunal de Justiça, conseguindo cassar o despejo e garantir o retorno das famílias à área. Inconformados, o fazendeiro Manoel Cardoso Neto e seu sócio José Pereira da Nóbrega decidiram assassiná-lo. Gabriel Pimenta foi morto a tiros na Marabá Pioneira em 18 de julho de 1982.
“A morosidade da justiça paraense na tramitação do processo foi tamanha – diz nota da CPT -, que embora o inquérito policial tenha sido instaurado em julho de 1982 a denúncia só foi apresentada em agosto de 1983; as audiências de qualificação e interrogatório ocorreram mais de 5 anos após o fato criminoso; o advogado de um dos acusados, Américo Leal, passou um ano com o processo em seu escritório sem receber qualquer punição por parte do Judiciário; a sentença de pronuncia só foi proferida em agosto de 2000, 17 anos após a instauração do processo; apenas 21 anos após o crime é que foi expedido o decreto de prisão contra Nelito”, sem que a polícia paraense não tenha feito qualquer esforço em prendê-lo. “A única vez que Nelito foi preso foi através de uma operação da Polícia Federal no ano de 2005”.
Por causa desse descaso, o governo brasileiro ainda responde a processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), proposta pela CPT e a entidade de Direitos Humanos CEJIL, do Rio de Janeiro.
Para a juíza Maria Aldecy, “cabe ao Poder Executivo dar os meios materiais e logísticos suficientes à administração pública e aos Poderes Legislativo e Judiciário, para que se consiga terminar o processo judicial (...) em prazo razoável”. Acrescenta que, “em casos nos quais o Estado não consegue atingir a sua pretensão punitiva em tempo hábil, a morosidade processual tem o condão de transformar a pretensão da vítima em frustração, resultando, portanto, em mais violação a bem jurídico tutelado, além daquele já violado em ocasião da pratica do delito”.
“O que na verdade restou em demasia comprovado, diz a magistrada, é que o Judiciário paraense foi incapaz de garantir a eficácia da sua decisão de garantir o acesso a terra e, tampouco, demonstrou condições necessárias de punir civil e criminalmente os infratores”. Para ela, “impunidades provocadas pela morosidade, como esta, (...), trazem consigo um incentivo a intensificação à criminalidade, bem como o descrédito a instituição judiciária e, por conseguinte, à própria figura do Estado”.
A decisão é inédita. É o primeiro caso de condenação do Estado do Pará por não punir responsáveis por crimes no campo. Outras ações deverão ser impetradas pelos advogados da CPT contra o Estado em relação a outros crimes que foram prescritos sem punição dos responsáveis pelas mortes. De acordo com levantamento feito pela CPT de Marabá, dos quase 900 assassinatos no campo ocorridos no Pará nas últimas décadas, menos de 250 mortes resultaram em cerca de 150 ações penais que tramitam nas comarcas dos diferentes municípios. Do total das ações, em menos de 15% delas, algum responsável foi levado a júri popular.