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sábado, 26 de maio de 2007

Dimensões

Gestação (Ademir Braz) Quando tudo é grande como no começo, e as inquietas órbitas do sonho velam as surdas girândolas do que será afeto, eis o poema ainda húmus vago no rio veloz entre presságio e musgo. São caminhos de pedra e chuva e cinza e mar de águas turvas o inexato claustro das estrelas. Sobre o leito da palavra, entre mortos solitários e corcéis ansiosos, dorme inerte o pássaro ainda implume. Mas, concluso o canto, cerrada a concha que a semente vela (e nela, dentro dela, vibrando a flor d’outrora e a vaga oceânica d’agora), dá-se o pássaro ao tempo que pertence ao pó, ao cerne do que sobrevive à bruma, o peixe ao mar do dia repentino. O poeta é uma árvore que dá frutos, e deles se despede com um lenço branco.

Alguma nostalgia

Em carne viva (Ademir Braz) Juntam gravetos e lume, arde a fogueira na rua. No sete-estrelo dos céus canções de roda e lembranças giram os vitrais da infância na viuvez das estrelas. Sobe da ilharga do fogo um alarido tribal. Ora pro nobis nas velas Outro obscuro Natal. Fazíamos assim, no tempo que esta noite resgata: adultos sobre a calçada, boca-de-forno, crianças, Voz do Brasil no Transglobe de válvula e bateria. Com a seda garça da lua, e fios de fada e encantos, à luz de vela tecia dona Itália o manto da virgem que desencanta (fiando fibras de urtiga na carne viva da mão) o príncipe que a bruxa má tornara ave infeliz. A cada noite a vida ganhava em luz e magia quando Itália na porta cercada pelos meninos contava histórias perdidas entre degraus da calçada: “Era uma vez...”, e girava a estrela azul entre as algas e o fogo-fátuo dos astros nos infinitos luzia.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Deu no Estado do Tapajós

Revisão do Pará:sem embromação Os deputados anunciaram a decisão de convocar um plebiscito sobre a redivisão do Estado, novamente no foco dos debates. A iniciativa, afora ser inócua, apenas complica o tratamento da questão. O plebiscito não é uma faculdade, mas uma etapa obrigatória do processo de emancipação territorial, quando deferido oficialmente. Ser a favor da consulta popular significa apenas ser a favor da lei, da qual ninguém pode sequer alegar desconhecimento. Logo, é pura embromação. Embromar é a posição de muitos que não querem se comprometer, sobretudo os políticos. Mas certamente não é fácil dar uma opinião sensata a respeito. Ao contrário do que aconteceu com Mato Grosso e Tocantins, os últimos parceiros incorporados à federação nacional, a redivisão do Pará não é consensual; na verdade, é conflituosa. O Estado atual não quer perder suas partes, que reivindicam a emancipação. E os candidatos a novos Estados não conseguem demonstrar à unidade-matriz que a separação fará bem a todos. Por isso os atores litigam. E por isso a autonomia ainda não saiu. Como em casa onde todos falam ninguém tem razão, é um diálogo de surdos por conveniência. Imagina-se que a vitória virá no grito. É raro o caso do protagonista que não tenha firmado sua posição mais por paixão do que por razão. Quando não apenas por impulso da vontade, por achar que precisa ser assim e ponto final. Se fosse exatamente assim, a celeuma não estaria se arrastando por tanto tempo. No caso do Baixo-Amazonas, há mais de século e meio. Agora a conjuntura está finalmente amadurecida para gerar os novos frutos federativos? Talvez, mas essa história já foi repetida muitas vezes. Se os paraenses não conseguem uma linguagem comum para apresentar sua proposta ao Congresso Nacional com um mínimo de unidade e coerência, qual seria a motivação do país pela plataforma, que virá onerar os cofres do governo federal e sangrar a partilha dos Estados? Durante boa parte do regime militar, havia interesse da União de impor seus objetivos, em associação com os “grandes projetos”, sem a intermediação do Estado, que cobrava a sua parte no butim e na divisão de poderes. Uma figura nova no direito público, o “território administrativo”, por pouco não saiu dos laboratórios do Dr. Golbery para a algibeira de um parlamentar amigo e, daí, para o ementário legislativo. Mas, e hoje? Só a vontade não é mais suficiente e razões morais não bastam. É preciso demonstrar a eficácia da redivisão, mesmo que seja preciso submetê-la a um balanço de prós e contras para tirar o saldo positivo, se a prova dos nove for impossível de usar. Essa contingência impõe a análise racional. E como fazê-la se o debate é à base da improvisação e do grito? É preciso pôr em prática um projeto de pesquisa sobre a territorialidade do Pará, que venha a apresentar um resultado final, abrindo caminho para uma decisão sobre a controvérsia e não mais embromação. O lugar certo para essa pesquisa ter curso é o governo. Mas sem o controle do governo. O Estado cederia espaço, recursos e ferramentas, além de material humano. Criaria um comitê executivo, que elaboraria os termos de referência para contratar consultoria especializada, com a qual viria o diagnóstico. O documento seria exaustivamente discutido em Belém e nas sedes dos pretendidos Estados para ser testado. Uma vez consolidado, serviria de base para projetos-de-leis a serem submetidos ao Congresso Nacional e à Assembléia Legislativa, consumando essa longa história. Ela está pedindo para ser escrita de vez. O que falta é o autor. (Lúcio Flávio Pinto)

DFS: reflorestamento ou floresta energética?

Em continuidade ao questionamento levantado por esta página sobre a quem interessa o Distrito Florestal Sustentável de Carajás, projeto que vai consumir milhões de reais dos recursos públicos para socorrer madeireiras falidas e guseiras movidas a carvão clandestino, P&D publica artigo esclarecedor recebido do leitor, estudante de Engenharia Ambiental e servidor do Ministério Público do Estado, Antônio Alves Teixeira Filho. Leia:
“Quando se fala de reflorestamento, nos vem à mente a idéia do cultivo várias espécies vegetais que visem devolver a uma área já desflorestada a mesma qualidade ambiental que tinha antes de sofrer qualquer alteração. Em outras palavras, pensamos em devolver as mesmas características a um ambiente, de tal forma que ele sirva novamente de habitat para a biota que ali o utilizava como nicho, ou seja, idealizamos um novo ecossistema. Segundo o Dicionário Aurélio, um dos significados de floresta é “ecossistema terrestre organizado em estratos superpostos (o musgoso, o herbáceo, o arbustivo e o arborescente), o que permite a utilização máxima da energia solar e a maior diversificação dos nichos ecológicos”. Esse conceito nos remete à idéia de que reflorestar é recriar um ecossistema que não mais existe devido a modificações nas suas características naturais. Esse não parece ser o mesmo conceito empregado pelas entidades que estão propondo a criação do Distrito Florestal Sustentável (DFS) do Pólo Carajás. As palavras do diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Tasso Azevedo, em afirmar que “a principal atividade do DFS terá de ser o reflorestamento e a recuperação de áreas que permitam abastecer a indústria siderúrgica, com uma fonte sustentável de carvão”, durante seminário que discutia a criação de tal distrito, em Belém, demonstra o grande desconhecimento por parte dos componentes dessas entidades sobre as atividades florestais. A eucaliptocultura, designação dada à monocultura do eucalipto, tem se expandido em todo o Brasil e tem sido empregada como sinônimo de reflorestamento. Realmente é muito comum confundir reflorestamento com floresta energética. Todavia, uma vez apresentado o significado de “reflorestar”, o neologismo “floresta energética” é usado para definir as culturas voltadas para a produção de biomassa, onde se objetiva a maior quantidade de madeira por hectare em um menor espaço de tempo, com maior intensidade do uso da terra, uma vez que a árvore é um perfeito dispositivo de armazenamento de energia solar. Esta definição engloba perfeitamente todo o conceito de reflorestamento de alguns dos representantes das entidades interessadas na criação do DFS. No Pará, a monocultura do eucalipto está aos poucos sendo introduzida, com o discurso de que é uma alternativa para abastecer a indústria siderúrgica da região - que necessita de carvão vegetal como insumo -, sem intensificar o desmatamento na Amazônia. Porém essa prática, antes de sua propagação, requer estudos, a fim de que sejam avaliadas as conseqüências dessa espécie exótica no solo amazônico. A atividade, como qualquer outra que cause impactos ambientais (positivos ou negativos), está sujeita ao processo de licenciamento ambiental, sendo apresentados, durante esse procedimento, os próis e os contras de sua implantação. Apesar de ser recente essa cultura em nosso país e de ser escassa a literatura a seu respeito, é, ainda assim, possível fazer uma breve avaliação dos seus efeitos sobre a biota, enquanto vegetal, e do seu aproveitamento como biomassa. A monocultura quando comparada à diversidade de uma floresta nativa provoca, sem dúvidas, prejuízos ambientais. A eucaliptocultura, especificamente, provoca a perda de potencial genético (da flora e da fauna), da paisagem florística, a fuga de animais, além de não formar novamente um ecossistema com condições para que outros vegetais se desenvolvam (caso o espaçamento entre as plantas seja mínimo) ou para que outros seres passem a habitar a área cultivada. O eucalipto domina todo o espaço plantado, tanto o horizontal como o vertical, desde o solo (entenda-se como raízes) até a copa desses vegetais. Contudo, a espécie pode, todavia, representar, como aspecto positivo, um fator de recomposição do solo. Como biomassa, o aproveitamento do eucalipto pode não apresentar os resultados esperados. Esse vegetal, durante o seu desenvolvimento, absorve muita água, um dos motivos pelos quais seu crescimento é mais acelerado do que o de outras espécies. Muitos dos seus componentes, durante o processo de pirólise (queima) para a produção do carvão, são volatilizados, uma vez que, se comparado a outros vegetais, seu caule é constituído de uma quantidade maior de líquido. Isso faz com que o carvão produzido apresente menor densidade e baixa resistência mecânica do que o carvão produzido a partir da biomassa de espécies nativas, características estas necessárias ao carvão vegetal para uso nos altos-fornos. A combustão desse carvão, devido a esses fatores, acontece de forma mais rápida, o que demanda uma maior quantidade desse insumo para produzir o ferro-gusa. Quanto ao seu aproveitamento para a indústria moveleira, é ainda é pouco utilizado, devido à sua baixíssima resistência mecânica. Apesar de tudo, a sua viabilidade está sendo questionada, como forma de “reflorestamento”, para a produção de carvão vegetal para alimentar a indústria siderúrgica. O eucalipto tem, no entanto, uma grande vantagem sim sobre as demais espécies vegetais: adapta-se praticamente a todas as condições climáticas. Mas toda praga que se preze tem que se adaptar facilmente em todos os lugares, sob quaisquer condições.

Governo dá golpe ...

O valor das indenizações por morte e invalidez provocadas por acidente de trânsito pago pelo Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores (DPVAT) foi diminuído em R$ 1.700 pelo governo federal. A medida provisória que modificou o valor foi aprovada na terça-feira (15) no Senado. A lei nº 6.194, de 1974, estipulava o valor das indenizações em 40 salários mínimos (R$ 15.200). Agora os valores, por vítima, são de R$ 13.500 em casos de morte e invalidez permanente. A modificação do valor veio “escondida” dentro da MP 340/06, que tratava da correção em 4,5% da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, anualmente, até 2010. Embora o prêmio da indenização tenha diminuído, o valor do seguro obrigatório, cobrado do proprietário do veículo, vem sendo reajustado nos últimos anos pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. Em janeiro, o preço para carros de passeio foi reajustado em 11% (de R$ 76,08 para R$ 84,55). Já para motocicletas o reajuste foi maior, de 33,55% (R$ 137,65 para R$ 183,34). De 2005 para o ano passado, o valor já havia subido entre 3,6% e 55%. Enquanto isso, o reajuste da indenização no ano passado foi de 0,15%. Estava em R$ 13.479,48, equivalente a 40 salários mínimos, e foi para R$ 13.500. ... no DPVAT Em 2006, de acordo com Ricardo Xavier, diretor do convênio DPVAT, foram pagas 193.118 indenizações: 63.776 por morte, 45.635 por invalidez permanente e 83.707 reembolsos de assistência médica e hospitalar. Projetando para este ano a mesma quantidade de indenizações por morte e invalidez (109.411), seriam economizados R$ 185,9 milhões.Xavier explicou que, desde 1975, o CNSP, com base na lei nº 6 205, que desvinculou o padrão salário mínimo como base das indenizações do DPVAT, “passou a adotar critérios técnicos para definir os valores dessas indenizações, baseando-se em cálculos estatísticos e atuariais e tendo como base a freqüência do número de acidentes e os valores das indenizações pagas, garantindo, assim, o equilíbrio do sistema”. Essa permissão também está expressa no artigo 7º da Constituição Federal, disse. O governo diz que a medida foi tomada para eliminar fonte de desequilíbrio financeiro-atuarial hoje existente na administração do DPVAT. O contribuinte não tem onde reclamar. Por ser lei e não se tratar de relação de consumo, mas indenização paga pelo Estado, o Procon não recebe esse tipo de reclamação.

Educação no campo

Tudo quase pronto para a III Conferência Regional de Educação do Campo, a realizar-se de 28 a 30 deste mês no auditório da secretaria de Saúde. A proposta é reunir educadores de movimentos sociais campesinos, professores e estudantes universitários, representantes das prefeituras regionais e profissionais da assistência agrotécnica para debate e formulação de políticas públicas para a educação rural.

Consumidor lesado

Entra governo, sai governo, e há 40 anos a Cosanpa é uma das maiores (entre as inúmeras) pragas que infernizam o cidadão marabaense. Sua única regularidade é na emissão da cobrança da água que não fornece ou que faz chegar à sua casa à média de, no máximo, cinco a sete dias por mês, aqui, contabilizado o fornecimento em minutos ao longo das 24 horas de cada dia. Na Nova Marabá, neste mês de maio, os consumidores conferem nos dedos de uma só mão os dias que receberam a água fedendo a Q-boa, mas quase todos receberam uma cobrança desaforada e ameaçadora de corte dos canos que compraram quando caíram no conto do abastecimento.

Saindo das sombras

A União dos Vereadores do Sul e Sudeste do Pará – Uvespa – participa hoje do 2º Encontro Regional de legisladores e faz assembléia geral ordinária para eleger nova diretoria para 2007/2009. Os eventos ocorrem no auditório da Sesma. Presidida pelo vereador Wenderson Chamon (PMDB Curionópolis), a quase desaparecida Uvespa pretende usar o gancho da campanha pelo Estado de Carajás para tentar sair do marasmo. Afinal, ano que vem teremos eleições para prefeito e vereadores.

O valor das coisas

O veterinário e produtor de mudas Olavo (Art Verde) Barros disse ter prestado atenção na seguinte cantoria de um tangedor de burros: “Minha mulher e meu cavalo/ eu perdi em um só dia./ Do cavalo senti pena/ da mulher tive alegria./ Cavalo bom é difícil/ mulher ruim é todo dia./

Livre-pensar

Todos, ou quase todos, os patifes presos na operação Navalha já estão soltos. Parece que foram levados à Polícia Federal apenas para se barbear.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Despotismo

Por toda a quarta-feira 23, carro de som buzinou nas ruas da Velha Marabá que a prefeitura vai contratar professores temporários para substituir aqueles em greve desde a sexta-feira 18, contra o reajuste salarial linear de 6% proposto pelo Executivo. Enquanto os grevistas exigem pelo menos 12% de aumento (e a Comissão de Justiça, Legislação e Redação da Câmara considerou inconstitucional o projeto remetido à aprovação da Casa, por estar aquém dos 8% dados ao salário mínimo), o prefeito Tião (“boa praça”) Miranda foi à Rádio Clube ameaçar os trabalhadores com corte dos dias parados e até de demissão.

Estado de Carajás. Inevitável

Região sudeste já responde por um terço da economia paraense A região sudeste do Pará já responde por um terço da economia do Estado e, no ritmo atual de crescimento, deverá ultrapassar em breve a região metropoliana de Belém. Enquanto em 1980 o sudeste respondia por 12% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, essa participação subiu para 32% em 2004, enquanto a da capital caiu de 48% para 40% na mesma comparação. Também registraram queda de participação as regiões do Nordeste Paraense (de 17% para 11%), do Baixo Amazonas (de 15% para 8%) e do Marajó (de 5% para 3%). O Sudoeste Paraense cresceu de 3% para 6%. Este é um dos principais dados constantes do Diagnóstico Integrado em Socioeconomia para os Empreendimentos da CVRD no Sudeste do Pará, contratado pela Fundação Vale do Rio Doce e realizado pela Diagonal Urbana Consultoria ao longo de 2006. O estudo mostra que os investimentos que a Companhia Vale do Rio Doce tem feito na região (R$ 12,3 bilhões até 2007, com projeção para chegar a R$ 25,8 bilhões até 2010) e as suas compras (R$ 8,2 bilhões até este ano, devendo chegar a R$ 12,6 bilhões em 2010) tornam o papel da empresa fundamental na dinamização da economia regional, segundo a avaliação do arquiteto e urbanista João Jaime Almeida Filho e da economista Tânia Bacelar, que apresentaram detalhes do estudo numa coletiva à imprensa nesta quarta-feira (23) na sede da Vale em Belém. O estudo mostra que o Sudeste Paraense vem tendo um crescimento econômico a taxas que, em média, representam o dobro do crescimento da China, o país que atualmente é fenômeno de crescimento no mundo. Na área de influência direta dos empreendimentos da Vale – que inclui os municípios de Canaã dos Carajás, Curionópolis, Eldorado do Carajás, Marabá, Ourilândia do Norte, Parauapebas e Tucumã -, o valor da produção atingiu R$ 12,8 bilhões em 2004 e deverá chegar a R$ 39,2 bilhões em 2010, com uma taxa anual de crescimento de 20,51%; o valor adicionado (acréscimo de riqueza), de R$ 5 bilhões em 2004, para R$ 13,8 bilhões em 2010 (taxa de 18,26% ao ano); emprego, de 202 mil em 2004, para 626 mil em 2010 (taxa de crescimento de 20,78%); e massa salarial mensal, de R$ 807 milhões em 2004 para R$ 2,4 bilhões em 2010 (20,11%). “Taxas de crescimento nesses níveis deverão atrair muitos investidores para a região”, ressaltou Tânia Bacelar. PIB per capita Outro dado que revela o melhor desempenho do Sudeste Paraense é que o PIB per capita da região atingiu R$ 6.765 em 2003, enquanto em Belém estava em R$ 5.137 e o total do Pará em R$ 4.367. Se for levado em consideração apenas o PIB per capita dos municípios da área de influência direta da Vale, o valor foi de R$ 7.272 em 2003. O PIB do Baixo Amazonas estava em R$ 3.897 naquele ano, o do Sudoeste Paraense em R$ 3.814, o do Nordeste Paraense em R$ 2.202 e o do Marajó em R$ 2.112. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) vem crescendo nos municípios com influência direta da Vale nos últimos anos, passando de 0,55 em 1991 em Canaã dos Carajás para 0,70 em 2000, de 0,59 para 0,68 em Curionópolis, de 0,54 para 0,66 em Eldorado, de 0,64 para 0,71 em Marabá, de 0,63 para 0,69 em Ourilândia, de 0,66 para 0,74 em Parauapebas e de 0,60 para 0,75 em Tucumã. O IDH do Brasil em 200 estava em 0,766, o do Pará em 0,723 e o de Belém em 0,806. Apesar da evidente importância para a economia do Estado, esse crescimento acelerado do sudeste paraense, de acordo com avaliação dos dois especialistas da Diagonal, pode causar dois problemas para o Estado. Um deles é que, em razão do aparato tributário existente hoje, cada vez mais o Sudeste Paraense vai ganhar maior peso no rateio do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em relação à capital. O outro é um risco político: quanto mais crescer economicamente a região, maior será a pressão pela redivisão territorial, com base na proposta de criação do Estado de Carajás. Um detalhe importante do diagnóstico é que, apesar do constante crescimento da participação da indústria (basicamente mineral e com ampla predominância da Vale), é significativa a participação da agropecuária (patronal e familiar) do Sudeste Paraense. A indústria mineral dessa região respondia em 2003 por 35,5% da economia do Estado e a agropecuária, por 45,5% do total estadual do setor. Vale ressaltar que essa participação de 35,5% da indústria do Sudeste não estava longe, naquele ano, da participação da região metropolitana de Belém, que era de 49,7%. Compras locais Em 2004, a produção mineral havia atingido R$ 971 milhões em compras no Sudeste Paraense, sendo 40% (R$ 385 milhões) na própria região sudeste. E a agropecuária fez R$ 228 milhões em compras ali, sendo 98% (R$ 225 milhões) locais. Mas apesar de comprar percentualmente menos na região, o volume local de compras do setor mineral é bem maior que o da agropecuária. “Isso mostra que a mineração é um elemento importante na dinâmica da economia local”, afirmou João Jaime. Segundo ele, o grande impacto da presença da Vale é na geração de renda, mais do que na questão salarial. “Trata-se de um foco de dinamização importante para a região”. Ainda tendo por base o ano de 2004, o estudo mostra que o valor agregado pela mineração era de R$ 3,8 bilhões, enquanto na agropecuária ficava em cerca de R$ 1 bilhão. Os representantes da Diagonal mostraram também que os setores não industriais da economia daquela região serão fortemente estimulados e ganharão peso relativo até 2010, crescendo até mais que a própria mineração. Embora com uma participação projetada (17,3%) na economia regional bem menor que a da mineração (57,2%) em 2010, o setor de comércio e serviços crescerá a uma taxa maior (21,8%) que à do setor mineral (17,4%) entre 2004 e 2010. A da agropecuária deverá ser de 18,7% e a da indústria de transformação de 16,4%. No total, o crescimento da economia no Sudeste Paraense deverá ficar em 18,2% entre 2004 e 2010. Arrecadação de tributos Os investimentos que estão sendo feitos pela Vale na região possibilitarão um incremento significativo na arrecadação de tributos pelas sete prefeituras de sua área de influência direta. Sem o incremento da Vale, essas prefeituras acumulariam R$ 2,546 bilhões em tributos entre 2005 e 2010. Mas com a Vale, a estimativa é de que elas recebam mais R$ 3,290 bilhões, atingindo o total de R$ 5,815 bilhões. O diagnóstico faz também uma projeção populacional para a área de influência direta da Vale, com base em dados do IBGE e projeção da Uncicamp. Em 2005, a população desses municípios estava em 423 mil e deverá chegar a 817 mil em 2010, num cenário de incorporação à população local de 50% dos empregos gerados pelos investimentos da Vale. O município mais populoso continuaria sendo Marabá, com uma população projetada de 362 mil habitantes, seguida por Parauapebas com 198 mil, por Eldorado dos Carajás com 69 mil, por Canaã dos Carajás com 61 mil, por Ourilândia do Norte com 49 mil, por Curionópolis com 40 mil e por Tucumã com 36 mil. Infra-estrutura O quadro traçado pelo diagnóstico em relação à situação da infra-estrutura urbana em cinco cidades de sua área de influência direta não é muito favorável. A que está em melhor situação é Canaã dos Carajás, com 68% de rede de água, 70% de rede de esgoto, 39% de pavimentação e 54% de iluminação pública. Mas como os outros quatro municípios, Canaã não tem destino final para seus resíduos sólidos (Marabá possui aterro, mas com condições de operação consideradas inadequadas). Parauapebas tem maior percentual de rede de água (73%), mas apenas 14% de esgoto. Marabá, Curionópolis e Eldorado não têm nada em rede de esgoto. No total, essas cinco cidades têm 697 quilômetros de rede de água, com déficit de 400 quilômetros; 129 km de rede de esgoto (déficit de 672 km), 330 km de ruas pavimentadas (déficit de 593 km) e 796 km de rede de iluminação (déficit de 127 km). O diagnóstico projeta para 2010 uma demanda nessas cidades de 82 mil metros cúbicos por dia de captação e tratamento de água e de coleta, tratamento e destinação de esgoto; de 240 mil toneladas por ano de destinação adequada de resíduos sólidos e de 98 mil unidades habitacionais. Em termos de educação, o estudo revela que a estrutura física do sistema garante o acesso aos níveis fundamental e médio. Mas aponta instalações físicas inadequadas em 53% das escolas, segmento infantil com alta demanda reprimida e formação deficitária dos professores. Na saúde, o atendimento primário é apontado como bem resolvido. O mesmo não acontece com o de maior complexidade. Há também problemas na qualificação dos profissionais, dificuldade na fixação de médicos (embora prefeituras como Parauapebas cheguem a oferecer salário de R$ 12 mil) e equipamentos e instalações inadequados, com déficit de leitos de UTI em todo o Sudeste Paraense. Quanto à segurança, a criminalidade é apontada como alta na região, com número de homicídios 2,76 vezes a média nacional e 4,07 vezes a média estadual. Informações para crescer Na apresentação do diagnóstico, a Vale afirma que, ao mesmo tempo em que amplia sua internacionalização, procura consolidar sua presença em 13 Estados brasileiros, em particular no Pará, para onde estão previstos importantes empreendimentos na região sudeste, nos próximos anos. “Para realizar estes empreendimentos de forma efetiva e socialmente responsável – atendendo aos desafios de um mercado cada vez mais competitivo e às necessidades locais de desenvolvimento integrado, equânime e sustentável – a Vale e a sua Fundação procuram conhecer melhor a região, em especial os municípios onde está presente”. Ao entregar o estudo à sociedade, a Vale ressalta que pretende “partilhar o conhecimento adquirido, validá-lo e adotá-lo como importante insumo no diálogo sobre o desenvolvimento integrado da região entre os agentes governamentais e não-governamentais”. E que o diagnóstico “é mais uma expressão do compromisso da Vale com o desenvolvimento sustentável, buscando juntamente com o poder público e a sociedade civil o comprometimento com o futuro da região”. Para a diretora-superintendente da Fundação Vale do Rio Doce, Olinta Cardoso, pela primeira vez a região sudeste do Pará tem informações projetadas para o seu futuro, “com tempo suficiente para que sejam feitas as mudanças necessárias para o seu desenvolvimento, com o envolvimento de todos as atores”. Na avaliação de João Jaime Filho, esse processo de crescimento da região contém aspectos positivos e negativos, mas com preponderância dos positivos. É um processo, segundo ele, que aponta para uma região com melhores condições de vida para a sua população, desde que a Vale, o governo e a própria sociedade façam a sua parte. E Tânia Bacelar considera que não se pode perder essa oportunidade para se alcançar o desenvolvimento regional. Para o diretor do Departamento de Ferrosos da Vale em Carajás, José Carlos Gomes Soares, apesar dos pesados investimentos feitos pela companhia na região, o processo de verticalização da produção mineral no Estado pode ser prejudicado pela limitação na oferta de energia elétrica, que será amenizada com a entrada em operação da hidrelétrica de Estreito, de cujo consórcio a Vale faz parte, e da termelétrica à base de carvão mineral que a companhia vai implantar em Barcarena. A região abrangida pelo diagnóstico é integrada por 39 municípios. Além dos que integram a área de influência direta da Vale, estão os da área de influência indireta - Agua Azul do Norte, Bannach, Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Cumaru do Norte, Palestina do Pará, Pau D'Arco, Piçarra, Redenção, Rio Maria, São Domingos do Araguaia, São Félix do Xingu, São Geraldo do Araguaia, São João do Araguaia, Sapucaia, Xinguara. Os demais municípios do sudeste são Abel Figueiredo, Breu Branco, Conceição do Araguaia, Dom Eliseu, Floresta do Araguaia, Goianésia do Pará, Itupiranga, Jacundá, Nova Ipixuna, Novo Repartimento, Paragominas, Rondon do Pará, Santa, Maria das Barreiras, Santana do Araguaia, Tucuruí, Ulianópolis. O levantamento dos dados secundários do diagnóstico foi feito junto a 60 instituições públicas e privadas, com uma equipe multidisciplinar com 40 profissionais, incluindo as equipes da Diagonal e da Ceplan – Consultoria Econômica e Planejamento e pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), da Universidade Federal do Pará, com destaque para Francisco de Assis Costa, e do Nepo/Unicamp. (Pará Negócios 23/05/2007)

terça-feira, 22 de maio de 2007

... é índio morto?

Se você prestar atenção à premissa básica de Asdrúbal, a frase fica melhor assim: “Índio, se não existisse, não faria nenhuma falta”. Talvez, supõe-se, porque índio não vota.

Índio bom…

Do deputado federal Asdrúbal Bentes, em entrevista hoje de manhã, 22 de maio, na rádio Clube de Marabá: “A Funai, se não existisse, não faria nenhuma falta.” Tudo porque ele defende a permanência de invasores (mais 250 bois) na reserva indígena Apyterewa.

Um mal cada vez maior

Satélites registram poluição das guseiras Campinas - Há 17 anos, a pequena cidade de Piquiá, no oeste do Maranhão, era quase um ponto perdido na BR-222, a cerca de 10 quilômetros de Açailândia. Hoje é uma mancha negra, que chama a atenção nas imagens do satélite Landsat 7, processadas pela Embrapa Monitoramento por Satélite para o zoneamento econômico-ecológico (ZEE) do estado, atualmente em execução. O preto sobre a cidade não é apenas fruto das queimadas: é uma impressionante camada de fuligem, proveniente da produção intensiva de carvão vegetal para abastecer as 5 guseiras, localizadas em Piquiá. Guseiras são indústrias siderúrgicas, que produzem ferro-gusa, neste caso, exclusivamente para exportação. Sua instalação foi incentivada no final dos anos 70 ao longo da Ferrovia dos Carajás, que atravessa o Pará e o Maranhão, com a intenção de agregar valor ao minério de ferro extraído da Serra dos Carajás, PA. No final dos anos 80, os incentivos fiscais foram cancelados, devido aos desmatamentos para produção de carvão vegetal, consumido nos alto-fornos, na proporção de 800kg de carvão por tonelada de ferro-gusa. Algumas guseiras previstas deixaram de ser instaladas, mas as que já existiam continuaram produzindo. A instalação da maioria das fazendas agropecuárias da região foi financiada com a venda de carvão vegetal para as guseiras. Praticamente todas as serrarias têm fornos para transformar em carvão as aparas de madeira e árvores impróprias para a fabricação de móveis ou tábuas. "Mas, hoje, aproximadamente 80% do carvão vegetal utilizado nas guseiras vêm do Pará e viajam até 500 km até chegar em Piquiá, porque muitas serrarias fecharam", diz Pedro Dantas da Rocha Neto, gerente do governo maranhense para a região de Açailândia. Segundo ele, as cinco guseiras de Piquiá produzem cerca de um milhão de toneladas de ferro-gusa por ano, com o carvão do Pará e de florestas plantadas (800 mil ton/ano).

Sobre índios e outros estorvos

História natural: a memória tribal narrada por um sobrevivente ei parceiro tem um pássaro verde no teu ombro e uma flor de sapucaia em teus cabelos. não os espante, parceiro. não os destrua, parceiro. foge com eles, minino, que tem grileiro no muro faz fogo onde foi roçado somos raça em extinção. ave verde e sapucaia já quase num dá pra ver o boi comeu nossas matas casa tapera mandinga a fé cega do terçado já num tem o que cortar o fogo feio do truste fez fugir fera mambira o mangangá a mucura seo jabuti seo preá a onça mais roncadeira não rosna mais ao luar. desculpa nossa pobreza. um dia já fomos ricos: a tribo, pra suas festas, vestia-se toda de cores: vinha a buiúna das águas do Pirucaba o murmúrio (que mora na profundeza); tinha matinta-perêra de madrugada na rua; o cupelôbo, na mata, deixava riscos no chão. alma penada era tanta que tropeçava na gente! pra se prender uma bruxa, fazia-se oferta de fumo, dava três voltas na chave durante seu canto noturno. desculpa nossa pureza. eita, parceiro minino, peita no mundo dipressa que inté a língua perdemos! o juquireiro é peão, conforme dizem os senhores; a posse, onde nascemos, em tempo de matas virgens, não é mais posse, é grilagem e a gente somos grileiro invasores turbadores. “Saia do meu latifúndio senão eu chamo a polícia pra estourar o aparelho!” (ai, mai frendi parceiro, tá dando pra entender?... vou rir que está doendo!) tijolo da minha casa não é mais tijolo: é tejolo; e por me sacar a lajota, a tijolada final quem leva em rabo sou eu) ai, saudades!... antigamente, à noitinha, a gente ia pra porta conversar com os vizinhos; botava cadeira em roda, cobrindo toda a calçada e haja histórias de fada, do casarão assombrado, da visagem beradeira que assustava os meninos... agora, é televisão... até da vida alheia já se deixou de falar! desculpa nossa aparência. pistonar, hoje é paquera. amar, por detrás dos muros, virou coisa de museu; papa-anjo é cocoteiro, meu samba virou sambão. a zona, com seus puteiros, foi à França e não voltou: é cabaret, é boite, é rendez-vous e madames... suicidaram o pecado e fiquei a ver navios. Ai, boemia!... Pau-d’urubu... Zonzeira... Rua do Poço... Vou eu subindo, entre menino e moço, pro Pindura-Saia, a flor do lodo. Nenhum amor noturno aí me espera. Mas, na sala infrene, a vã quimera, de repente me envolve o corpo todo. Ó frenesi de peitos que a blusa das mulheres expõe à luz difusa... Eu sonho seios coxa amor maduro (enquanto um preto canta com voz rouca, e ganem os metais presos à boca, meus olhos incendeiam no escuro)! (às vezes, a lembrança me torna vergonhosamente lírico...) desculpa nossa incerteza. a gente só queria estar sozinho: ver na matinê – em plenos anos 60 – os seriados do zorro os filmes de boris karloff com os olhos da primeira vez; o king-kong encardido... a louca vida de cristo... tão mutilada a fitinha que a cada ano passava um poucochinho mais curta... (ah, a nostalgia que leva o burguês ao cine-clube!) a gente roubava moça pra se casar no outro dia; a gente só via gente quando os barcos de castanha voltavam da capital. então a gente corria, só pra ver os estrangeiros. o catalina de guerra pousava n’água e subia carregadinho de carne pros ricos da capital; os filhos dos nossos ricos estudavam em belém, e quando vinham de férias, com suas roupas estranhas, a gente olhava pra eles como chegados do céu. (honra se lava com sangue, aprendemos em menino; e um dia nos pagarão todo o mal que nos fizeram.) desculpa nossa tristeza. vassoura, detrás da porta, mandava embora a visita; pra que não chovesse à noite, atrapalhando o programa de encontrar namorada (que já tava no Marrocos, reservando duas cadeiras) prendia-se a chuva num copo; o cabilouro do boi, se comido atrás da porta, fazia ficar bonito. perdoa nossos mistérios. somos sobreviventes tribais. extinta a tribo, restou-nos o botequim. não me pergunte que fim levou seo Santos, o plantador dos mortos, nem onde está Ceará boista-de-boi ou o Cururu-tem-tem que dava carreiras olímpicas atrás dos moleques, xingando a mãe, a puta que pariu, azuado com o apelido tido aos berros por mil bocas risonhas sob o sol; nem queira saber de Zabelona, a louca municipal, ou do cara que passava o dia inteiro imitando instrumentos ácidos, cantando e assobiando e batucando com uma lata de querozene esso jacaré vazia sobre o ombro, encostada à face, e a sonoridade pura do prazer se despejando da lata e de seus olhos vesgos. eles estão mortos. Nós todos estamos mortos. a cacofonia da lata em meus ouvidos chama-se saudade. restou-nos talvez algum canto ancestral uma eterna panela de ferro em tripé um caroço de ouriço (duro, áspero, sujo, carregado de frutos leitosos – a imagem mais concreta de nossa alma trucidada); talvez ainda um paneiro de castanha pendurado entre peles de obra, chapéus de palha, arco e flecha, cocares trágicos - fósseis roubados ao dilúvio – e que hoje, destroçada a essência, decoram como escalpo a sala dos conquistadores. entenda a nossa miséria. era gostoso votar, eleger o mandatário. era tudo rica gente, quem usava o microfone. nesse tempo, de repente, a gente era importante: ganhava muda de roupa, comia carne no almoço, bebia cerveja às pencas, andava de roupa branca e ar de festa na cara... tudo por conta dos ricos. o voto, uma coisa cara; a gente se corrompia, enchia a pança de pinga, brigava na putaria pra pagar uma rodada, fazia puta chantagem com os donos de nossa vida (êta vingança paidégua!) alcança nossa alegria. a vida exposta no muro sempre em pasquim gozador de vez em quando fazia esc6andalo doce e feroz: “o pai do fulano é corno” (geralmente um boçal) e lá vinham as coisas podres (que a gente sabia há tempo) escrita em letras cruéis na porta do mercadinho. de melão-são-caetano a gente fazia judas. um dia, dois lambanceiros, carregando um desses monstros, deram de cara com a justa. era escuro e era tarde: - onde vão, rapaziada? - - levar o porre pra casa. - muito bem, se a gente pega leva logo pro xadrez. entenda nossa virtude. (a vida é um trem-expresso; a noite, meu sonho aceso; a luz do sol, o meu medo, coisas que trago e não calo) dona Totó, matriarca, levou a vida em chinelos. Tinha medo de feitiço e se pegava nos santos. Somente para assustá-la, sal pimenta e pião-roxo em sua porta deixou-se; levou a velha um mês, lavando a porta com banhos (e nós, por trás, sisbaldando) sic transit gloria mundi! amas a morte, parceiro? Ai, que saudade que eu tenho Dos tiroteios de outrora!... Geraldina cangaceira mandou matar o marido nos garimpos do pedral. depois comprou um cavalo todo arriado e fogoso, vestiu uma calça de homem e bebia em botequim. tinha papo e andava armada. era o terror dos meninos. um dia foi encontrada cravada à faca no chão; do coração decepado não lhe saiu uma gota! então as pedras choveram durante um mês no lugar. poetas desesperados escreviam e se matavam. na casa de Vó Floripes, Luís, Jacundá e Getúlio morreram só de beber. Até hoje ninguém sabe quem matou o cara estranho que foi achado no rio, com a tez tirada à faca. perceba a nossa herança. a nossa pouca vergonha, nossa desordem astral, sempre humilhou a Cultura. eis o espanto dos sábios: “Desde o Piauhi, todo o sertão exportou víveres, carne de boi e de porco; toucinho,farinha sêcca e de puba, assucar, cachaça, tabaco, doces, queijos, gallinhas,ovos, bois vivos, porcos e vaccas paridas,até laranjas, aboboras e inhames para a phantastica e maravilhosa Marabá,surgida de repente como obra de magia na foz do escuro tio Tacai-una”. e a delícia que fomos!... “Marabá brotara da ganância do dinheiro; logo,totalmente alheia a qualquer preocupação religiosa e moral. Principiou sendo o que chamam currutela, nome bem significativo, empregado com muito acerto nas regiões de garimpos, e que não carece comentários (...) Algumas das pragas morais e sociais mais comuns Eram a mancebia e a poligamia, por meio sobretudo do casamento civil. Quantos desses seringueiros, castanheiros, esqueciam-se de suas famílias legítimas,E tentavam construir outro lar, servindo-se do contrato civil passado sem as menores garantias, perante funcionários sem conhecimentos jurídicos e sobretudo sem moral! Não se respeitava nem casamento religioso, nem contrato civil efetuados anteriormente em outros lugares”. mas não ficava só nisso... ouçamos a voz de outros: “Marabá” - palavra mágica: luminosa e sombria evocando contos fantásticos ou narrações de aventureiros. (...) Mas, que habitantes! Aventureiros arriscando a sorte, colhedores de castanha, que são também, conforme a sucessão das estações, caçadores de diamantes. (...) Em Marabá encontram-se todas as raças e todas as paixões. A prostituição aí é intensa. Os casais em absoluto não se conformam com as promessas definitivas sancionadas pela Igreja ou pela lei civil. A proporção de botequins bate sem dúvida o recorde do mundo: um, para cada 17 habitantes.” O nomadismo é inerente a essa raça: instabilidade inata, tanto do sertanejo como do garimpeiro, hoje aqui, amanhã acolá, com ou sem razão. Vontade de “ver o mundo”, desejo nunca satisfeito de melhorar de vida. (...) Essa instabilidade da população só pode prejudicar gravemente a humanização e a “civilização da cidade, pois, que interesse há em constituir uma família, em construir uma casa, em dar uma instrução séria às crianças, se a vida, hoje “arrumada” aqui, tiver de ser amanhã transportada acolá e, depois de amanhã, ainda alhures? ... Entremos numa dessas casas. Cuidado em não esbarrar logo na entrada, pois há no chão uma fileira de paus curtos enfiados na terra erguendo-se ameaçadores, tal qual dentes de ancinhos; servem, na ausência de porta, para interditar a entrada aos porcos da vizinhança (...) Tanto as paredes como de palha de uns dois metros de altura, que esboçam uma divisão da casa em cômodos, são recobertos de jornais. Esse revestimento, julgam os moradores, é muito mais bonito do que um leite de cal ou a simples palha trançada. “Só branco, não interessa”, disse-me um deles certa vez. Para passar o tempo, basta se aproximar da parede e ler o jornal. E, se não souber ler, pode-se ao menos olhar as gravuras. (...) (...) a rede é sempre individual. Mas ninguém sabe, de tarde, quantas pessoas irão dormir de noite na casa. Talvez somente a família: os homens de um lado do tabique e as mulheres do outro. Mas, muitas vezes, parentes e amigos que vêm do “centro do comércio” pedem para arranchar e ficam semanas, meses a fio. É a lei da hospitalidade. (...) Não seria luxo, é claro, consertar essas casas (na medida do possível), tapar os buracos das paredes, trocar a palha do teto, instalar uma mesa na cozinha? Mas, para quê?” Barruel velho de guerra num entendeu porra nenhuma! E que pensavam os barqueiros deste médio Tocantins? Eles cantavam, cantavam... Quem me dera eu vê hoje de quem m’alembrei agora quem eu trago no sentido retratado na memora vou mimbora, vou mimbora as águas vão me levano eu nem sei quem fica atrás mas meus zoios vão chorano acabou-se, acabou-se quem eu amava com firmeza cobriu o corpo de luto e o coração de tristeza vou mimbora, vou mimbora lá pra baixo, pro Pará, não chore por mim, morena, eu vou e torno a voltar rio abaixo, rio abaixo remando minha canoa encostando em todo porto ganhando coisa boa rio arriba, rio abaixo remando na montaria coisa que acho bunito canoa aqui leva Maria cantei onte, cantei hoje, querem que eu cante travez meu peito num é de aço nem foi ferreiro qui fez essa noite não drumi cuma marreca piano o marvado desse bicho é gente qui tá criano vou mimbora, vou mimbora de hoje tô m’aviano o cavalo que vou nele tá no mato si criano... ai, as súcias de outrora!... eu vi, meu mano, eu vi, eu vi o acamadô onde o Fonseca apanhou... quantos tiros deu na onça, Luizãlo? Dei um, dei dois, mas o bicho foi-se embora E p í l o g o então, meu mano, o mundo pegou de raiva com a gente: abriu a tranca do inferno tirou seus monstros de ferro cortou o verde das matas rasgou a casca do ovo e despejou nossa história. depois, os seus cavaleiros entraram portas a dentro cortaram nossos cabelos comeram nosso feijão botaram fogo na roça e semearam colonião. morreu quase todo bicho esvaiu-se todo encanto visagem caiu no mato - pernas, para que vos quero? – passarinho foi embora dizer pra onde não sei; só ficamos nós, coitados, presos no arame farpado bando de bois entre bois. calcule nossa tragédia. (Ademir Braz )

A arte em grãos – VI: Xavier Santos

Marabaense nascido em 3 de dezembro de 1955, numa rua que se chamava Itacayunas em placa de latão esmaltada em azul e letras brancas e que, sabem lá Deus e os conquistadores, porque rebatizaram de Benjamin Constant – sem placa e sem letreiro. Filho de canoeiro e chacareiro do Quindangues, terra sagrada de cajus e encantamentos, só podia ter virado poesia e música, mais esta que aquela, coisas que faz como ninguém. Achou pouco e resolveu chamar-se Javier di Mayr-abá. É formado em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará. Os poemas a seguir foram tirados do seu livro inédito Sob as luzes de Argos. Medidas O cálice da luz Tem que ser sorvido Em pequenos goles, A despeito da sede E das luzes. Só quem chega ao fundo do poço Sabe a exata distância Que o separa da superfície. A escuridão existe Para medir a intensidade da luz Que não lhe coube sê-la. Castanheiras Esperei-te séculos! Ergui-me viçosa e bela até que apareceste com ares senhoriais. Eu sempre pensei nosso sexo assim mesmo: sem nexo. Mas essa motoserra foi demais. Infâncias O mundo fez piruetas com o pé de manga-rosa pintou as bolas-de-gude com as sobras do arco-íris. Brincavam de amarelinhas felizes muricizeiros. Curiós, xexéus e sanhaços faziam o maior furdunço nas frutas, nos arvoredos. Os anos de todos eles a gente contava nos dedos. Com argamassa dos sonhos, a terra forjava os homens: era Bruno, Erick, Carol e Rafa brincando de lobisomem. Auto tessitura Habitam em mim duendes e ninfas que se embalam ao som das águas dos igarapés e rios... Sonhando com os mares sabem das enchentes e vazantes; deduzem marés e preamar. Brotam dos meus olhos a alegria da luz do nascer do dia e a tristeza de não-sei-bem-onde adornada pelo vôo das gaivotas e andorinhas nos finais de tarde a povoar meus olhos. Coexisto escárnio e mistério; convivo a cada segundo com a hipótese do fim; em cada curva gume da afiada lâmina a esperar por mim. Meus líquidos – mel e fel, são taças a inundar-me os leitos. As dores, na carne ínvia, Agem ambíguas em viagens e lendas. - Os sons roubam-me a cena. É sempre assim! Sou tantos nessa moldura de carne e ossos... A música que me habita ronda em minha mesa farta de canções impossíveis. Olho o horizonte e tento resumir o céu aos pedaços que alcançam minhas retinas. Os dias parecem-me tão curtos já não me bastam; sou pouco demais para mim mesmo! Talvez porque ainda procuro rumos em minhas velas enfunadas. O tempo é um novelo: nem novo, nem velho, basta-se a si mesmo. É só tempo, a esmo, sem antagonismos... sem dilemas... O mundo que nos rodeia é um abismo de sorriso largo e o reino fugidio do sonho não contém a magia do passo que decide. Os sonhos são mais caprichosos que a musa que amei. *******