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quinta-feira, 13 de março de 2008

Velhice

Ademir Braz O ancião cochila junto à escrivaninha, de frente para a porta de entrada do gabinete e de costas para o janelão do segundo andar. Por ali se vê ao fundo uma nesga da manhã. É quase meio-dia da sexta-feira. Separada apenas por um lance de parede, a empregada ouve-lhe os roncos, enquanto tecla no computador. Sua mesa está coberta de arquivos mal empilhados, mas há uma certa ordem no caos em que ela, vez por outra, mete uma das mãos e junta papéis ao acaso, quase sem olhar. Também do seu lado, outro janelão com vidros despeja a luz dos estertores da manhã ainda visível sobre muros e quintais. Para além dos vidros, a mangueira pejada de frutos róseos, de um lado, e do outro a caramboleira a desfazer-se em milhares de botões e miúdas flores cor de ametista. Sobre um telhado enegrecido pelo tempo, entre um e outro bloco maciço de verde esmeralda, por trás do ancião o bando de pombos pousou em toda a extensão da parabólica formando uma espantosa coroa de suplícios. (Março, 08)