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quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Vaqueiro

______________________ Ademir Braz Seu moço, a minha história não é de mais nem de menos: nasci na barra do vento, filho do deus sem memória. Mas não me queixo, seu moço: eu tanjo aquilo que posso; entre patrões e a boiada, sou bem melhor na laçada. Se assim viver não é vitória, que me importa a glória, essa novilha arredia? Tenho por lar e sustento o lombo da montaria, e sobre o chapéu de palha a luz de Deus me alumia. Eu não conheço outro mundo além dessas pradarias; e desses campos, seu moço, desse verde verdejante que não se farta de grande, visto a minha fantasia: eu não conheço outro mundo além dessas pradarias.

Lá dentro

O CD "Canto a Canto" de Dauro Remor e Néviton Ferreira, parceria com o poeta Ademir Braz, pode ser encontrado no site do também poeta e compositor Marcus Quinan (www.ladodedentro.com.br), loja virtual especializada na divulgação e comercialização da arte brasileira.

A morte de Dezinho faz sete anos

Nessa quarta-feira (22) completou-se o sétimo ano do assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, assassinado em Rondon do Pará, área de influência da BR-222 (ex-PA-70), em 2000. Dezinho era um dos mais conhecidos e combativos sindicalistas da região sudeste do Estado, dedicando sua vida na defesa corajosa dos direitos dos trabalhadores rurais, principalmente o direito ao acesso à terra e à Reforma Agrária. Inconformados com o que consideram “descaso do poder judiciário de Rondon” com o processo que apura este e outros assassinatos de lideranças camponesas no município, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura – Fetagri Regional Sudeste, a Comissão Pastoral da Terra – CPT diocese de Marabá, e a Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH - divulgaram, na data, nota pública em que repudiam a impunidade e exigem a penalização dos responsáveis. “Se não fosse o próprio Dezinho – diz a nota - que, instantes antes de morrer, conseguiu segurar o assassino, o crime teria ficado totalmente impune, a exemplo de tantos outros sindicalistas já assassinados no sul e sudeste do Estado. Após sete anos, o único condenado pelo crime foi o pistoleiro Wellington de Jesus, preso pelo próprio Dezinho. A polícia do Pará nunca fez qualquer esforço para prender os principais intermediários do crime (Ygoismar Mariano e Rogério Dias).” Para as entidades, o principal acusado de ser mandante do crime, Décio José Barroso Nunes, o Delsão, “teve sua absolvição pedida pela promotora Lucinery Helena Ferreira e confirmada pelo juiz da comarca Haroldo Fonseca. Uma decisão escandalosa, pois, tanto o pedido da promotora quanto a decisão do Juiz reflete mais os aspectos ideológicos em favor do fazendeiro e contra os movimentos sociais do que os fundamentos jurídicos”. Em razão disso, os movimentos sociais que acompanham o caso ingressaram com um pedido de suspeição da promotora para que ela deixasse o processo por entender “que ela não possui isenção necessária para representar o Ministério Público na ação. Outro fato que causou surpresa aos movimentos é que a promotora Lucinery assumiu o processo semanas antes da sentença de pronúncia e, logo após seu pedido de absolvição do fazendeiro ter sido acatado pelo juiz ela deixou de responder pela comarca de Rondon.” No dia 09 de abril este ano, os advogados da assistente de acusação ingressaram com recurso no sentido estrito contra a decisão do Juiz de Rondon que impronunciou o fazendeiro. “Sete meses e doze dias se passaram e não há registro no Tribunal de Justiça do Estado da chegada do processo em Belém. Um total descaso da justiça de Rondon”, acrescenta a nota. O documento reitera também a paralisação de outros processos, como o que apura a execução do sindicalista Ribamar Francisco, há quatro anos, e o do trabalhador Reinaldo Félix, assassinado há 10 anos. “O fazendeiro Delsão é acusado de ter participado de outros quatro homicídios na cidade e não se tem notícia do andamento de nenhum desses processos. Com esses exemplos, fica a impressão para os movimentos sociais que, quando se trata de assassinato de trabalhadores rurais ou lideranças sindicais não há interesse nem da polícia e nem da justiça de Rondon em apurar”. Nesse contexto, e sem acreditar e sem esperar nada da justiça de Rondon, Fetagri, CPT e o STR de Rondon estão encaminhando os casos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Com respeito a Dezinho, o governo brasileiro já foi intimado para responder e no caso Ribamar deverá ser intimado em breve.

Miúdas desventuras na terra do sol

Dona Maria Ester observou o reloginho de pulso mais uma vez. Entre 10:30h e 11:00h de uma segunda-feira, 4 ônibus passaram à sua frente numa única direção: um atrás do outro, seguiam apressados rumo ao ponto de partida na Folha 15. Há pelo menos 20 minutos D. Ester e outras 14 pessoas já esperavam o coletivo em frente à antiga companhia telefônica, antes que ela começasse a anotar a própria angústia de passageiro dependente e desprotegido. No período, mais de 20 mototáxis passaram devagar, apanhando fregueses inconformados, enquanto no abrigo – sujo e sem conforto – multiplicavam-se as comparações entre um e outro meio de transporte, com elogios para os motociclos embora o receio de utilizá-los por falta de segurança. “Deus me livre andar na garupa desses doidos”, disse uma velhinha. Nenhum táxi, é verdade, circulou por lá; é que em Marabá o transporte público regular ainda é uma Bastilha inexpugnável. Às onze, o coletivo embicou na curva em frente ao colégio estadual. Acolheu, sem pressa (passinho à frente, por favor!), os quase desesperançados moradores do cubículo imundo, juntou mais de duas dezenas de outros em frente à unidade de saúde e parou de vez, sem fôlego ou ânimo, apropriadamente à entrada da emergência do hospital. O céu estava cheio de fumaça e o hospital público lotado de crianças e idosos com infecção respiratória aguda causada por fumaça. (Como estariam os meninos sem-terra acampados no Incra?) D. Ester não sabe quanto tempo levou para retomarem a viagem nem se foi necessária a providência médica, mas acha que não demorou muito: o ônibus tossiu, rosnou, mugiu, trotou aos arrancos. No km-6, bem à entrada da Nova Marabá, o carro entupiu-se de gente. O motorista ainda sugeriu que parte da multidão esperasse, “atrás vêm ônibus mais vazios”, mas não deu certo: era fim de expediente, hora de voltar da feira. O vizinho de cadeira de D. Ester contou 4, 6, 8 sujeitos mal-encarados, muito juntos dois a dois, formando estranhas duplas siamesas. Todos de pé, olhos ariscos, uma das mãos ocupada com pasta de papelão e elástico. Espalhavam-se claramente de forma ordenada na patuléia espremida entre o motorista e o cobrador. Um deles – sarará com cara de mucura – parecia ter dormido num buraco de olaria entre gambás: sujo, fedia à longa distância. Quatro desceram às pressas no terminal rodoviário e às pressas tomaram outro coletivo. “Roubaram minha aposentadoria”, lamentou um velhinho. D. Ester, coitada, apertava trêmula a bolsa contra o peito. Tinha visto como um dos safados, Deus me perdôe, colava-se no corpo de um passageiro enquanto o outro bulia no bolso do coitado. Um pequeno tumulto formou-se dentro do coletivo, do que se aproveitaram os demais siameses para descer, inclusive o gambá com bigodes de arataia. “Bandido aqui, dá no meio da canela; só ontem contei 16 nesse mesmo horário”, dizia passageiro que acabara de subir pela frente. “E a polícia, cadê a polícia?”, indagava uma senhora. “Tá de greve, madame”, disse uma voz impotente. Não era verdade: a polícia militar desapareceu das ruas por qualquer outro motivo, não esse. Antigamente os guardas andavam de dois em dois, a pé ou montados, em patrulha. Diz-que depois da mortandade de Eldorado, em abril de 96, eles se afastaram não só do patrulhamento, mas de qualquer outra atividade, numa espécie de clausura imposta por inelutável força superior. A civil? Esta igualmente não se vê; sem carro, sem gente, sem armas, onde já se viu? Até à Cidade Velha, passageiros lamentaram a situação de insegurança na cidade. Domingo, no furdunço do Vavazão, mataram um a facadas, lamentou um rapaz; e ficou um silêncio de repente. De um e outro lado do bambual do aterro, entre as olarias e a lagoa, subiam labaredas. No horizonte, um avião lutava entre nuvens brancas e pesados novelos de fumaça das queimadas.