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quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Miúdas desventuras na terra do sol

Dona Maria Ester observou o reloginho de pulso mais uma vez. Entre 10:30h e 11:00h de uma segunda-feira, 4 ônibus passaram à sua frente numa única direção: um atrás do outro, seguiam apressados rumo ao ponto de partida na Folha 15. Há pelo menos 20 minutos D. Ester e outras 14 pessoas já esperavam o coletivo em frente à antiga companhia telefônica, antes que ela começasse a anotar a própria angústia de passageiro dependente e desprotegido. No período, mais de 20 mototáxis passaram devagar, apanhando fregueses inconformados, enquanto no abrigo – sujo e sem conforto – multiplicavam-se as comparações entre um e outro meio de transporte, com elogios para os motociclos embora o receio de utilizá-los por falta de segurança. “Deus me livre andar na garupa desses doidos”, disse uma velhinha. Nenhum táxi, é verdade, circulou por lá; é que em Marabá o transporte público regular ainda é uma Bastilha inexpugnável. Às onze, o coletivo embicou na curva em frente ao colégio estadual. Acolheu, sem pressa (passinho à frente, por favor!), os quase desesperançados moradores do cubículo imundo, juntou mais de duas dezenas de outros em frente à unidade de saúde e parou de vez, sem fôlego ou ânimo, apropriadamente à entrada da emergência do hospital. O céu estava cheio de fumaça e o hospital público lotado de crianças e idosos com infecção respiratória aguda causada por fumaça. (Como estariam os meninos sem-terra acampados no Incra?) D. Ester não sabe quanto tempo levou para retomarem a viagem nem se foi necessária a providência médica, mas acha que não demorou muito: o ônibus tossiu, rosnou, mugiu, trotou aos arrancos. No km-6, bem à entrada da Nova Marabá, o carro entupiu-se de gente. O motorista ainda sugeriu que parte da multidão esperasse, “atrás vêm ônibus mais vazios”, mas não deu certo: era fim de expediente, hora de voltar da feira. O vizinho de cadeira de D. Ester contou 4, 6, 8 sujeitos mal-encarados, muito juntos dois a dois, formando estranhas duplas siamesas. Todos de pé, olhos ariscos, uma das mãos ocupada com pasta de papelão e elástico. Espalhavam-se claramente de forma ordenada na patuléia espremida entre o motorista e o cobrador. Um deles – sarará com cara de mucura – parecia ter dormido num buraco de olaria entre gambás: sujo, fedia à longa distância. Quatro desceram às pressas no terminal rodoviário e às pressas tomaram outro coletivo. “Roubaram minha aposentadoria”, lamentou um velhinho. D. Ester, coitada, apertava trêmula a bolsa contra o peito. Tinha visto como um dos safados, Deus me perdôe, colava-se no corpo de um passageiro enquanto o outro bulia no bolso do coitado. Um pequeno tumulto formou-se dentro do coletivo, do que se aproveitaram os demais siameses para descer, inclusive o gambá com bigodes de arataia. “Bandido aqui, dá no meio da canela; só ontem contei 16 nesse mesmo horário”, dizia passageiro que acabara de subir pela frente. “E a polícia, cadê a polícia?”, indagava uma senhora. “Tá de greve, madame”, disse uma voz impotente. Não era verdade: a polícia militar desapareceu das ruas por qualquer outro motivo, não esse. Antigamente os guardas andavam de dois em dois, a pé ou montados, em patrulha. Diz-que depois da mortandade de Eldorado, em abril de 96, eles se afastaram não só do patrulhamento, mas de qualquer outra atividade, numa espécie de clausura imposta por inelutável força superior. A civil? Esta igualmente não se vê; sem carro, sem gente, sem armas, onde já se viu? Até à Cidade Velha, passageiros lamentaram a situação de insegurança na cidade. Domingo, no furdunço do Vavazão, mataram um a facadas, lamentou um rapaz; e ficou um silêncio de repente. De um e outro lado do bambual do aterro, entre as olarias e a lagoa, subiam labaredas. No horizonte, um avião lutava entre nuvens brancas e pesados novelos de fumaça das queimadas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fruição estética ou indignação, este é o meu dilema frente a texto tão revelador do cotidiano marabaense, cidade que visitei por duas vezes, mas onde pude respirar um certo ar de pioneirismo, promessa de coisas boas para o recém chegado... Cidade onde tive um almoço com opção de caldeirada de peixe peixe assado, e que peixes!! Foi um dia de exageros, naquele distante 1997... Ah, Marabá, tivesse eu ficado, pra me apaixonar de vez, tantas são as belas mulheres dessa beira de Tocantins. Quaradouro, você é privilegiado!