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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Faroeste

As poucas pessoas que se encontravam conversando às proximidades da Câmara Municipal, na Velha Marabá, dizem que jamais se esquecerão do que viram na madrugada do último domingo. De repente, dois homens numa motocicleta aproximaram-se do grupo, diminuíram a velocidade e gritaram: “Olhaí pra vocês jogarem!” Em seguida arremessaram alguma coisa mais ou menos parecida com uma bola e saíram em disparada. Era a cabeça do adolescente Deuzimar Batista Silva, o Doca, suspeito de participação no assassinato do cabo PM Edinaldo Carlos Sousa Jansen, esfaqueado até à morte na orla durante a madrugada do sábado (18). Cabo Jansen integrava o grupo de extermínio desarticulado pela Polícia Federal na operação Matamento, de 27 de junho de 2006, supostamente liderado pelo também cabo PM Agacy Ferreira da Silva. Soltos por mandado judicial, os dois retornaram a Marabá. Dia 15 de setembro recente, Agacy levou dois tiros na cabeça em emboscada no centro da Nova Marabá. Socorrido e internado no Hospital Regional, provavelmente os mesmos pistoleiros deram-lhe mais dois tiros exatamente na cabeça dentro do Posto de Clínicas Cirúrgicas daquela casa de saúde, após saltarem o muro dos fundos, à madrugada de 23 de setembro. Agacy ainda sobrevive. Jansen, Agacy, Deuzimar Doca e tantos outros que diariamente passam pelo necrotério do Instituto Médico Legal são apenas personagens da barbárie que empolga a região, e na qual não se distinguem bandidos e mocinhos.

Azizin

Valdinar Monteiro é procurador jurídico da Câmara, evangélico dedicado e um cronista vigoroso. Por essa última virtude, vivo cobrando dele a publicação de um livro dos textos que hoje dispõe em blog na internet. Dia desses ele falou sobre a deslembrança de Aziz Mutran Filho, aquele poeta que cortou pulsos, uma vez,meteu uma bala na cabeça, noutra chance, e por fim encontrou a morte numa forca improvisada no quintal de sua casa em 2003. Por conta da crônica de Valdinar, contei-lhe um fato por mim vivido juntamente com o Azizin. Foi em 1974. Eu, desde dezembro de 73, era correspondente dos jornais A província do Pará e O Estado de S. Paulo e testemunha atenta dos efeitos colaterais perniciosos que a guerrilha do Araguaia desencadeava na cidade vigiada por toda espécie de farda. Isso, contudo, não reduzia a violência. No campo começara a caça a trabalhadores sem-terra, principalmente as lideranças camponesas, e na cidade os recrutas, de folga, inundavam as ruas com embriaguez e violência. A imprensa, claro, era mantida em rédea curta. Assim, quando comecei a publicar no Estadão a luta pela terra nas fazendas Cazam e Capaz, do norte-americano John Weaver Davis, não foram poucas as vezes que fui obrigado, melhor, levado manu militari ao quartel do 52ª BIS, explicar isso e aquilo. Um dia, o próprio delegado e seu comissário de polícia, juntamente com policiais militares, foram ao gabinete do prefeito Pedro Marinho de Oliveira, onde eu prestava assessoria, para prender-me. Eu morava com minha mãe e estava em casa, cedo, quando o Azizin chegou. Assustado, queria tirar-me da cidade a qualquer custo. Mas, de bicicleta?!!! E para onde ir, na cidade sitiada? Eu me sentei na calçada e comecei a rir, Ri tanto que ele descontraiu e riu e fomos fazer o que mais gostávamos quando juntos: fomos ao bar do canto embriagar-nos. Fossem para o inferno os policiais, a repressão, a tragédia cotidiana de uma cidade infelicitada por problemas a que não demos causa.

O caso Ibama

Secretário-adjunto da Secretaria de Integração Regional (Seir), Ademir Martins dos Reis disse ontem por telefone ainda não ter sido notificado da ação judicial que lhe move o Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) por suposta improbidade administrativa quando gerente regional do Ibama em Marabá. Ele diz que ao assumir o instituto em 2003, de onde saiu em 2006, em substituição a Edvaldo Pereira da Silva, já encontrou os funcionários cedidos e pagos pela prefeitura de Eldorado do Carajás. “Para me certificar da lisura desse convênio, consultei a assessoria jurídica do Ibama e me informaram que não havia qualquer impedimento legal”, informou. Segundo a Procuradoria da República em Marabá, na verdade os trabalhadores eram pagos pelo Assimec - Sindicato das Indústrias Madeireiras daquele município, e mais tarde pelo sindicato madeireiro de Jacundá, neste caso formalmente escrito e assinado.

Campanha

“Lutar por direitos humanos não é Crime!”, a campanha lançada com grande seminário em Belém, no final da semana passada, e se propondo a combater a criminalização dos movimentos sociais, já conta com a adesão de pelo menos 60 entidades, entre as quais MST, CPT, SDDH, e Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A campanha que foi lançada já traz algumas propostas para a região: continuar fazendo a luta em defesa da Amazônia e dos povos que nela habitam contra as agressões provocadas pelas frentes de expansão do agronegócio, da mineração e dos grandes projetos governamentais; manifestar total apoio ao Bispo Dom Erwin e a Prelazia do Xingu na luta contra a Construção da Hidrelétrica de Belo Monte e na defesa da causa indígena, da floresta e do Rio Xingu; pressionar o Tribunal da Justiça do Pará para que julgue o recurso que pede a anulação do julgamento que absolveu o fazendeiro Viltamiro Bastos e exigir que Bida e Regivaldo sejam julgados e responsabilizados pelo assassinato de Dorothy; pressionar o Tribunal Regional Federal para que julgue os recursos que pedem a anulação da sentença que condenou o advogado José Batista a 2 anos e 5 meses de prisão e a sentença que condenou as lideranças do MST e do MTM ao pagamento de multa no valor de 5 milhões e 20 mil reais.

PA/MA contra escravidão

Os governadores Jackson Lago (MA) e Ana Júlia Carepa (PA) assinaram na quinta-feira, em São Luis, um protocolo de intenções que estabelece ações conjuntas para a erradicação do trabalho escravo. A sinalização conjunta antecede pacto federativo que envolve ainda os Estados do Piauí, Tocantins, Bahia e Mato Grosso. Pela carta de intenções, Maranhão e Pará darão apoio às ações de fiscalização móvel, ampliando sua capacidade de atendimento às denúncias e disponibilizando orçamento para facilitar esta fiscalização em áreas de difícil acesso. Ficou estabelecido também que os dois Estados irão criar comissões para a erradicação do trabalho escravo, formadas por organizações governamentais, não governamentais, representações de trabalhadores, patronais e demais instituições comprometidas para elaborar e implementar políticas estaduais de prevenção, combate e responsabilização, reinserção social e assistência às vítimas e familiares. No próximo dia 3 de novembro, Ana Júlia e Lago se reúnem em Imperatriz (MA) com os governadores do Piauí e Tocantins, para que, juntamente com o Ministério do Trabalho, implantem o programa Marco Zero, que pretende erradicar o trabalho escravo no país.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A poesia feroz de Charles Trocate

Sobre a cegueira Passo a passo vou lento a lugares dispersos Arrancando-os da nostalgia O chá é uma invenção tão antiga! Depois uma mania esnobe e agora coisa iníqua de si mesma. A política está deserta E sem geografia. O chá esquenta A cidade de concreto à minha frente se desfaça Aestética Do frio engole a minha Voz Nas mãos planejo O rumo que os olhos imploram. (Não sou mais um entre teus seios, Paulicéia! Tenho pátria e planeta e nele não habitas. Eu julgo o que é mágico! E se tive necessidade de amor, entenda, fui amante) Estou invisível O gesto que faço é descaso a todos A barba enorme Herança genética do meu pai (já desmoronado na historia) Não imita o Papai Noel Farsa que a paciência namora Segue o rótulo O peso monetário que muitos se fartam A polêmica sobre isso e aquilo Não vem ao baile do presente! Recorro à tua medicina de dólares Entre médico e medicina não há rima, O café amargo indica o calvário Teses não nos dão primavera e outras festas Sirvo-me de tuas comidas Indústrias E postulo uma idéia O dragão da hipocrisia está solto e vadia em tuas clinicas. Meu glaucoma É um patrimônio, um monumento calado em tuas avenidas. Não quero um Drummond Nessa cidade O livro é um objeto fraco O pensar É inútil como o mendigo e seu horizonte! A poesia Foi sentenciada Supérflua Ignota vastidão de formas O país Que habito apenas noticia no jornal! Prossigo A elegância das coisas morde e dissipa Talvez eu esteja faminto Mas pode ser apenas uma hipótese Aos donos do Ibope Um só céu E um só amém batizam cifras, números, mercados Na feira de gravatas tecnocratas vendem O saciável O paladino de todas as manhãs! Tergiverso... A economia tem mais sotaque Que pessoas A vida comentada segue em um só compasso [em um só desespero! A cidade perfura O intestino das horas Com mitos e desleixos Suas classes Seus pés e seus sapatos impactam o planeta. Nos olhares Nem imaginava A tristeza é um dogma Um lapso sem delírio Onde o fantasma habita sem pudor Não é guarda na multidão de automóveis Impacientes! Êta Geração hedonista O umbigo é um piercing O corpo uma tatuagem despreparada O ócio é negócio E a propriedade, aliança Da mão que não é para carícias Desse cacto O homem reflui E salta. Do alto de uma ideologia precária, Escapado da morte, Caminha (indivisível) solitário. Plantado Na arte do nada. A solidão Das coisas (sempre elas) Arrepia o estomago, a beleza E o aço dos arranha-céus não admite [a mentira? A lírica pública A quem se interessar Está enforcada nos autdoors da existência Que comercializam! Comercializam! Comercializam! Íngreme cidade, Quem te saúda nesse sepulcro? Aos meus vizinhos de sempre, falo O mundo é arte em grego Filosofa em alemão (foi um poetinha brasileiro que chegou a essa síntese) Dança em africano, o trabalho ficou escravo e está nas tuas riquezas imberbes Se corrompe com a América que tu és parte, O império coloca bomba na cabeça do mundo! E sabe do vermelho alguma coisa Pela China! Enquanto vale o jejum Penso nas distancias e na crise mundial novamente do capitalismo Que em Marabá já fechou duas bocas do seu inferno Sei da minha cidade pelo poeta Ademir Braz Que não a ama mais, como eu. Sou hospede cansado Desses acontecimentos! (Charles Trocate, São Paulo, out.2008)