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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Canções do reencontro

Ademir Martins reuniu familiares e alguns amigos na casa dos pais, à noite de quarta-feira, 7 de janeiro, para comemorar 56 anos de idade (que eu achava fossem 60). Seus pais, Diolinda e Edésio Martins, encabeçam o clã de 7 filhas e um filho, 12 netos e três bisnetos (o terceiro, quase chegando), e esse povo estava lá com seus maridos e mulheres enchendo a casa de um afeto antigo e suave que faz bem à alma e ao coração. Já fomos todos muito próximos, principalmente nos anos 70 quando aprontamos algumas paradas que nos fazem rir prazerosamente hoje, mas pouco nos temos visto nesses últimos anos por causa disso ou daquilo, razões injustificáveis, e desses liames inúteis que nos enredam na teia desordenada do destino e nos afastam fisicamente, embora a amizade permaneça intacta. O aniversário era dele, Ademir Martins, mas eu também ganhei um presente raro das mãos de Ademilde, mulher do meu irmão Valdez: um compact disc (CD) com músicas originais do tempo da nossa adolescência ou juventude, quando dançávamos na rua, na casa dos amigos, nos finais de semana, no tempo da cuba-libre, do leite de onça, das batidas e guaranás. A seleção foi do Bechara, centrada no Projeto Baile dos Anos 60, versão 16, verão 2007, para homenagear, segundo texto de Antônio Simões Miranda, donas Petita, Menta e Nôga; seu Bento, Ivan Ribeiro e Ariston, “que proporcionavam os ‘encontros’ da moçada aos domingos, quando aconteciam sem prévio aviso as festinhas, às vezes ao som de radiolas à pilha”. De safra um pouquinho anterior, lembrei-me também do Chadi, na esquina do Maneco, e do Zé Rodrigues ali perto do cemitério onde, nos anos 60, pelo menos a vizinhança entregue ao sono mais profundo não se queixava da zoeira. À época, eu estava amando loucamente a irmãzinha de um amigo meu, desde o dia em que sem querer olhei em seu olhar e disfarcei até pra ninguém notar, então eu ia ao ‘Salão da Juventude’ para vê-la dançar, vistosa e encantadora, amada com amor secreto e tímido que ela jamais soube nem nunca saberá, porque não direi seu nome. Poeta, alcoólatra e meio suicida – sofri. Dia desses, eu a vi: respeitável senhora descasada, a beleza dos olhos claros manchada por desamores. A contracapa do disco traz ‘um rol de amigos da juventude marabaense’: Lapeta, Bechara, Silvino, Hamilton e Rosa Maria Jácome; Cléia e Célia Mutran; Carmélia, Terezinha e Alfredo; Rita de Cássia, Orlando e Cachita; Zé Filho, Dica, Silmar, Édson, Terezinha Seixas; Fátima e Clélia Simões; Rosa Marinho, Lúcia França, Maura, Maurina, Mariazinha da Fsesp, Zulinar, Rosálea e Rossina; Adelson, Zuleide , Antônio Feitosa, Corarry, Ribinha, Félix Cuscuzeiro, Juarez, João Hélio, Petrônio, Carlos Rosa, Zenira e Maria das Graças Pereira; Izacácia, Irenildes, Walter e Wisnande Ribeiro; Canox, Franca, Norma, Zemar e Eulina; Domingos e Maria Zenilde; Patola, Virgínia, Almir, Dacimar, Waldir e Walfredo; Daniel, Cabeção, Madalena, Liel; Wilson Barros, Walquíria, Wilma Barros, Zé Braga, Vera Lúcia freitas, Zé Barbeiro, Aparecida de dona Licrides, Odaléia e Edna; Glorianei, Zilmar, Bené Macias, Airton e Margarida Bogéa; Graça Magalhães, Nilza, Nini, Leusina, Mirtes e Socorro Dias; Rosa Botelho, Lúcia, Heró Lemos; Irenice e Eronildes Barata; Epitácio, Fátima e Rosângela da Diana. In memoriam: Daniel Lira, Tonico Braga,Deuzélia, Adelina Marinho, Delfino Castro e Antônio Carlos (Venu). Com um presente desses a gente fica leve, restaurada em lembranças do mais profundo da alma e de um tempo tão próximo e tão distante depois que o chicote dos dias nos dispersou nos cacos de uma cidade que explode para todos os lados, cada vez para mais longe de si mesma, sua gente e de sua ternura.

Passarela

Encontro Giorgie Guido com outras pessoas num restaurante, ao meio-dia da primeira segunda-feira do ano, e ele me apresenta seus acompanhantes. São, como ele, novos servidores municipais, e entre esses o secretário de Planejamento, oriundo do Estado do Tocantins. Foi encontro casual, mas não me esquivei de analisar as declarações do vice Amoury, naquela manhã, à Rádio Clube, sobre o projeto de descentralização da saúde com a instalação de pronto atendimento em Morada Nova e no posto do bairro Amapá. A proposta é racional, destaquei, mas ponderei que a readequação do posto Pedro Cavalcanti, à margem da Transamazônica, vai demandar outros investimentos. É que na borda oposta da rodovia, a partir da cabeceira da ponte do Itacaiúnas, estão instalados Fórum, Ministério Público, secretaria de Saúde, INSS, Justiça Federal, Incra e Hemopa, duas escolas estaduais e outros setores públicos, todos centros que atraem diariamente centenas de pessoas, entre os quais inativos, idosos, doentes e estudantes. A definição de um pronto-socorro no Cavalcanti vai acentuar o trânsito a pé no perímetro, aumentando o risco de acidentes de trânsito, inclusive fatais. Até 1996, quando trabalhei em assessoria para o então prefeito Haroldo Bezerra, fizemos estudos que demonstravam a necessidade da construção urgente de uma passarela, como forma de diminuir o crescente número de desastres com morte. E, à época, o leito da rodovia nem era duplicado como agora. Levantada a questão e seus custos, acionou-se o Estado para ajudar na resolução do problema, e este acabou por mandar para cá os restos enferrujados de uma passarela metálica, já inservível na capital, e que até hoje vira sucata na Folha 34. É que a estrutura metálica era muito menor do que o vão a ser ocupado entre as laterais da rodovia. Como nada foi feito, aumentou os casos fatais no perímetro, circunstância que a duplicação da pista não melhorou, ao contrário. A construção de uma passarela vai encarecer o projeto do pronto socorro, assim como a simples instalação de semáforos - solução que não parece adequada em face das características do trecho – pista de tráfego intenso e de alta velocidade no centro da cidade. De qualquer forma, uma ou outra medida será necessária para evitar acidentes que podem levar o transeunte aos hospitais públicos e privados ou ao cemitério. Fica aí o registro de uma antiga preocupação.

Infraero

Quase no mesmo dia em que o líder da associação dos flagelados e sem-teto anuncia a construção de 1,5 mil casas em terreno pertencente à Infraero, após gestões políticas em Brasília, o superintendente da entidade diz à imprensa desconhecer o assunto e anuncia que, na verdade, o que está previsto mesmo é a construção de novo aeroporto sobre a área do atual, já acanhado para o volume de embarques e desembarques (252 mil em 2008, contra 188 mil em 2007). Não por acaso, a área pretendida pela associação é a mesma na cabeceira da pista de onde centenas de invasores foram retirados no começo do ano passado pela polícia. Essa história de loteamento urbano em torno de aeroporto vem construindo uma tragédia no Brasil. Em nota de esclarecimento, Enock Filho, superintendente da Infraero, diz que as investidas contra o patrimônio da empresa têm gerado depredação do patrimônio público (roubo de cerca) com prejuízo superior a R$ 21 mil.

PDV

Casal passa lua-de-mel em linda cidade e vai parar num teatro pornô, onde um letreiro anuncia: 'Hoje, o fabuloso Carlão!'. O casal entra e o show começa com Carlão, sujeito aí duns 39 anos, numa cama com uma louraça, uma morenaça e uma ruivaça, que ele descasca uma a uma sem pressa e depois repete. Exaustas, elas deixam o palco satisfeitíssimas, enquanto Carlão agradece ao público, que o aplaude de pé. Em seguida, sob o rufar de tambores, uma mesinha com três nozes é colocada bem no centro do palco e Carlão quebra-as uma por uma com pancadas precisas do bilau. O público vai à loucura e aplaude por vários minutos. Vinte e cinco anos depois, para recordar os velhos tempos de recém-casados, marido e mulher decidem retornar a mesma cidade, acabam passando no mesmo lugar do antigo teatro, e o que vêem? O bendito cartaz sobre o “fabuloso Carlão”. Os dois não quiseram acreditar e entraram para conferir. E quem está lá no palco? O Carlão, agora com 64 anos, enrugadinho, cabelos brancos, traçando outras três jovens mulheres com o mesmo pique. Inacreditável! Aí, quando rufam os tambores ao final da apresentação, lá vem a mesma mesinha ao centro do cenário, agora com três cocos da praia, que Carlão arrebenta com a velha precisão. Boquiaberto, o casal vai ao camarim para cumprimentar pessoalmente o fabuloso Carlão e, curiosos, lhe pergunta o motivo da mudança das nozes para cocos. Meio sem graça, ele responde: - A velhice é uma merda! A vista está fraca e não consigo mais enxergar as nozes.

Eleitores

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) definiu, por meio da Resolução 22.986, os procedimentos para eleitores que deixaram de votar nas últimas três eleições regularizarem a situação para não perderem o título eleitoral. Os eleitores terão 60 dias a partir do dia 16 de fevereiro para regularizar a inscrição de seu título eleitoral. Os nomes e números de inscrição dos eleitores faltosos serão publicados no dia 9 de fevereiro pela Justiça Eleitoral. Aqueles que se encontrarem nesta situação devem procurar o cartório eleitoral da sua cidade até o dia 16 de abril para regularizar a pendência. Não estão sujeitos ao processo de regularização eleitores cujo voto é facultativo.

Mineração

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) comemora os bons números alcançados pelo setor, em 2008. A exportação mineral da Amazônia cresceu nada menos que 58% nos primeiros oito meses do ano, por exemplo. A indústria de transformação mineral, responsável pela produção de ferro gusa, alumina e alumínio, cresceu 13% no mesmo período. Pelas contas do Ibram, a Amazônia Legal respondeu por 27% da exportação mineral nacional até agosto de 2008, com destaque para Maranhão e Pará.

Procuradoria

André Casagrande Raupp e Tiago Modesto Rabelo serão os novos titulares da Procuradoria da República em Marabá. Marco Mazzoni e Marcelo Ferreira, na casa há pelo menos dois anos, seguem para outros Estados. As mudanças acontecem após a posse, em 3 de dezembro, dos novos procuradores aprovados no 24º Concurso e atingem principalmente o interior do Pará.

Robert Fisk: "Por que nos odeiam tanto?!"

Falaríamos de "atrocidade" se o que Israel fez aos palestinenses tivesse sido feito pelo Hamás. Israel fez muito pior. Temos de falar de "crime de guerra", de matança, de assassinato em massa (...) Na foto, criança bombardeada por Israel em escola da ONU é levada para hospital próximo. A análise é de Robert Fisk no jornal The Independent. Leia mais. Esquecemos os 17.500 mortos – quase todos civis, a maioria mulheres e crianças – de quando Israel invadiu o Líbano, em 1982? E os 1.700 civis palestinos mortos no massacre de Sabra-Chatila? E o massacre, em 1996, em Qana, de 106 refugiados libaneses civis, mais da metade dos quais crianças, numa base da ONU? E o massacre dos refugiados de Marwahin, que receberam ordens de Israel para sair de suas casas, em 2006, e foram assassinados na rua pela tripulação de um helicóptero israelense? E os 1.000 mortos no mesmo bombardeio de 2006, na mesma invasão do Líbano, praticamente todos civis? O que surpreende é que tantos líderes ocidentais, tantos presidentes e primeiros-ministros e, temo, tantos editores e jornalistas tenham acreditado na mesma velha mentira: que os israelenses algum dia tenham-se preocupado com poupar civis. "Israel toma todo o cuidado possível para evitar atingir civis", disse mais um embaixador de Israel, apenas horas antes do massacre de Gaza. Todos os presidentes e primeiros-ministros que repetiram a mesma mentira, como pretexto para não impor o cessar-fogo, têm as mãos sujas do sangue da carnificina de ontem. Se George Bush tivesse tido coragem para exigir imediato cessar-fogo 48 horas antes, todos aqueles 40 civis, velhos, mulheres e crianças, estariam vivos. O que aconteceu não foi apenas vergonhoso. O que aconteceu foi uma desgraça. "Atrocidade" é pouco, para descrever o que aconteceu. Falaríamos de "atrocidade" se o que Israel fez aos palestinenses tivesse sido feito pelo Hamás. Israel fez muito pior. Temos de falar de "crime de guerra", de matança, de assassinato em massa. Depois de cobrir tantos assassinatos em massa, pelos exércitos do Oriente Médio – por sírios, iraqueanos, iranianos e israelenses – seria de supor que eu já estivesse calejado, que reagisse com cinismo. Mas Israel diz que está lutando em nosso nome, contra "o terror internacional". Israel diz que está lutando em Gaza por nós, pelos ideais ocidentais, pela nossa segurança, pelos nossos padrões ocidentais. Então também somos criminosos, cúmplices da selvageria que desabou sobre Gaza. Reportei as desculpas que o exército de Israel tem oferecido ao mundo, já várias vezes, depois de cada chacina. Dado que provavelmente serão requentadas nas próximas horas, adianto algumas delas: que os palestinenses mataram refugiados palestinenses; que os palestinenses desenterram cadáveres para pô-los nas ruínas e serem fotografados; que a culpa é dos palestinenses, por terem apoiado um grupo terrorista; ou porque os palestinenses usam refugiados inocentes como escudos humanos. O massacre de Sabra e Chatila foi cometido pela Falange Libanesa aliada à direita israelense; os soldados israelenses assistiram a tudo por 48 horas, sem nada fazer para deter o morticínio; são conclusões de uma comissão de inquérito de Israel. Quando o exército de Israel foi responsabilizado, o governo de Menachem Begin acusou o mundo de preconceito contra Israel. Depois que o exército de Israel atacou com mísseis a base da ONU em Qana, em 1996, os israelenses disseram que a base servia de esconderijo para o Hizbóllah. Mentira. Os mais de 1.000 mortos de 2006 – uma guerra deflagrada porque o Hizbóllah capturou dois soldados israelenses na fronteira – não foram crimes do Hizbóllah; foram crimes de Israel. Israel insinuou que os corpos das crianças assassinadas num segundo massacre em Qana teriam sido desenterrados e expostos para fotografias. Mentira. Sobre o massacre de Marwahin, nenhuma explicação. As pessoas receberam ordens, de um grupo de soldados israelenses, para evacuar as casas. Obedeceram. Em seguida, foram assassinadas por matadores israelenses. Os refugiados reuniram os filhos e puseram-se à volta dos caminhões nos quais viajavam, para que os pilotos dos helicópteros vissem quem eram, que estavam desarmados. O helicóptero varreu-os a tiros, de curta distância. Houve dois sobreviventes, que se salvaram porque fingiram estar mortos. Israel não tentou nenhuma explicação. 12 anos depois, outro helicóptero israelense atacou uma ambulância que conduzia civis de uma vila próxima – outra vez, soldados israelenses ordenaram que saíssem da ambulância – e assassinaram três crianças e duas mulheres. Israel alegou que a ambulância conduzia um ferido do Hizbóllah. Mentira. Cobri, como jornalista, todas essas atrocidades, investiguei-as uma a uma, entrevistei sobreviventes. Muitos jornalistas sabem o que eu sei. Nosso destino foi, é claro, o mais grave dos estigmas: fomos acusados de anti-semitismo. Por tudo isso, escrevo aqui, sem medo de errar: agora recomeçarão as mais escandalosas mentiras. Primeiro, virá a mentira do "culpem o Hamás" – como se o Hamás já não fosse culpado dos próprios crimes! Depois, talvez requentem a mentira dos cadáveres desenterrados para fotografias. E com certeza haverá a mentira do "homem do Hamás na escola da ONU". E com absoluta certeza virá também a mentira do anti-semitismo. Os líderes ocidentais cacarejarão, lembrando ao mundo que o Hamás rompeu o cessar-fogo. É mentira. O cessar-fogo foi rompido por Israel, primeiro dia 4/11; quando bombardeou e matou seis palestinenses em Gaza e, depois, outra vez, dia 17/11, quando outra vez bombardeou e matou mais quatro palestinenses. Sim, os israelenses merecem segurança. 20 israelenses mortos nos arredores de Gaza é número escandaloso. Mas 600 palestinenses mortos em uma semana, além dos milhares assassinados desde 1948 – quando a chacina de Deir Yassin ajudou a mandar para o espaço os habitantes autóctones dessa parte do mundo que viria a chamar-se Israel – é outro assunto e é outra escala. Dessa vez, temos de pensar não nos banhos de sangue normais no Oriente Médio. Dessa vez é preciso pensar em massacres na escala das guerras dos Bálcãs, dos anos 90. Ah, sim. Quando os árabes enlouquecerem de fúria e virmos crescer seu ódio incendiário, cego, contra o Ocidente, sempre poderemos dizer que "não é conosco". Sempre haverá quem pergunte "Por que nos odeiam tanto?" Que, pelo menos, ninguém minta que não sabe por quê. (*) Texto publicado por Robert Fisk em 07/01/2009 no jornal britânico The Independent.