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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Mercúrio: enigma ignorado de Serra Pelada

Serra Pelada, no vizinho município de Curionópolis, estará na ordem do dia este ano, com a autorização de lavra a ser dada em breve para a extração mecanizada de supostas 33 toneladas remanescentes de ouro naquele garimpo. Pelo menos 45 mil garimpeiros, em regra sexagenários pobres e doentes, mantêm acesa a esperança de algum benefício decorrente da parceria entre a cooperativa de mineração Coomigasp, que os representa, e a empresa canadense Colossus Geologia e Participações Ltda, braço da Colossus Minerals Inc., especializada em exploração de ouro, que estima investir R$ 100 milhões para faturar 2,31 bilhões de reais. A parceria com a Colossus substituiu a anterior, de 2004, firmada com a empresa norte-americana Phoenix Gems - que, de acordo com a Coomigasp, não honrou os compromissos financeiros do contrato. A Secretaria de Meio Ambiente do Estado já aprovou o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima), que libera a extração mecanizada do ouro, prevista já a partir do ano que vem. O projeto parece benéfico para as partes, mas há uns senões. Primeiro, a quantidade enorme de organizações – sindicato, cooperativa, associações - que representam moradores e ex-garimpeiros de Serra Pelada e que vivem em litígio permanente entre si. A Coomigasp, por exemplo, tem sua legitimidade contestada pelo Singasp (Sindicato dos Garimpeiros de Serra Pelada) e a Coogasp a acusa de ter-lhe usurpado o CNPJ. Atualmente, a Coomisp (Cooperativa de Mijneradores de Serra Pelada) acusa a Coomigasp de “ter nome sujo na praça” e de não poder receber dinheiro. Por isso, ela criou uma empresa, a SPE, cujos cinco donos seriam três da Coomigasp e dois da Colossus, como teria dito um diretor da Coomisp ao Diário do Pará. O sindicato vai mais longe: diz que o acordo com a mineradora canadense (51% dos lucros para ela e 49% para os 45 mil sócios da cooperativa) ainda prevê descontar dessa porcentagem os investimentos feitos pela Colossus, de sorte que aos garimpeiros sobrará “ menos de um décimo do lucro obtido”, segundo o presidente Raimundo Benigno. Silêncio sobre o mercúrio Para além dessas questões internas há uma outra – gravíssima - que até agora não mereceu qualquer atenção das autoridades federais ou estaduais. É a referente à poluição resultante do uso intensivo de mercúrio nos cerca de cem hectares que constituem o território de Serra Pelada. A partir de 1981, com a descoberta do garimpo, dizia-se que ali chegaram a reunir-se até 100 mil garimpeiros. Para efeito demonstrativo, suponhamos que eles fossem apenas 50 mil que se utilizaram, cada qual, de um mínimo de dez gramas de mercúrio/ano ao longo de pelo menos meia década, vida útil da garimpagem manual. Somada e multiplicada por cinco anos, essa quantidade de mercúrio de origem ignorada chegaria a 2,5 toneladas precipitadas em todo ecossistema de Serra Pelada. No garimpo, o trabalhador usava então uma espécie de cadinho para derreter o ouro com fogo de maçarico e misturava o mercúrio para formar amálgama. Até onde se sabe, nenhuma pesquisa científica foi feita sobre a contaminação por mercúrio nos garimpeiros de Serra Pelada, embora exista o registro de mortes súbitas, loucura e doenças degenerativas entre eles. Tragédia previsível? Pós-graduado em Segurança do Trabalho, Carlos Alberto Marangon (areaseg.com.br) diz que durante este processo de amálgama ocorrem três tipos de contaminação por mercúrio: a) aquecido, é inalado pelo garimpeiro (intoxicação por via respiratória); em contato com a pele, devido a técnicas precárias de manuseio, causa intoxicação por via cutânea; e o mercúrio perdido, ou ate mesmo jogado fora, causa danos ambientais a plantas e animais que quando ingeridos causam doenças às pessoas que os consomem. “À medida que o mercúrio passa ao sangue, liga-se as proteínas do plasma e nos eritrócitos distribuindo-se pelos tecidos concentrando-se nos rins, fígado e sangue, medula óssea, parede intestinal, parte superior do aparelhos respiratório mucosa bucal, glândulas salivares, cérebro, ossos e pulmões. (…) No organismo todo, enfim, o mercúrio age como veneno protoplasmático”. No meio ambiente, o mercúrio é devastador: “Quando um curso de água é poluído pelo mercúrio, parte deste se volatiliza na atmosfera e depois torna a cair , em seu estado original com as chuvas. Uma outra parte absorvida direta ou indiretamente pelas plantas e animais aquáticos circula e se concentra em grandes quantidades ao longo das cadeias alimentares. Alem disso, a atividade microbiana transforma o mercúrio metálico em mercúrio orgânico, altamente tóxico.” A intoxicação de mercúrio ocorre com maior freqüência no Brasil que em outros países, porque o garimpo clandestino nos rios da Amazônia utiliza o mercúrio para separar impurezas, e depois separa-se o ouro do mercúrio, pelo aquecimento e fundição do metal. Parte deste mercúrio vai de volta aos rios, e o peixe, que é muito curioso, ingere aquele metal brilhante, que logo vai impregnar suas carnes, que, a partir daí, já não servem para consumo humano, diz a Folha Online. Sobre Serra Pelada, presumivelmente a Colossus terá de esgotar o grande lago em que se tornou a cava resultante da lavra manual e com pelo menos cem metros de profundidade. Essa água e o mercúrio nela contido vão chegar aos inúmeros córregos, igarapés e grotas que integram a microbacia dos rios Parauapebas e Verde, ambos tributários do rio Itacaiúnas. Até agora, entretanto, nenhuma autoridade parece ter prestado atenção à possibilidade deste formidável desastre ambiental.

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