"... Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levaram consigo os ladrões ao paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno... Os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis. Isto é o que hei de pregar. Ave Maria... (Padre Antônio Vieira, 1665)
Fotos: MDutra, 25.10.2012
Aqui estão duas imagens do Memorial José Sarney, localizado num antigo convento de São Luís, Maranhão. O senador, ex-presidente, ex-governador e típico político coronel-de-barranco cuja ação se estende por décadas num dos Estados mais pobres do Brasil e se alonga por toda a República brasileira. Ele mesmo, ainda vivo, faz a homenagem a si próprio. Ali estão as lembranças sobretudo dos tempos em que, pela morte de Tancredo Neves, foi indicado para presidir por 4 anos o Brasil logo após a ditadura. Mas corrompeu deputados federais e senadores para conseguir mais um ano de mandato, completando 5 na presidência, quando a inflação chegou a 80% ao mês, lembram-se? Foi Sarney quem quase destruiu a radiodifusão brasileira, doando frequências de rádio e TV a parlamentares para aprovarem a extensão de seu mandato. Foram mais de 1.200 emissoras doadas a políticos, fato que desestruturou especialmente o Rádio, num período conhecido como a farra das concessões. Um imenso mensalão a que o "supremo" não bolas.
A poucos metros da Estátua de Sarney, ele próprio mandou erigir outra, a do Padre Antônio Vieira, conhecido orador do século 17 e que tem celebrizado um de seus sermões, feito justamente diante do rei de Portugal e de sua corte.
O Sermão do Bom Ladrão, foi escrito em 1655, pelo Padre Antônio Vieira. Ele proferiu este sermão na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte. Lá também estavam os maiores dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros.
Observa-se que num lance profético que mostra o seu profundo entendimento sobre os problemas do Brasil – ele ataca e critica aqueles que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente. Denuncia escândalos no governo, riquezas ilícitas, venalidades de gestões fraudulentas e, indignado, a desproporcionalidade das punições, com a exceção óbvia dos mandatários do século 17.
Vieira usou o púlpito como arauto das aspirações públicas, à guisa de uma imprensa ou de uma tribuna política. Embora estivesse na Igreja da Misericórdia, disse ser a Capela Real e não aquela Igreja o local que mais se ajustava a seu discurso, porque iria falar de assuntos pertinentes à sua Majestade e não à piedade.
O padre adverte aos reis quanto ao pecado da corrupção passiva/ativa, pela cumplicidade do silêncio permissivo. O sermão apresenta uma visão crítica sobre o comportamento imoral da nobreza, da época.
Leia a seguir alguns fragmentos do sermão do famoso religioso (em Português do século 17):
"Levarem os reis consigo ao paraíso os ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei. Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levaram consigo os ladrões ao paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno.
O que costumam furtar nestes ofícios e governos os ladrões de que falamos, ou é a fazenda real, ou a dos particulares, e uma e outra têm obrigação de restituir depois de roubada, não só os ladrões que a roubaram, senão também os reis, ou seja porque dissimularam e consentiram os furtos quando se faziam, ou somente — que isto basta — por serem sabedores deles depois de feitos. E aqui se deve advertir uma notável diferença — em que se não repara — entre a fazenda dos reis e a dos particulares.
Os particulares, se lhes roubam a sua fazenda, não só não são obrigados à restituição, antes terão nisso grande merecimento, se o levarem com paciência, e podem perdoar o furto a quem os roubou. Os reis são de muito pior condição nesta parte, porque, depois de roubados, têm eles obrigação de restituir a própria fazenda roubada, nem a podem dimitir ou perdoar aos que a roubaram. A razão da diferença é porque a fazenda do particular é sua: a do rei não é sua, senão da República. E assim como o depositário, ou tutor, não pode deixar alienar a fazenda que lhe está encomendada e teria obrigação de a restituir,assim tem a mesma obrigação o rei, que é tutor e como depositário dos bens e erário da República, a qual seria obrigado a gravar com novos tributos, se deixasse alienar ou perder as suas rendas ordinárias".
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