Por Lúcio Flávio Pinto | Cartas da Amazônia
Em 1980 o IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento
Florestal, antecessor do Ibama) abriu licitação para a exploração de madeira em
uma extensa área em Tucuruí, no Pará. As terras seriam inundadas quando o rio
Tocantins fosse represado por uma monumental barragem de concreto (com mais de
70 metros de altura) para gerar energia na quarta maior hidrelétrica do mundo.
O reservatório da usina deveria ocupar 1.116 quilômetros quadrados (no final,
passou de três mil km2).
Só uma empresa se habilitou, empresa criada pouco antes da
divulgação do edital de convocação dos interessados. Para surpresa de todos,
era uma subsidiária da Capemi, que, até aquele momento, atuava na área de
seguros, pensões e aposentadorias, principalmente entre militares. Sua sede era
do outro lado do país, no Rio Grande do Sul. Seu presidente era um general da
reserva, mais conhecido por suas preocupações filantrópicas e espiritualistas.
Sem concorrentes, a Capemi Agropecuária foi autorizada pelo
governo federal a derrubar, cortar e vender milhares de árvores, que, de outro
modo, ficariam submersas. A empresa pensou até em montar um polo carboquímico,
que seria projeto de vanguarda. Mas acabou provocando mesmo foi um enorme
escândalo, um dos maiores do último dos governos militares, iniciados em 1964.
Dentre tantos absurdos e abusos, dizia-se que um dos
beneficiados ocultos da Capemi era um filho do presidente, general João Batista
de Figueiredo, filho, por sua vez, do general Euclides Figueiredo, personagem
destacado da república brasileira iniciada pelas revoltas tenentistas de 1922 e
a revolução de 1930.
De fato, a Capemi foi apenas um arranjo no jogo de poder da
época. Ela se mostrou completamente ineficiente na execução da sua tarefa, que
seria a “limpeza” da área do futuro lago. Com seu fracasso,foram inundadas
milhares e milhares de árvores, formando um cenário lúgubre com os troncos
desnudos à superfície da água, como um gigantesco paliteiro com espécies
vegetais mortas.
O que a Capemi devia fazer era gastar dinheiro, o dos seus
associados, o do governo e o de um empréstimo internacional obtido na Europa.
Na apuração final, antes de sumir, deixou um rombo de mais de 100 milhões de
dólares, que o governo, por ser avalista, pagou. Boa parte desse dinheiro devia
ser usado para promover a campanha do general Otávio Medeiros, candidato que o
general Figueiredo queria fazer seu sucessor. Seria o terceiro chefe do também
lúgubre SNI (Serviço Nacional de Informações) a chegar à presidência da
república brasileira. Nenhuma agência de espionagem internacional conseguiu
tanto. Nem a famosa CIA americana.
A democracia atropelou esses planos continuistas, que
exigiriam mesmo muito dinheiro diante do perfil nada simpático aos eleitores do
último chefe do SNI (hoje Abin) da ditadura. Com a abertura política, dentre os
muitos mal feitos da Capemi estaria a traquinagem de Paulo Figueiredo, o filho
do presidente.
As ilicitudes e abusos da Capemi foram fartamente provados,
mas não o usufruto de Paulo Figueiredo. Realmente ele até podia ter tirado
proveito do projeto da madeira do lago de Tucuruí, mas, de fato, apenas uns
minguados metros cúbicos chegaram até ele, devidamente pagos. Desse crime ele
não pode ser acusado.
Relembro o fato porque um leitor desta coluna o citou como
coisa provada do desvio de madeira para o filho do general Figueiredo. O
general que saiu pela porta dos fundos para não transmitiu o cargo a José
Sarney, por considerá-lo um traidor, que comeu na mão da ditadura e de forma
oportunista a renegou para ser o vice – à última hora – de Tancredo Neves (e
assumir a presidência com o impedimento e a morte do eleito).
Uma controvérsia só é benéfica quando se funda em fatos.
Quando é feita de ilusões e versões, desserve a sociedade e o país.
Por isso, também dou atenção ao comentário da leitora Isabela.
Ela citou um trecho do meu artigo para me aplicar a pecha de desinformado. O
trecho que usou foi este:
“A Volks estava destruindo a natureza e eliminando o
oxigênio do planeta, impedindo a Amazônia de funcionar como pulmão do mundo.
Toda a humanidade seria vítima dessa devastação”.
Pela citação, parece mesmo que embarquei na canoa furada da
teoria da fotossíntese amazônica como pulmão do mundo, renovando o oxigênio na
atmosfera da Terra. Mas se Isabela prosseguisse no artigo, leria, no parágrafo
imediatamente seguinte ao que usou, o seguinte:
“Quando políticos e militantes alemães ameaçaram boicotar os
carros da Volks, a direção da empresa se alarmou. Sauer foi chamado e recebeu a
ordem de passar em frente o projeto amazônico. Tudo tão às pressas e sem uma
checagem nos argumentos dos críticos que o comprador escolhido deu um tombo na
poderosa indústria alemã: pagou apenas a primeira parcela da venda, retirou o
gado e sumiu”.
A Amazônia, já então o sabíamos, não é o pulmão do mundo,
mas uma esponja de absorção de poluição atmosférica. Ao ser queimada ou mesmo
derrubada, deixa de cumprir essa função e, no segundo caso, assume outra,
terrível: emite mais gases de efeito estufa. É por isso que o Brasil, cuja
indústria não é tão expressiva mundialmente e se tem contraído em tempos mais
recentes, é o sexto mais emissor desses gases no planeta.
Espero contribuir para que nosso debate nesta coluna se
torne mais fecundo. Cada um procurando formar seu juízo sem agredir os fatos, a
verdade e o oposto. Dessa maneira contribuindo para o avanço da democracia e da
civilização.
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