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segunda-feira, 30 de abril de 2007

Carajás passado a limpo

Recebo do jornalista Rogério Almeida, conhecedor das interfaces desta parte da Amazônia, em que viveu por muitos anos, e sobre a qual tem produzido esclarecedoras interpretações, a matéria abaixo transcrita na íntegra. A publicação sinaliza a permanência do debate objetivo sobre a realidade atual e o futuro - se existe algum - para as etnias e inúmeras comunidades que se espalham em toda a região, sujeita aos mega-investimentos concentradores de terras e riquezas.
Em tempo: o banqueiro Daniel Dantas, do Opprtunity, acaba de comprar mais duas fazendas na região de Redenção. Uma delas, diz o colunista Mauro Bona (Diário do Pará, 29/04), a Lagoa das Antas, de Luis Pires. Dantas já investiu cerca de 400 milhões em terras no sul do Pará."
Pólo siderúrgico e outros trens em Carajás Há 20 anos a atividade siderúrgica internaliza passivos de toda ordem da região de Carajás: destruição da floresta, trabalho escravo, poluição de igarapés e rios além de trabalho insalubre. Uma das costelas do projeto Carajazão, como ficou conhecido o Programa Grande Carajás (PGC), cimenta a base do que tem regido a economia na Amazônia, o extrativismo. Como todo esse tempo de atividade, somente nos dias 26 e 27 de abril, a Câmara Municipal de Marabá, município pólo do sudeste do Pará, acorda da inércia e realiza o primeiro debate sobre a questão. Encontro que, ao se analisar composição homogênea da mesa de abertura, não deixa dúvida sobre o caráter de lobby pró-siderurgia. Não menos equivocado soa o nome dado, Sustentável. Autoridades de todas as estampas, como se diz no interior, políticas, comerciais, policiais e eclesiais, obedeciam a som da harpa do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa. Se a defesa da atividade guseira foi ovacionada, sobraram farpas à legislação ambiental e à fiscalização. Na fronteira agro-mineral, ao que se viu, o grito e o muque foi o argumento dos alinhados à atividade guseira. Às favas o Estado, mas antes, que banque o “reflorestamento” nunca feito, ainda que acordos tenham sidos celebrados. “Nenhum grão a menos na produção de ferro acataremos”, declararam os representantes do setor. A demanda da China e Índia e o aumento do preço no mercado mundial, não poderiam vir em pior momento. Logo quando a sociedade consumidora, ou parte dela, recusa a destruição da floresta e o trabalho degradante. Justo o que dá contorno á atividade em Carajás. É como se os guseiros exclamassem: o mundo tinha que dá sinais de falência logo agora? Dos 20 anos da atividade das siderúrgicas na região, 12 foram sob a “vista grossa” do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). O que as empresas batizaram de crise do setor tem pelo menos dois contextos a serem considerados. O primeiro que recai sobre o Estado, que tem feito esforço para o cumprimento da lei, e o segundo que recai sobre o consumo responsável do primeiro mundo. O discurso dos representantes, ao menos no seminário realizado, foi desprovido de dados. Segue o mesmo apelo do setor madeireiro, o emprego, ainda que nenhum número tenha sido exposto. Sabe-se que o setor emprega menos de três mil pessoas, quando o planejamento na década de 1980 alardeava 30 mil. Estudos comprovam que o setor não dinamiza a economia local. Não provoca efeitos nem a jusante, nem a montante. Por conta da Lei Kandir, os municípios não recolhem ICMS. Alguns números - O consumo de madeira pelo setor guseiro em Carajás é estimado entre 12 a 14 milhões de m³ , conforme o Instituto Brasileiro dos Recursos Renováveis e do Meio Ambiente (IBAMA). Dados produzidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) Amazônia Oriental, sinaliza que até 2005, o pólo siderúrgico de Carajás acumulou a exportação de 20 milhões toneladas de ferro gusa. Tendo como base os números de exportação, os pesquisadores coordenados pelo Dr. Alfredo Homma, calculam que 100 mil hectares de floresta foram derrubados em 2005. O que equivale a 100 mil campos de futebol. Debitar toda a responsabilidade do mundo degradado da região nas costas das siderúrgicas seria injusto. As mesmas dividem a responsabilidade com outros pólos, como o madeireiro e o de pecuária. Sob tal matriz, de pólos, a Amazônia foi ocupada. Ao contrário do desenho atual, baseado em eixos de integração (infra-estrutura, comunicação, transporte). No complexo tabuleiro de atores sócio-econômicos que atuam na região, é a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) o de maior peso. Para se manter “bem na foto” ante a opinião pública internacional, num momento em que se expande sobre outras fronteiras, não é de bom tom ter a sua imagem associada ao desflorestamento e ao trabalho escravo. Por isso, chegou a sinalizar pelo não fornecimento da matéria-prima às guseiras. E agora José? O Estado do Pará, que se encontra sob nova direção, inaugura uma nova reconfiguração de institucionalidades. O licenciamento de funcionamento das empresas e a questão de floresta ficaram a cargo da Secretaria de Meio Ambiente (SECTAM), que divide a questão da floresta com o recente criado Instituto de Floresta (IDEFLOR). O titular da pasta de Meio Ambiente, Valmir Ortega, explica que a agenda do Estado em relação ao pólo guseiro será de identificar os passivos, para que se possa produzir o conteúdo do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), junto ao Ministério Público Federal (MPF). Para que a licença de operação das empresas seja renovada, -muitas vencem em 2007,- a SECTAM irá trabalhar de forma individualizada a análise da capacidade produtiva, associada com o consumo legal de carvão e reflorestamento. Outro item a ser analisado será o destino dos resíduos da produção de ferro e as condições de trabalho. Ao se passear pelo rio Itacaiúnas e igarapés vizinhos em Marabá, quase nenhuma empresa terá chance de não ser punida. Os relatórios serão finalizados em maio. Outro ponto da agenda do Estado é regularizar a atividade de carvão. O trabalho que será a médio e longo prazo, visa ordenar o setor. No planejamento, conforme expôs Ortega, a fiscalização na área de fronteira será intensificada. Tem-se chance de saída para a encruzilhada em que se encontra o setor? Uns pontos identificados como limites recaem sobre a não regularização de terras, o que impossibilita pleitear créditos. Bem como o tamanho da reserva de proteção legal, estipulada em 80% numa região degradada, que deverá ser reduzida para 50%. Para tentar mitigar as tragédias acumuladas ao longo dos anos, como os péssimos IDH´s e o recente dado sobre violência, onde dos 30 municípios mais violentos do Pará, 24 ficam na região de Carajás, um projeto apontado é o de criação do Distrito Florestal de Carajás. Ainda que a elite do Estado torça o nariz, não se pode ignorar a territorialização camponesa, que controla 52% da região em questão. Por isso, uma das sugestões colocadas é a integração desse ator social no projeto através de Sistema Agro-florestais (SAF´s), que combina florestas com outras culturas. O Estado tem defendido que a floresta é uma atividade de grande rentabilidade. Os passivos acumulados não escapam aos olhos. Desde 1980 os setores populares discutem, produzem seus documentos, denunciam. Um longo prazo será necessário para se construir um diagnóstico da região, produzir um zoneamento, definir áreas de reservas, não incentivar monoculturas. Um bom tempo será exigido para oxigenar corações e mentes sobre a importância dos alojados na base da pirâmide. E ao contrário do discurso do prefeito de Marabá, Tião Miranda, não são dignos de pena, e sim cidadãos, que merecem respeito e possuem capacidade de discutir política pública para a região.

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