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sexta-feira, 11 de abril de 2008

Estado omisso destrói propriedade produtiva

A história que vou lhes contar poderia não estar acontecendo se a reforma agrária no Brasil não fosse uma panacéia a reboque dos movimentos populares, e se as instâncias de governo, inclusive a justiça agrária, não fossem apenas um faz-de-conta. Vamos aos fatos. O pecuarista Aziz Mutran Neto, dono das fazendas Mutamba e Cigana (Balão), com pouco mais de 8.746 hectares unificados recentemente pelo Incra em um único complexo, chega aos 78 anos de idade, vivendo uma tragédia que começou em 2003 com as seguidas invasões de suas terras neste município. Apesar da sua luta, nem ele nem seus prepostos conseguem solução na Justiça ou junto aos governos federal e estadual. Além do reconhecimento legal como área produtiva, a propriedade mantém 50% da floresta nativa, rica em espécies nobres como mogno, ipê, maçaranduba, cedrarana e castanheiras, atendendo a dispositivo legal da época que previa a preservação de 50% da área, conforme averbação de reserva legal feita em Cartório de Registro de Imóveis. Em abril de 2005, quando o imóvel foi invadido pela segunda vez, diz uma fonte, representante do proprietário participou de reunião no Incra Marabá (SR-27) com o Ouvidor Agrário Nacional Gercino José da Silva Filho, também presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, e lideranças dos invasores, quando se decidiu que estes se retirariam da fazenda até que o Incra realizasse vistoria a fim de aferir a sua produtividade. Morosidade “O Incra levou quase dois anos para proferir o resultado. Nesse ínterim, e sem motivo justificado, os invasores voltaram a esbulhar a propriedade em 26 de novembro de 2006, antes de se anunciar o resultado da vistoria, onde até hoje se mantêm”, diz a fonte. Em 06 de março de 2007, nova reunião com os mesmos interlocutores aconteceu na sede do Incra em Belém, quando o Ouvidor Agrário mediou acordo entre as partes e ficou acordado que, se na conclusão do laudo de vistoria a fazenda fosse classificada como produtiva, dela os invasores se retirariam. Em 13 de março seguinte, o Ouvidor encaminhou fax ao Incra solicitando a agilização da conclusão do processo de fiscalização, ainda em trâmite, na Superintendência Regional (SR-27) em Marabá. Concluída a vistoria e analisada a documentação pertinente, a fazenda foi classificada como de “grande propriedade produtiva”, logo, insuscetível de desapropriação para fins da reforma agrária, à vista da comprovação, nos autos, da sua função social. Em seguida, essa decisão foi levada a conhecimento do Ouvidor Agrário Nacional, mas não deu resultado concreto: Dr. Gercino Filho alegou que não poderia cobrar dos invasores o cumprimento do trato, vez que a dominialidade da fazenda ainda estava sob análise e elaboração do extrato da cadeia dominial pela SR(27). Aziz Neto contestou a história. Mostrou que em 03 de agosto de 2007, o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) manifestou-se em expediente ao Incra (Ofício n○. 0830/2007–GP), atestando que os títulos da Fazenda Castanhal Mutamba e da Fazenda Castanhal Cigana (Balão), são legítimos. Comprovada a legitimidade do domínio, foi proposta via fax Ouvidor Agrário Nacional nova reunião com o Presidente da Fetagri, para se efetivar o cumprimento do acordo de desocupação da fazenda. Fazer o quê? Em 29 de novembro de 2007 saiu finalmente a esperada audiência, quando a SR-27 reiterou a produtividade da fazenda e o Iterpa, a legitimidade de seus títulos. E foi nela que se deu o inesperado: a Fetagri alegou não representar os invasores, apesar de, na mesma reunião, ter-se comprometido a intermediar a vacinação assistida do rebanho, ainda em poder deles, atendendo a pressão do Estado, preocupado com a possibilidade de o Sul do Pará perder a condição de área livre de aftosa com vacinação. Assim, a questão voltou a seu ponto de partida: a estaca zero. Nesse ínterim, do rebanho de 2.334 cabeças de gado macho entre 12 e 36 meses, existentes no retiro invadido em 26.11.2006, só foram recuperados 2.113 – ou seja, 221 animais adultos viraram churrasco ou foram criminosamente passados adiante. Um prejuízo significativo para quem investe em sofisticados processos de reprodução animal em seis mil matrizes enxertadas com sêmen de campeões nacionais. Hoje, a pastagem onde se criava em média 3.000 reses está fora de aproveitamento econômico. Serve apenas ao acampamento precário de dezenas de pessoas (crianças e mulheres, inclusive) que vivem em condições subumanas. “Roubo de madeira, desmatamento da reserva legal, queimadas na reserva florestal, além de diversos outros delitos patrimoniais e danos ambientais são fatos sistematicamente registrados na Delegacia de Conflito Agrários do Sul do Pará, Ibama, Ministério Público Estadual e Federal, sem resultados”, diz a fonte inconsolável. E conclui: “O que nos causa perplexidade é que enquanto o mundo está em alerta para a preservação da Floresta Amazônica, uma reserva florestal Secular da magnitude da reserva em questão, a apenas 20 km da cidade de Marabá, está em acelerado e criminoso processo de devastação – aos olhos de todas as instâncias públicas e ninguém a impede, mesmo apesar das seguidas denúncias e pedidos de providências”.

2 comentários:

JOSE MARIA disse...

Prezado Ademir.

Crime é crime, seja lá quem for o autor.

Como dizia seu coleguinha maranhense José Cândido de Moraes e Silva, editor do jornal O Farol, nos anos 20 do Século XIX:

De circunlóquios nada sei/ O caso conto, como o caso foi:/ Na minha phrase, da constante lei,/ O ladrão é ladrão, o boi é boi.

Ademir Braz disse...

eheheh, seu Cândido sabia das coisas, doutor.