segunda-feira, 14 de abril de 2008
Vale o quê? Pra quem?
Tá no blog Qinta Emenda, de Juvêncio Arruda (Belém) e merece replay:
Capital e Trabalho em Parauapebas
Pra começo de conversa, a Vale não é apenas uma grande produtora de minério. Ela é também grande produtora de reclamações trabalhistas.
Mantida a tendência atual, serão dez mil reclamações trabalhistas, distribuídas para as duas Varas do Trabalho de Parauapebas. Pelo que o blog apurou, recorde absoluto na 8ª Região (Pará e Amapá).
Uma dessas Varas foi instalada recentemente e já está abarrotada de reclamações produzidas, ao fim e ao cabo, pela Vale. Esse impacto social não é considerado nos EIA-RIMA. Cada Vara custa mais ou menos um milhão e meio de reais por ano.
Para a Vale não é nada. Para a Justiça do Trabalho é muito, pois esse dinheiro poderia ser melhor aplicado para atender outras áreas mais necessitadas, inclusive do Sul do Pará (Xinguara e adjacências, por exemplo).
O jogo é o seguinte. A lei e a jurisprudência pacífica dizem que o tempo que o trabalhador gasta para chegar ao trabalho em transporte fornecido pelo empregador em lugar de difícil acesso ou sem transporte público regular de passageiros deve ser computado na jornada de trabalho. Em juridiquês: horas in itinere.
Em vernáculo são horas no percurso mesmo. Em latim ou vernáculo, é o tempo à disposição do empregador e deve ser remunerado, como horas extraordinárias inclusive, quando ultrapassar a jornada normal de trabalho.
Como a Vale sabe muito bem, parte de suas minas estão no interior da Floresta Nacional de Carajás. Floresta Nacional é uma categoria de manejo que, conforme as regras do direito ambiental, deve ser gerenciada de forma muito estrita. Assim, atividade econômica só é possível sob certos e estreitíssimos limites, como foi o caso da Província Mineral de Carajás, exploração econômica ressalvada já no decreto de criação dessa Floresta Nacional. Ainda segundo esse mesmo direito ambiental, essa Floresta Nacional tem que ser gerida conforme plano de manejo e seu regimento.
No caso de Carajás o IBAMA delegou competência para a Vale gerir a Floresta Nacional. Nela simplesmente não é viável o transporte público regular de passageiros, porque o ingresso tem que ser rigorosamente controlado.
A Vale sabe disso porque foi ela que mandou fazer e é ela que tem de cumprir - e fazer cumprir - o plano de manejo.
Não é possível pegar um táxi em Parauapebas e dizer para o taxista: "me leva na Mina N-4 que eu quero bater um papo com o operador de um Haupak (aqueles caminhões gigantes) amigo meu."
Ou ficar na parada esperando pelo ônibus que vai para a Mina do Igarapé Bahia para flanar nos arredores da área minerada, em uma tarde de sol.
Até as hematitas sabem disso tudo.
Mas a Vale tem a cara-de-pau de dizer, inclusive quando se defende nas reclamações trabalhistas, que tem transporte público regular de passageiros para qualquer de suas minas. Confessa nos processos a prática de uma ilicitude, de uma irregularidade administrativa, com a maior sem cerimônia.
Mas ela não está só nessa esquisitice, porque alguns sindicatos também dizem a mesma coisa. Dizem e escrevem. E escrevem em convenções e acordos coletivos de trabalhado. Tudo para que as empresas fiquem dispensadas de pagar essas horas no percurso. Ótimo para as empresas. Péssimo para os trabalhadores.
Já não se fazem mais sindicatos como antigamente.
Especialistas calculam que as empresas economizem algo entre 10 a 12% da folha de salários só com essa manobra.
Como boa parte dos trabalhadores prefere nada reclamar - temem entrar nas listas sujas e nos fechamentos de canteiros, prática que impede a contratação de quem reclama seus direitos na Justiça do Trabalho - calcula-se, grosso modo, que só a metade o faça.
Ainda assim, serão aproximadamente dez mil reclamações este ano de 2008, pelo andar da carruagem.
Os juízes trabalhistas de Parauapebas realizaram uma inspeção judicial de quase trinta horas de duração. Fizeram todos os percursos que os trabalhadores fazem diariamente, em todos os horários possíveis, nos mesmos ônibus que eles usam, fornecidos pelas empresas que os empregam.
Concluíram que não havia transporte público regular de passageiros, obviamente. Mediram o tempo de cada percurso. Essa inspeção judicial serviu de base para condenações sucessivas daí por diante. Mas ainda assim as empresas estão no lucro, porque menos da metade dos trabalhadores reclamam esse direito.
E como elas recorrem, tem chance de reverter no Tribunal parte dessas condenações. Ganham sempre as empresas. Perdem sempre os trabalhadores, coletivamente considerados.
Mas também ganham sempre os advogados que fazem essas reclamações em doses industriais, alguns dos quais são advogados também dos sindicatos dos trabalhadores, os mesmos que fizeram acordos e convenções coletivas nulas (de pleno direito ou, como gostam de dizer os advogados, de pleno jure).
Assim, do casamento da Vale e suas empreiteiras com os sindicatos e advogados de trabalhadores de Parauapebas vão nascer este ano dez mil reclamações trabalhistas na capital brasileira do minério.
Todos contratam um passivo trabalhista que sabem de antemão reduzido para menos da metade, podendo chegar a um quarto dele, tudo correndo normalmente.
Claro que isso tudo é jogo jogado. Quem é do ramo sabe. Mas os trabalhadores, coitados, não sabem disso, exceto um ou outro que participe do jogo pelo lado de dentro e conscientemente espere a hora adequada para reclamar, que pode ser nunca, pois a prescrição é curta (dois ou cinco anos, no máximo). E la nave va, com seus personagens fellinianos embarcados.
É aí que entra a ação civil pública do Ministério Público do Trabalho contra a Vale e mais quarenta e tantas empreiteiras (e terceirizadas), que o blog noticiou.
É uma tentativa de resolver por atacado o problema, que estava até então sendo resolvido no varejo dessas dez mil reclamações trabalhistas.
Por isso o juiz da Primeira Vara do Trabalho, Jônatas Andrade, determinou a suspensão de todas as reclamações individuais - dessa Vara, bem entendido - até que ele decida a ação civil pública.
Que a Vale e suas empreiteiras e terceirizadas resistam a essa decisão tudo bem, está dentro do esperado e até das regras do jogo.
Mas é estranho que elas arguam a suspeição de todos os juízes do Fórum Trabalhista de Parauapebas.
Também é esquisito é que os advogados dos trabalhadores esperneiem, ficando do mesmo lado da Vale e de suas empreiteiras e terceirizadas.
Aí o jogo fica escancarado demais.
Aparentemente, os advogados temem perder uma imensa galinha e seus dez mil ovos de ouro. Temem, ao que parece, que a Justiça resolva mandar pagar diretamente aos trabalhadores e eles percam seus preciosos honorários, que é o que, bem contadas as favas, interessa mesmo.
O temor parece vão, porque basta que eles, em nome de seus clientes, se habilitem na ação civil pública e nela recebam o que for devido. Se nada for devido, paciência, nada terão para receber na ação civil pública, e esse um risco concreto e possível. Que eles, compreensivelmente, não querem correr.
Por isso preferem o varejo dos dez mil ovos de ouro, pois nesse caso são dez mil chances de ganhar ou perder, dividido por quatro (a quantidade de Turmas do Tribunal Regional).
As sete turmas do Tribunal Superior do Trabalho não entram nessa conta porque dificilmente essa matéria chegará a elas com possibilidade de modificação, já que se discute basicamente fato e no TST só se discute direito.
Só falta agora outra esquisitice: os sindicatos continuarem moitando ou aderirem pelo lado da Vale e de suas empreiteiras e terceirizadas.
Se isso acontecer, podem fechar o movimento sindical de Parauapebas para balanço.
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