Lúcio Flávio Pinto
"Vale paga ninharia de imposto. E o
Pará, nem quer saber disso?" Leia a última matéria de Lúcio Flávio Pinto e
conheça as propostas de
Justiça nos Trilhos a respeito de uma redistribuição dos lucros
da mineração.
De 1997, quando a Lei Kandir entrou
em vigor, isentando de imposto a exportação de produtos semielaborados (ou não
industrializados), até o ano passado, a antiga Companhia Vale do Rio Doce
recolheu pouco mais de 540 milhões de reais em ICMS ao Pará pela venda ao
exterior do minério de ferro de Carajás, o melhor do mundo. O ano recorde de
pagamento do principal imposto estadual pela ex-estatal foi 2009, quando o
valor chegou a R$ 197 milhões.
Nos 10 anos dos governos tucanos
seguidos de Almir Gabriel e Simão Jatene, de 1997 a 2006, o recolhimento de
ICMS somou R$ 236 milhões. Nos quatro anos de Ana Júlia Carepa, do PT, a soma
foi de R$ 304 milhões.
Por incrível que possa parecer, de
1997 a 2001, a Vale contribuiu para o erário com menos de R$ 6 milhões em
impostos sobre minério de ferro exportado, o principal item da pauta de
exportação do Pará e do Brasil. Em 1997 a CVRD foi privatizada e, não por mera
coincidência, entrou em vigor a famigerada Lei Kandir, de autoria do
ex-ministro de Fernando Collor de Mello e então deputado federal por São Paulo,
Antônio Kandir. O ICMS pago pela Vale foi então de R$ 18.828,37. Menos do que
pagou ao tesouro estadual um supermercado da esquina.
O recolhimento deu um “enorme” salto
no ano seguinte: foi para R$ 173 mil. Patinou em R$ 177 mil em 1999. Saltou
para R$ 1,9 milhão em 2000 e foi multiplicado para R$ 4,5 milhões em 2001. Ou
seja: em seis anos, a média anual de contribuição tributária da mineradora para
o Estado foi de R$ 1,2 milhão. Parabéns ao deputado Kandir. E – provavelmente –
otras cositas más para ele.
Aí a China atacou o mercado
internacional com sua fome insaciável de aço. O ICMS recolhido em 2002 alcançou
R$ 38 milhões. Baixou para R$ 26 milhões do ano seguinte, infletiu para R$ 38
milhões em 2004 e ficou pouco acima de R$ 60 milhões em 20005 e 2006.
Neste caso, sim, por mera
circunstância quanto a políticas e realidades locais, a fatura tributária da
Vale despencou para pouco abaixo de R$ 40 milhões entre 2007 e 2008, já no
governo de Ana Júlia. Aparece então o fenômeno de 2009, dos R$ 197 milhões.
Graças à recuperação da vitalidade da economia chinesa depois da crise
financeira internacional. Mas entre 2010 e 2011 a queda voltou a ser brutal:
para R$ 29 milhões e R$ 31 milhões nos dois anos, respectivamente. Nos quatro
meses deste ano a conta ainda não chegou a R$ 12 milhões
O minério de ferro ainda é o grande
negócio da Vale – no mundo, no Brasil e no Pará. Mas os números mudam com o
avanço da mineradora sobre outras substâncias minerais depositadas no subsolo
de Carajás. No mesmo período a exploração de ferro na nova mina, a de Serra
Leste, subiu de R$ 6 milhões no acumulado até 2006 para R$ 299 milhões em 2001,
sendo R$ 259 milhões só nesse último ano. Nesses 14 anos, a exploração do cobre
da Serra do Sossego rendeu R$ 218 milhões de ICMS. A iniciante produção de níquel
do Onça Puma e do Vermelho recolheu pouco mais de R$ 70 milhões.
Todo o Sistema Norte de mineração da
Vale rendeu em 14 anos aproximadamente R$ 1,3 bilhão de ICMS ao Pará. A média é
de menos de R$ 100 milhões por ano. O Pará vai viver disso?
Esta é a conta do povo. Agora, a
contabilidade da empresa.
Em 2011 as exportações totais do Pará
foram de 18,3 bilhões de dólares (em torno de R$ 33 bilhões), sendo quase US$
17 bilhões (ou mais de 90% do total, ou mais de R$ 30 bilhões) de produtos de
origem mineral, em bruto ou semielaborados – isentos de impostos, portanto.
A Vale exportou no ano passado 97
milhões de toneladas de minério de ferro de Carajás, com faturamento de 11,7
bilhões de dólares, correspondentes a quase 20 bilhões de reais. Pois bem:
esses R$ 20 bilhões renderam R$ 30 milhões de ICMS. Ou 0,15%. Alíquota de
desmoralizar qualquer erário; de massacrar qualquer povo. E fazer a festa de
outro povo, como o chinês: desses 97 milhões de minério de ferro extraídos e
exportados, 47 milhões (exatamente a metade do total) foram para a China, que
pagou US$ 5,8 bilhões.
Dá uns US$ 120 por tonelada. É muito
se comparado com os US$ 15/25 por tonelada do início de Carajás, na metade dos
anos 1980. Mas quem possui minério igual? E quando ele acabar, não depois de
400 anos de exploração, conforme se previa inicialmente, mas em menos de um
século, na escala atual de lavra? A partir de 2015 a produção passará para
inacreditáveis 230 milhões de toneladas anuais?
Talvez continue a ser maravilhoso
para os donos de papeis da Vale com direito a dividendos prioritários, mas e
para o Brasil? E para o Estado do Pará? Quem garante? Quem sabe das coisas?
Todos deviam saber. Mas raros se
interessam. O que é uma pena – e muito cara. Criei um blog (www.valeqvale.wordpress.com)
justamente para conhecermos melhor essa portentosa companhia, esfinge ou cavalo
de Tróia. Poucos se apresentaram.
Agora estou colocando nas ruas um
dossiê especial sobre a Vale (“A Vale engorda. O Pará emagrece”, é o título da
publicação, com 44 páginas).
É tentativa de provocar o debate,
despertar o interesse e mobilizar a vontade dos paraenses. Mais tarde será
irremediavelmente tarde. Como já está sendo. Os paraenses continuam desatentos
ao movimento do maior trem de cargas do mundo, que leva o filé-mignon dos
minérios de Carajás para o exterior, com destino certo: a Ásia. A história do
Pará parou, como manda a dança. O trem, não.
*Lúcio Flávio Pinto é editor do Jornal
Pessoal.
Fonte: Adital, 21 de maio de 2012
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