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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Mau gestor desrespeita vivos e mortos

No CORREIO DO TOCANTINS
Funcionários do cemitério sofrem com descaso  


Imagine ter de trabalhar sem qualquer condição oferecida pelo contratador? É assim que os coveiros do Cemitério da Saudade, localizado na Folha 29, estão passando os últimos dias em seu ambiente de trabalho. O transtorno da vida dos dois coveiros, dos vigias e até de quem faz trabalhos particulares nos túmulos do local começa na falta de água para ser empregada no trabalho, em aguar as plantas e até mesmo para utilização do banheiro.

A Reportagem esteve no cemitério na tarde de quinta-feira (9) e apurou que há quatro meses não escorre água nas torneiras do local. Segundo informações de terceiros, seria por falta de pagamento à Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) e o atraso seria de 10 anos.
Procurado, o agente administrativo do cemitério, Francisco Rodrigues de Sales, declarou que já enviou documentação para a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos solicitando informações acerca do problema, mas este ainda não foi resolvido. “Estamos levando tudo no jeitinho e contando com a colaboração dos vizinhos que nos fornecem água quando precisamos”, disse Francisco.

Segurança
Na mesma visita foi constatado que os coveiros estavam trabalhando sem qualquer proteção e um deles estava abria uma cova vestindo apenas bermuda e de chinelos. O trabalhador, que pediu para não ser identificado porque é contratado e teme sofrer represália, declarou que não tem uniforme. “A nossa roupa de todo dia é o nosso uniforme e a gente ainda fica com medo porque está trabalhando em área contaminada, sem proteção. Não sei do que a pessoa morreu e se ela pode ter qualquer doença contagiosa”, desconfia.

Pelas informações colhidas no local, as roupas e acessórios foram furtados do quarto onde ficam guardadas, próximo ao portão de entrada, em uma noite na qual o vigia faltou ao trabalho. Os responsáveis pelo furto entraram no cemitério, quebraram o cadeado da construção e levaram os equipamentos.

Outra reclamação do funcionário é em relação às ferramentas de trabalho que, segundo ele, estão em situação de abandono e impróprias para o uso. “Onde o solo é mais duro a gente chega a trabalhar quatro horas abrindo uma cova porque as ferramentas não prestam. Se tivéssemos equipamentos bons trabalharíamos mais depressa e com mais vontade”. Os cavadores, picaretas, pás e enxadas estão todos sucateados e os coveiros frequentemente precisam desmontar e remontar as peças para conseguir algo que ainda sirva. “A gente tira o cabo que ainda está bom de uma, por exemplo, e coloca em outra”, explica.

O agente administrativo confirmou que havia o equipamento de proteção, mas que eles se perderam há aproximadamente dois meses. “Eles tinham uniforme, botas e luvas e eu já fiz a documentação solicitando a reposição desses materiais”, comentou, sem saber ao certo quando eles serão entregues. 

Na quinta-feira, operários começaram a roçar o matagal que estava tomando conta da área. Geralmente esse trabalho é feito apenas uma vez ao ano e chega a tomar os túmulos construídos no local. “Eles costumam limpar só na véspera do Dia de Finados –2 de novembro – mas se anteciparam neste ano. Em uma semana estará tudo limpo”, declarou o agente administrativo.

Contraste social
Caminhando por alguns minutos entre os túmulos fica nítido que mesmo na morte a situação social que existe em vida se reproduz. Não há, por exemplo, uma organização eficaz. Muitos espaços são mal utilizados, já que não há uma separação precisa dos lotes. Percebe-se também que alguns terrenos estão vazios, ou seja, foram comprados antes da morte das pessoas em questão, mas possuem grades em torno, demonstrando o medo dos proprietários em terem seus lotes invadidos. Lembra muito do que acontece em alguns bairros de Marabá.

A disparidade social também fica em evidência e se reflete na morte. Enquanto alguns descansam ostentando grandes túmulos decorados e bem conservados, contando, inclusive, com cercas de proteção e peças em mármore, para outros tudo o que restou ao fim da vida foram as simples covas cobertas por terra e identificadas por uma cruz de madeira.

O espaço no cemitério também começa a se tornar um problema e fica nítido que é cada vez menor a área livre. “Nos cemitérios da Cidade Nova e da Velha Marabá nós não temos mais espaço e aqui ainda há poucos terrenos virgens. Daqui a pouco tempo teremos sério problema com a falta de espaço, mas dizem que existe um projeto para a abertura de uma nova área aqui na Nova Marabá”, declarou o agente. A cultura de sepultamento disseminada no país também contribui para esse panorama. Enquanto muitos países investem na cremação e em túmulos horizontais, no Brasil se mantém a prática de enterrar os cadáveres deitados na vertical. 

A compra de um terreno no cemitério custa atualmente R$ 18 o metro quadrado e só pode ser conseguida mediante a certidão de óbito do morto. Com o documento expedido pelo médico ou Instituto Médico Legal e ir ao cartório retirar a Certidão de Óbito. Com ela carimbada, a pessoa deve procurar ao cemitério onde é emitida outra guia. Dali basta seguir à Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Semsur) e pegar o boleto a ser pago em qualquer agência bancária. Pelo trabalho do coveiro a família não paga nada. 

A Reportagem entrou em contato por telefone com a comunicação social da Semsur ainda na tarde de quinta e enviou as questões por correio eletrônico, mas até à tarde desta sexta-feira (10) não havia recebido a resposta. (Luciana Marschall)

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