No Brasil, onde pouco menos de 11% da população possui
ensino superior, o governo se dá ao luxo de empregar engenheiros, médicos e até
cientistas para carimbar papel, preencher folhas de ponto e carregar móveis e
computadores de um lado para o outro nas repartições públicas de todo o país.
Atraídos pelos altos salários, estabilidade no emprego e aposentadoria
integral, esses profissionais, que poderiam fazer a diferença em qualquer
empresa privada, pouco podem fazer para elevar a qualidade dos serviços prestados
pelo Estado. É a armadilha da burocracia, que paga prêmios generosos ao corpo
funcional, mas impede que os mais qualificados exerçam função diferente do
cargo para o qual foi aprovado em concurso.
A aparente contradição entre pagar salários elevados para
desempenhar atividades de pouca complexidade produz efeito também nas contas
públicas. Nos últimos 15 anos, a despesa líquida com servidores federais,
incluindo aposentados e pensionistas, mais do que quadruplicou. Saltou de R$
44,5 bilhões, em 1997, para R$ 185,3 bilhões, em 2012. Um gasto que, na opinião
de especialistas consultados pelo Correio, não gerou contrapartida de aumento
da produtividade do funcionalismo. "Quando você tem pessoas mais
qualificadas do que o cargo necessita, há desperdício humano. Esses
profissionais poderiam gerar conhecimento em funções mais complexas, o que
seria melhor para o cidadão, que receberia serviços públicos de melhor
qualidade", ponderou o economista Marcio Sette Fortes, professor do Ibemec
Rio.
O servidor público Pedro Hernandes, de 27 anos, conhece bem
essa situação. Em 2008, apenas um ano após ter ingressado no curso de economia
na Universidade de Brasília (UnB), foi aprovado no concurso para técnico
judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
(TJDFT). O salário, hoje de cerca de R$ 6,5 mil, e a jornada de trabalho
relativamente tranquila (das 12h às 19h) o fizeram seguir no emprego mesmo após
ter se formado. Mas o descontentamento com funções burocráticas, como alimentar
o cadastro do plano de saúde do tribunal, o fez mudar de ideia.
"Passo a maior parte do dia 'carimbando papel', assim
como colegas de outros setores, alguns com títulosde mestrado em disciplinas
como nutrição e agronomia", reclama. A insatisfação com o serviço o motivou
a buscar um novo concurso compatível com a sua formação acadêmica. Em breve,
ele ingressará no quadro de economistas da Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac). Mas lamenta ter de deixar o órgão, que ele considera ser um bom lugar
para trabalhar. "Se eu tivesse formas de ser mais bem aproveitado no
tribunal, talvez não tivesse buscado outro concurso", contou.
Quebra-galho
O serviço público tem inúmeros casos de bons profissionais
subaproveitados. A insatisfação acontece com mais frequência em órgãos que
pagam altos salários para funções generalistas, como o cargo de analista
tributário da Receita Federal. Com salários iniciais da ordem de R$ 8,7 mil e a
exigência de apenas formação superior, os concursos para o órgão são sempre
muito disputados. Ao assumir o cargo, porém, o novo servidor se depara com uma
realidade que pode ser menos interessante do que imaginava. "Quando eu
ingressei na Receita, fui designado para trabalhar na aduana, fazendo de tudo
um pouco, numa espécie de quebra-galho constante", relatou um servidor do
órgão, que pediu anonimato.
Segundo contou, ele passava o dia se revezando em funções
como "carregar computador de um lado para o outro", conferir
planilhas de impostos e digitalizá-las no arquivo morto do órgão. "Eu era
professor universitário e tinha vergonha de dizer aos meus alunos o que eu
fazia", lembrou o profissional, que, além de formado pela UnB, tem
mestrado e larga experiência no mercado privado.
Como ele, há na Receita todo tipo de profissional cuidando
da burocracia dos impostos, de médicos, engenheiros navais até um cientista que
já trabalhou na construção de foguetes na base aérea de Alcântara, no Maranhão.
Na opinião do coordenador-geral de Gestão de Pessoas do órgão, o engenheiro
mecânico Francisco Lessa, não há problema algum nessa ampla gama de
profissionais de diferentes formações. Pelo contrário.
"Nós temos
poucos médicos aqui na Receita, mas eu gostaria de ter um, por exemplo, na
minha equipe. Imagine um auditor fazendo a inspeção de um hospital. Seria ou
não interessante ter um médico exercendo essa função?", questionou.
Lessa lembra que o órgão "não é um escritório de
advocacia ou contabilidade", por isso acredita que um maior número de
profissionais de diversas formações apenas valoriza o trabalho do corpo
técnico.
"Procuramos colocar cada servidor para exercer funções
compatíveis com a sua formação. Quando um auditor fosse a uma obra, por
exemplo, seria muito interessante que houvesse, na equipe dele, um engenheiro
formado. Isso ajudaria muito no relatório e na própria auditoria", citou.
(Fonte: Correio Braziliense – clonado do
Blog do Servidor Público do Brasil)
Um comentário:
Demir, ratificando a materia, é justamente esse tipo de atitude que "não interessa" ao Estado. O porquê, todos sabemos. Em 05.06.13, Marabá-PA.
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