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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Poesia, poesia

Laércio Ribeiro, Acadêmico do curso de Letras da UFPA, em Marabá, manda dizer que recentemente, "fizemos trabalho na UFPA em que utilizamos uma obra tua como objeto de análise. O resultado foi nota EXCELENTE, pelo que julgamos ser importante envia-lo para você. Com um "grande abraço", o estudante manda a seguinte inerpretação: "Introdução O presente trabalho tem por fundamento atender proposta do professor José Guilherme Fernandes, de Literatura Brasileira II, apresentada com a finalidade de aprimorar o exercício da análise poética através de observação contextualizada com os aspectos sociais, culturais e históricos, do tempo e espaço em que a obra foi produzida, identificando características temáticas e formais do texto. Será objeto de análise o poema “Angústia”, do poeta marabaense Ademir Braz, publicado em seu livro de poesias intitulado Rebanho de Pedras. A escolha de Ademir Braz não foi sem propósito. Seu nome é considerado, na atualidade, a principal referência da poesia regional. Ele pertence à safra mais atual da poesia paraense e se destaca pela facilidade com que produz poemas ao mesmo tempo simples e profundos, com extrema riqueza de conteúdo. Sua obra tem uma afinidade singular com as raízes desta terra. Os costumes, as lendas, os causos da cultura popular, os lugares, o cotidiano do povo são o tema principal de seus poemas. Pela magnitude de sua obra, seu nome pode ser incluído, com justiça, no rol dos grandes poetas que esta terra já produziu. Exegese Angústia Ao entardecer, o Tocantins em chama - à plena luz do sol que se afoga – tem no abandono de sua água, a mesma plenitude que me dana. Sou luz e dor à tona d’água. Desfeito no encanto dessa hora em que soluça a tarde e minha mágua é feita de presença e de agora, assim me ponho inteiro sobre o mundo. Suave como a noite é meu espanto. Maior do que a tarde e mais profundo, é esse amor tardio com que me encanto. Amo. E sou rio tranqüilo e céu revolto. À margem desse rio, posto em sossego, sou irmão da lua e do morcego e desse pirilampo errando solto. Desse amor me vem a luz que cega, a noite que flutua, o sol já morto, e esta solidão que o rio carrega sem jamais deter-se em qualquer porto. À margem desse rio a céu aberto, entre a noite virgem e o sol aflito, meu coração é pássaro inquieto e flor rompendo a noite como um grito. (Antologia Tocantina). Dizer que Ademir Braz é um autêntico poeta do tipo lírico-amoroso pode parecer exagerada pretensão. Todavia, dizer que não é seria dar provas de conhecer sua obra apenas na superficialidade. Na verdade, Ademir é esse poeta: a rigor está quase sempre abordando de forma crítica questões relevantes da atualidade, sem contudo deixar de ser sentimental. Pode se dizer que o sentimentalismo romântico é o fio de ouro que permeia toda sua poesia, às vezes sutil, quase imperceptível, às vezes de forma mais robustecida. Quando escreve, Ademir quase sempre deixa transparecer a paixão que tem por esta terra. Seus poemas tratam das coisas simples da vida com uma profundidade rara. Aludem com freqüência a fatos da história do nosso povo. Falam de situações do cotidiano. Descrevem lugares e pessoas – de ontem e de hoje. Gente simples como a lavadeira, o garimpeiro, o pescador, e também figuras históricas. No poema em análise, o poeta deixa aflorar sua sensibilidade bem ao estilo da poesia político-social do poeta romântico Victor Hugo. O objeto de referência é o Rio Tocantins, e o poema se afigura num manifesto de protesto contra a destruição desse importante monumento da natureza. O descontentamento se traduz no título da obra e em expressões como “plenitude que me dana”, “desfeito no encanto dessa hora”, “soluça a tarde e minha mágua”, sou [...] céu revolto”. Pode se notar traços do Romantismo na referência apaixonada aos elementos da natureza: o pôr-do-sol, o rio, a lua, o morcego, o pirilampo. E na utilização, sem comedimento, de expressões metafóricas. No entanto, quanto à forma, o poeta foge do verso livre, comum entre os românticos, e se rende à preocupação parnasiana de estrofes bem estruturadas, com rima perfeita e ritmo cadenciado. Se tivéssemos que ambientar a obra do poeta marabaense na escola romântica, certamente ela se identificaria mais com a produção de autores da terceira geração, com características já pendendo para o Realismo. Sua poesia se acomoda melhor no mundo da realidade concreta do que naquele das idealizações, dos sonhos, próprio dos poetas românticos. Nota-se uma ligeira sobreposição da razão sobre o coração. Em Angústia, encontramos um poeta incomodado com a degradação do Rio Tocantins. Fazendo um jogo com a ambigüidade, ele consegue suscitar o apelo ecológico ao mesmo tempo em que nos remete às cenas nostálgicas de um pôr-do-sol à beira do rio. O encanto se mistura com a indignação. Quando diz que o rio sofreu o “abandono de sua água”, parece querer remeter o leitor a idéia da dissolução de um par romântico. O fim de uma história de amor entre o rio e água. A Julieta que abandonou Romeu. Note que água aparece no singular, exatamente com o fim de dar esta conotação. Não obstante, há na mesma expressão um forte apelo à consciência ecológica. O poeta quer mostrar que o rio está secando. O abandono da água significa o rio cada vez mais seco por conta do assoreamento constante, provocado pelo desmatamento das florestas ribeirinhas. Tal situação, revela o abandono, não da água apenas, mas sobretudo daqueles que tem o dever de preservá-lo. O pôr-do-sol por si só é um momento de rara beleza. Em Marabá, da Orla em frente à Praia do Tucunaré se tem o ângulo perfeito para uma visão panorâmica encantadora, em que o sol incandescente parece mergulhar nas águas tácitas do rio. É este o cenário que serve de pano de fundo para a construção do poema. A cena é encantadora. Mas remete o poeta à reflexão e ele se vê desperto para uma realidade que desfaz todo o “encanto dessa hora”. Por um instante, o poeta parece estar revoltado consigo mesmo, por ser alguém que só se dá conta da situação quando tem a presença do rio à sua frente: “minha mágoa é de presença e de agora”. O presente é o resultado atroz da indiferença do passado. Sim, o presente pode ser tarde demais para certas atitudes que não foram tomadas no passado. Quando espécies de animais já foram extintas, quando os efeitos são irreversíveis, o presente pode ser demasiado tarde. “Suave como a noite é meu espanto” – com este verso, mais uma vez o poeta procura transportar o leitor ao cenário melancólico da noite que chega serena, suave. O verso parece querer mostrar que a consciência ecológica (meu espanto) chegou muito lentamente (suave). Demorou a ser desperta. Nesse contexto, o poeta mais uma vez lança mão da ambigüidade quando fala do “amor tardio”. Ao mesmo tempo em que pode estar se referindo ao amor à tarde, ao pôr-do-sol, a expressão pode ser um hálito de protesto à consciência que é despertada tarde demais. “Amo. E sou rio tranqüilo e céu revolto”. Este trecho descreve a capacidade que tem o amor de acalmar e, ao mesmo tempo, perturbar. O amor que acalma é aquele que brota da nostalgia que o rio transmite. As águas descendo silentes transmitem paz. O amor que perturba é o que se tem pelo rio que está morrendo pelas ações irresponsáveis do homem. Isso é perturbador! “Sou rio tranqüilo e céu revolto”. Aqui nota-se um movimento antitético nas palavras. A voz poética oscila do sereno (tranqüilo) ao tempestivo (revolto). O confronto de palavras que encerram idéia de oposição é recorrente no poema, como se vê nestes fragmentos: “Tocantins em chama”, “sol que se afoga”, “suave [...] espanto”, “luz que cega”. O poema se encerra sem um fechamento. Não há um desfecho final. Mas ele faz um movimento intencional de evocação da solidão. A solidão que sempre se afigurou como o elemento pungente de quase toda a poesia romântica. Em Angústia, é bom que se diga, a solidão não está apenas no final do poema. Embora o termo apareça, solitário, uma única vez em toda a obra, uma análise mais acurada vai mostrar que esta é a temática que flui de todos os versos. Não é preciso muito esforço para perceber que a solidão ocupa todos os espaços, nas entrelinhas e ao redor. Mesmo quando o autor faz referência a elementos da natureza ela está lá. É a solidão do rio, da lua, do morcego e do pirilampo errante pela noite. Nesse particular, até o poeta está sozinho na sua percepção. Mas isso não deve detê-lo. A vida deve seguir o seu curso do modo que o faz o rio, o qual jamais se detém “em qualquer porto”. A obra termina com a palavra “grito”. É o grito que não quer calar. O grito de socorro. O grito dos ecologistas, dos amantes da natureza, daqueles com consciência. O grito que denuncia os crimes contra a natureza tão impunemente devastada por aqueles que são tão indiferentes a ela como a água que, embora cada vez mais escassa, ainda corre pelo Tocantins. CONTEXTO HISTÓRICO Utilizar o Rio Tocantins como objeto de poesia não é particularidade do poeta Ademir Brás. O rio já foi, e continuará sendo, inspiração para muitos autores da literatura regional. Não apenas por ser uma espécie de cartão postal, mas porque ele se afigura como testemunha imponente da história do povo desta região, desde os tempos mais remotos. Ele já foi a principal via de transporte nos auríferos anos do ciclo da castanha. Foi e continua sendo a principal fonte de subsistência das populações ribeirinhas, sem falar no seu potencial turístico na atualidade. Mas o rio está morrendo. O progresso trouxe conseqüências atrozes para o gigante aquoso. Além do desmatamento, que provoca o desmoronamento das ribanceiras e como conseqüência o assoreamento, o rio sofre com a poluição cada vez mais crescente. Os dejetos das áreas de garimpo são lançados sem escrúpulos nas águas e estão contaminando os peixes com mercúrio. Por outro lado, a falta de políticas adequadas de saneamento tem resultado na contaminação das águas através dos esgotos das cidades ribeirinhas. A poluição também vem das praias. A falta de maturidade e consciência faz com que todos os anos o rio receba toneladas e mais toneladas de lixo por ocasião do período de veraneio. Tudo isso sem falar na pesca predatória, na extração sem nenhum controle de seixo e areia e a construção de barragens que alteram o habitat natural de diversas espécies e prejudicam o equilíbrio do ecossistema. É esse cenário que o poeta Ademir Brás encontra para escrever o poema Angústia. O tema não poderia ser mais apropriado. Como não poderia ser outro o sentimento, tanto do poeta ao escrever a obra como de qualquer outro, com o mínimo de sensibilidade, que se deparar com essa triste realidade."

2 comentários:

Anônimo disse...

Ademir, mano velho, parabéns! É isso aí, meu irmão, quem conhece coisas e pessoas dá a elas o valor devido.
A gente escreve é para quem lê e entende. Quem não lê só merece mesmo a nossa comiseração, em alguns casos, ou a mais severa condenação, em outros. Fico sempre com os que lêem.
Abraço.
Valdinar Monteiro de Souza

Anônimo disse...

Carissimo Poeta Braz,
Sinto saudades do teu texto; acompanho as boas e más noticias de minha terrinha por teu Blog, fiquei muito contente com o reconhecimento de teu trabalho, o bacharel Laércio Ribeiro está certissimo
Sabes como ninguem falar dos rios e das ruas desta cidade.
Abração;

Saude e paz

Jucirene Araujo