Correio Braziliense
Arquivos do governo de 1980, até
então secretos, mostram a preocupação do extinto Serviço Nacional de
Informações (SNI) com a extração na jazida de ouro em Carajás, no Pará. Maior
receio era a infiltração de esquerdistas na região, que reuniu mais de 80 mil
pessoas.
Já tendo sido a maior jazida de
ouro do país, Serra Pelada, em Carajás (PA), foi motivo constante de
preocupação da comunidade de inteligência, durante o regime militar. Desde as
primeiras notícias sobre a descoberta do mineral, em março de 1980, o então
Serviço Nacional de Informações (SNI) acompanhou o cotidiano da região, o
nascimento dos pequenos vilarejos e, principalmente, a possibilidade de
infiltração de esquerdistas. A vigilância, que durou quase 10 anos, resultou em
vários informes e fotografias que registram os primeiros momentos do garimpo
que um dia chegou a ser chamado de formigueiro humano por ter reunido mais de
80 mil pessoas.
Os documentos praticamente
relatam a história do maior garimpo brasileiro, mostrando seu apogeu até a
decadência — iniciada três anos após a descoberta. "Notícia divulgada pela
Rádio Nacional de Brasília, versando sobre liberação de garimpagem no sul do
Pará, originou o afluxo de cinco a seis mil na área do sudeste da Serra Leste,
ou Serra Pelada, em Carajás", diz informe do SNI, anunciando a jazida, em
20 de maio de 1980. No documento estão anexados dois mapas da região. A
comunidade de informações mantinha seus homens na área, mas também recebia
relatórios de outras instituições, como o Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM).
O sul do Pará chegou a receber
atenção especial do serviço secreto brasileiro por vários motivos, entre eles,
o político. Com o passar dos anos, o temor era a infiltração de manifestantes
de esquerda, como citava o informe de dezembro de 1983 — já com a região em início
de decadência — relatando a presença de militantes do MR-8 no local. "O
MR-8 teria logrado infiltrar armas de diversos calibres na área de Serra
Pelada", diz o relatório. "Estas armas estariam enterradas e seriam
usadas quando emitida a ordem do governo federal, visando encerrar a cata
manual naquele garimpo", ressalta o documento.
Também em 1983, o Congresso
discutia a manutenção dos garimpeiros em Serra Pelada em um projeto do então
deputado Sebastião Curió, o que representava um problema para o governo,
principalmente na área de saúde. "Sobre a dilatação do prazo de
permanência dos garimpeiros em Serra Pelada por mais cinco anos, ressalta-se: o
atendimento em saúde ficará altamente comprometido. Exemplo das dificuldades do
Ministério da Saúde é a recente evacuação de Serra Pelada de cerca de 60 casos
de pacientes portadores de febre ainda não identificada, já explorada pela
imprensa como peste", diz um informe de outubro de 1983.
O documento alerta que a situação
é crítica e que o número de mortos poderia ser superior ao de trabalhadores na
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, construída no início do século passado, que
chegou a mais de seis mil óbitos. Isso iria acontecer, segundo o SNI, "se
providências e decisões governamentais de caráter geral não forem tomadas e
recursos não forem alocados à saúde". A pobreza da região é registrada
pelo SNI em fotos tiradas durante os quase 10 anos em que o órgão atuou na
região. As imagens mostram os primeiros comércios de ouro, o surgimento das
pequenas vilas — como o município de Curionópolis, hoje com 18 mil habitantes —
e a serra que, rapidamente, se transformou em uma gigantesca cratera.
Personagem da Guerrilha do
Araguaia
O Coronel Sebastião Rodrigues de
Moura, mais conhecido como Sebastião Curió, militar e ex-deputado federal, é
fundador da cidade de Curionópolis, no sul do Pará. Como militar, foi para o
sul da Amazônia para combater o movimento armado da Guerrilha do Araguaia, nas
décadas de 1960 e 1970, e nunca mais retornou, se tornando liderança política na
região. De acordo com estudos divulgados pelo Partido Comunista do Brasil,
Curió foi o responsável pelo trabalho de inteligência militar no combate à
guerrilha, utilizando informações obtidas de guerrilheiros capturados por meio
de tortura. No último dia 31 de agosto, a Justiça Federal do Pará aceitou a
denúncia do Ministério Público Federal contra o coronel. Ele responde pelo
sequestro de presos capturados na guerrilha.
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