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domingo, 1 de abril de 2007

Júlio César Costa

Há algum tempo, Júlio César Costa mandou-me parte dos seus trabalhos poéticos, que juntei a outros - igualmente bons - autores locais com a intenção de publicar. Editar e dar a lume, em Marabá, é um parto doloroso: não se tem apoio (empresarial ou oficial) e só quem se dá bem são as gráficas, que arrancam o couro dos interessados. Meses atrás, ao negociar uma possível publicação, falei entusiasmado com ele e ele pediu uma cópia dos seus escritos, ficou de pensar e decidir. E decidiu: achou toda a sua produção, compilada por ele mesmo entre 1982/1992, uma porcaria, digna da lixeira, e recusou-se autorizar a divulgação. Bom. Júlio César é importante promotor público na nossa cidade e pode processar-me. Mas eu não posso guardar comigo o tesouro da sua poesia. Eis Júlio, por ele mesmo, e um pouco da sua verve. “O que me proporcionou inegável contato com a poesia moderna, foi, de fato, minha ida à Belém, no início dos anos 80, para estudar na Universidade. Estudar Direito e Ciências Sociais. Certamente por diletantismo e pelo fervor da idade, já tinha me aventurado a cometer versos entre os 12 e os 14 anos, e recebido mesmo um forte apoio da Professora Ivanir Tenório Ramos, a quem agradeço. Por esta época, quando também participava do Mojumaexto, que tive contato com o Memória Tribal de Ademir Braz, exposto na praça Duque de Caxias, ali no coreto, - numa de nossas inesquecíveis “feiras de arte” - muito parecida com a poesia no varal que iria encontrar em Belém nas tardes e noites da Praça do Carmo, ou na Feira do Açaí. Assim, lá na capital, pude conhecer Age de Carvalho e Max Martins, e através do primeiro, pude também chegar até Mário Faustino com sua poesia – experiência, obra fundamental para, inegavelmente, também contactar com Ezra Pound e o seu paideuma; embora em Marabá, mesmo com as limitações literárias, políticas, editoriais e comerciais, (que hoje, com os avanços, ainda persistem), já tivera obtido conhecimento com T. S. Eliot através da tradução de Ivan Junqueira e com o famoso “Como Fazer Versos”, de Maiakovski, que adquiri em razão de uma certa “militância” política (a efervescência era maravilhosa em razão da abertura e de um certo avanço nos costumes). Mesmo assim as crises existenciais persistiram, mesmo porquê típicas da adolescência, e porque não se concebe um poeta sem crises de existência..., e numa delas rasquei e toquei fogo nos poemas que tinha escrito até então... Na verdade, hoje posso confessar, rasguei meus poemas várias vezes depois, e por vários motivos; de um lado a intensa autocrítica em conhecer os melhores e com eles não poder comparar-se (o que na verdade era pura vaidade) e de outro lado a persistente timidez, dois traços do meu caráter e de minha personalidade que me acompanham até hoje, entrado em anos (menos a vaidade, é claro, que é um pecado e tenho procurado abandonar). A passagem do tempo, porém, favoreceu a coragem de publicar estes versos tímidos, e mesmo assim à la Ungaretti, uns bem poucos exemplares; não porque queira ser cult, mas por questões financeiras e de talento, com menos exemplares fica mais fácil ser esquecido , e logo, se a poesia não for das melhores. O peso da tradição é muito forte. Nunca esqueci o axioma de T.S, Eliot para quem somente é possível fazer poesia até os vinte e cincos anos; e a história do Rimbaud que escreveu apenas até os dezenove anos, salvo engano. Estou com meus trinta e seis anos, atravessando a idade da razão, e por incrível que pareça, ainda cometo versos. Para o bem ou para o mal, devo colocar-me sob julgamento público. Por isso esse modesto livro de poesias, mais exercícios poéticos, procurando imitar meus autores preferidos, Bandeira, Leminski, Pessoa, Age de Carvalho, Maiakovski, Drumond, Neruda, e. e. cuminngs, Orides Fontela, Pagão, que necessariamente uma poesia que posso chamar de autêntica, porque ainda considero-me naquele fase preconizada por Pound, de imitação dos grandes nomes. São poemas que sobraram de minhas destruições criadoras e outros, os últimos do livro, escritos há poucos dias. Há poemas que têm mais de quinze anos e outros não mais que poucos meses. Por fim, confesso que a publicação não doeu tanto como eu imaginava, e que sinto-me imensamente feliz em continuar a fazer poesia e de gostar de poesia, com a mesma intensidade de quase dezesseis anos atrás. O que revela que consegui ultrapassar a fase preconizada pelos grandes, com relação à idade ou ainda, possa ser que não amadureci de todo... O que seria bem melhor. Mas, arre, como falo. (Marabá, janeiro de 2001) Existencialismo eu que andei plantando rosas - ora, arre! - leitmotivs, vers libre, sartre... - eu quero mais é o poder da tarde! Presságio cada um com sua dor obscura sua negra cavidade cada qual com sua loucura, sua própria verdade e cada um de nós com sua dor oculta, sua tristeza disfarçada e a gruta que da alma esconde o presságio do Nada? fende este Sol, ao mês de dezembro - meu coração, como arde! Revolução não ao amor institucional oficial, amor de decreto não ao amor quieto reto amor de gravata não ao amor em lata em falta, amor de lógica não ao amor de loja, em cota, amor de régua não ao amor de tréguas tipo água, amor-medida, em bulas amor sim, como pedaços de nuvens... by Ricardo Campos II eu que trago o coração rasgado, em panos que tenho sentido o passar dos anos sem nada fazer amar - constante palavra malamar, sorrir e sofrer dizer o que não sinto às vezes esquecer mas tenho vivido com possibilidades e aprendido que não posso ser tanto sou menos o que pareço quase nunca o que penso quero ser muito quero o que não caiba a solidão que se assoma quero estar à faina, na labuta, a loucura possível, no lado escuro da lua velo pela chama acesa a clara luz da rua e pela raiva que quebra o vidro da redoma

5 comentários:

Anônimo disse...

Quanta beleza....fiquei imaginando, aqui e agora, como deve ser difícil não ter acesso às publicações imediatamente. E, com todo esse dilema, produzir essas maravilhas. Estou encantada com vocês. Parabéns!
Bjs,
Cris Moreno

Ademir Braz disse...

Cris, tu nombre es una melodia.
Veja, meus livros modestos têm servido de tema para TCCs, que a UFPA não publica nem deixa ninguém ler, a pretexto de direito do autor. Ora, se a universidade é pública, porque o produto imediato do seu ensino (a tese de conclusão do curso gratuito) é particular, inacessível à sociedade que custeia o ensino?
Mas é o que dizem no campus, de sorte que você não pode pegar um trabalho desses, dissecar, divulgar.
Uma pesquisadora sensacional,Idelma, agora entre nós labutando na escola da Fundação Agroambiental do Tocantins Araguaia (Fata), gerida por sindicatos rurais, centrou sua tese nas mudanças históricas desta região, nas duas últimas décadas, e foi buscar seu material exatamente no que nós, poetas e cronistas da precária matéria do cotidiano, escrevemos neste período. Tenho uma cópia por gentileza dela - porque o trabalho está confinado à universidade de Goiânia.
Néviton Ferreira e Dauro Remor, por exemplo, músicos e compositores da melhor estirpe, estão há três anos tentando lançar um CD e ainda não conseguiram.
Na medida do possível, de vez em quando vou reproduzir neste blog as poesias de gente como Charles Trocate, castanhalense autodidata, militante desde criança do MST; o poeta, cronista e contista Jorge Luís Ribeiro, mineiro de origem e marabaense por infortúnio, bom de doer, mas que quase ninguém conhece.Entre nós existe a única escola de nanquim: pintores que continuam apurando a arte entre nós disseminada pelo velho Augusto Morbach e seu filho Pedro Morbach. Muitos evoluiram para óleo sobre tela e alguns até andaram pelo giz de cera, enquanto outros passeiam pela escultura como derivação da sua arte.
Alguns - poucos - já chegaram a expor em Belém, e pelo menos dois alcançaram patrocínio num circuito bancário que levou suas telas a mostras em São Paulo.
Como você vê, temos artistas excelentes, mas as chances são pontuais, um ou outro privilegiado.
Temos duas instituições ligadas à cultura e arte, mas, acredite, vivem à mingua de tudo: a Secretaria de cultura (pobre e inexpressiva) e a Fundação Casa da Cultura, que tem nome de fundação, mas não tem autonomia administrativa e financeira, vive de migalhas do gabinete do prefeito.
Pelo Estado, a participação em seminários depende de indicação do gabinete do prefeito. Vem o convite para a Secult, esta encaminha ao burgomestre e ele, do alto da sua divindade, decide quem vai.
Agora imagina se seria possível alguma relação, neste sentido, entre mim e a administração pública, eu, crítico feroz do governo e que agora mesmo está processando, via ação popular, todos os doze vereadores da cidade?
Legal, né. Este governo acabou com todas as atividades culturais populares de marabá, imagine;

Anônimo disse...

Imagino, e como imagino. E sofro com tudo isso. Tenho umas idéias. Vamos retornar ao assunto.
Bjs, boa sorte e cuidado.
Cris Moreno

Citadino Kane disse...

Quaradouro,
É bom saber que existe uma resistência cultural em Marabá.
Abraços,
Pedro

Val-André Mutran  disse...

Gosto muito da visceralidade de meu amigo o Dr. Júlio Cesar.
Estilo com influências filosóficas - puxadas para o existencialismo sartreano. Realmente muito bom.
E lá em cima temos o Borges marabaense, o Jorge Luis, outro craque.
O espaço, só pelas revelações, já vale um prêmio pelo resgate do talento poético local.
Viva 94 anos, Marabá.