segunda-feira, 30 de julho de 2007
Vamos falar de cultura?
Recebi do advogado e amigo Valdimar Barros o artigo abaixo transcrito que aborda atividades supostamente culturais em Marabá mas, contudo, porém todavia, prestam-se apenas para o beneficiamento de alguns, já beneficiários de outros privilégios não tão transparentes.
O texto é longo mas, paciência, é também um convite ao debate, pelo que desafio meus leitores a se manifestarem com objetividade e propriedade.
Vamos ao tema:
Coisas de Marabá
“Capangas” particulares têm Poder de Polícia, Forças Armadas não têm! Ou poderia dizer, de outra maneira, o bem público é uma coisa e o particular é a mesma coisa.
Valdimar Lopes Barros*
Há algum tempo atrás fomos envolvidos em um grande debate nacional sobre o Poder de Polícia das Forças Armadas, em especial do Exército Brasileiro, quando de sua “intervenção” nas favelas do Rio de Janeiro para combater o crime organizado.
Quantos e quantos expressivos doutrinadores do Direito se manifestaram para debater a constitucionalidade ou não de tal “intervenção”?
Quero colocar claro que não sou um grande admirador das Forças Armadas, tenho na realidade uma compreensão clara do papel desempenhado pelas instituições que a compõe durante o período do regime militar que imperou em nosso País. Mas, por outro lado, tenho um grande respeito ao papel que tais instituições desempenham na defesa da soberania nacional.
Há pelo menos dois anos pensei em escrever este artigo. Segurei-me! Com certeza seria rotulado de radical. Muito provavelmente continuarei sendo rotulado assim.
Contudo, cheguei à conclusão que, mesmo enfrentando as críticas, não seria correto comigo mesmo e nem com a própria sociedade, continuar me omitindo em tecer algumas opiniões sobre o tema, frente à completa unanimidade da “opinião pública” em aceitar tais posicionamentos, ou melhor, tais eventos como algo imensamente positivo, expressões “máximas” de nossa cultura. Cultura? Que cultura é essa? Nós temos sim nossa cultura, nosso folclore, nossas tradições, apesar de muitos acharem que não, e que, por isso, podem importar e impor culturas de outras regiões que em nada tem a ver com a formação histórica e cultural do povo que aqui vive.
Por certo, nossa cultura não é essa versão “ona lulu”, “havaiana” ou mesmo “axeana” (baiana) que incutem em impregnar em nossa mente.
Sem dúvidas, existem algumas coisas que acontecem em nossa terra que são revoltantes de se ver.
Sou filho de Marabá. Nasci e vivi a quase totalidade de minha vida no bairro de Santa Rosa, mais precisamente na Beira do Rio, na Avenida Marechal Deodoro (os mais antigos chamam de Marabazinho). Hoje, apesar de não morar naquele adorado bairro, continuo residindo em nossa Velha Marabá.
Recordo-me que um certo dia, quando ainda morava na Beira do Rio, estava me deslocando na Marechal, na altura da Praça do Pescador, quando fui surpreendido por uma “cerca”, uma barreira de corda e diversos “capangas”[1] ao redor que impediam que as pessoas trafegassem livremente pela referida rua. Fui forçado a “arrudiar” pelas mesas colocadas na calçada do hoje “Restaurante Tucunaré”, pedindo licença entre os clientes, para poder chegar ao meu destino. Logo depois, após indagar a algumas pessoas, fiquei sabendo que ali haveria um evento festivo e que somente poderia estar naquela área cercada quem comprasse um tal de “abadá”, que até então só tinha ouvido falar pela televisão.
Fiquei extremamente revoltado em me ver numa situação de ter meu direito de ir e vir pela rua que vivi durante toda a minha vida, de repente cerceado porque alguém resolveu lucrar alguns trocados e exigir que as pessoas comprassem uma camiseta colorida para poder ter o direito de estar ali.
Nos dias atuais tal evento se tornou corriqueiro, em especial depois da revitalização da beira do Rio Tocantins, atualmente chamada de orla.
No início de tal evento, me recordo que o comentário na cidade (não sei até que ponto tal comentário tinha fundamento) era que iriam mesmo cercar a praça e cobrar entrada. O certo é que tal situação não prosperou. Mas, por outro lado, procurou-se um meio de, disfarçadamente, restringir e lucrar, e bem, com o uso do espaço público: vendendo uma camiseta colorida para quem pudesse pagar e aos que não tivessem o quantum exigido ou não quisesse comprar, teria que passar pelo constrangimento de ser revistados (apalpados) em um espaço público por “capangas” particulares. Ou seja, através desse artifício, foi concedido um inovador Poder de Polícia a particulares.
Ressalta-se que o Poder de Polícia, exclusivo do Estado (exclusivo porque exclui seu exercício por qualquer outra pessoa que não seja o ente estatal), é indelegável, melhor dizendo, não pode ser dado, concedido a qualquer particular.
É admirável, maravilhoso, estupendo e tantos outros adjetivos imagináveis, o Poder concedido, por não sei quem, a “capangas” particulares, investidos de um poder ilegítimo e ilegal, de abordagem e REVISTA em um espaço público (que ressalta-se é bem de uso comum do povo[2] que, por regra, seu uso é garantido à coletividade, sem discriminação ou restrições, sendo gratuito e que atenda ao interesse público), podendo apalpar, inclusive nas suas partes íntimas, cidadãos comuns ou mesmo qualquer outro cidadão que esteja investido pelo Estado de poderes e prerrogativas tais como juízes, promotores, procuradores, desembargadores, agentes e delegados da Polícia Federal, praças e oficiais do Exército Brasileiro ou de qualquer outra instituição integrante das Forças Armadas, entre outras autoridades.
Resumidamente, questionam alguns que o Exército Brasileiro, instituição constitucionalmente reconhecida, não é possuidor de poder de polícia, assim pensado como, em tempos de paz, o poder de abordar cidadãos, revistar, agir de forma efetiva na prevenção e combate à prática de ilícitos penais, mesmo que ordenado pelo seu chefe supremo, o presidente da República.
Mas, aqui em Marabá, ninguém questiona o Poder de Polícia de “capangas” particulares que se revestem indevidamente de uma autoridade, e sem nenhuma resistência, revistam, apalpam pessoas comuns e autoridades (verdadeiras) que queiram trafegar em um bem de uso comum do povo, no qual quem deveria garantir a segurança da população e revistar, apalpar, se necessário fosse, seria a instituição constitucionalmente responsável pelo policiamento preventivo e ostensivo, no caso a Polícia Militar.
Pior é pensarmos que apenas os cidadãos que não puderam ou não quiseram comprar a tal da camiseta colorida é que estão passíveis de tal revista. Ou seja, passou-se a qualificar como possíveis “meliantes” os que não têm condições de adquirir uma indumentária carnavalesca ou os que, mesmo podendo comprar, não se enquadraram à cultura estrangeira imposta.
É incrível como todos nós, cidadãos e mesmo autoridades constituídas, temos uma complacência com tais situações.
É incrível como admitimos o constante uso de espaços públicos em benefício de particulares, sem, em nenhum momento, sentirmos uma gota sequer de indignação. Ou se sentimos, temos uma imensa capacidade de contê-la para si.
E os custos desse uso? Por quanto é cedido tais bens públicos para exploração por particulares? Quanto que lucram? Quanto que o poder público “patrocina” a esses particulares? Lembrem-se, esses bens são de todos nós! Não pertencem ao administrador público que é responsável por geri-lo.
Na mesma linha, podemos falar de um já famoso evento que tem ocorrido nos últimos anos na Praia do Tucunaré, onde cobram cerca de um salário mínimo por uma mesa para poder se desfrutar das belezas arranjadas em um área cercada e restrita de um bem pertencente à União, bem esse também de uso comum do povo[3].
Tudo sempre começa assim: uma festa paga em espaço público, ninguém fala, ninguém reclama. Depois vem outra, e mais outra. O Público começa a se tornar Privado, e o que era exceção se torna regra. E todos nós aceitamos. E o pior: isso se torna “cultura”. Só não sei de quem!?
Tais eventos parecem mais um “apartheid” social em que somente uma “elite” que pode pagar caro pelo passe livre, poderá desfrutar de todos os seus prazeres, enquanto que o restante da sociedade tem que se sujeitar à revista de “capangas” particulares para poder ouvir um “sonsinho” e admirar os economicamente privilegiados se balançarem protegidos por cordas e mais outros “capangas”; ou, noutro caso, acamparem e se amontoarem ao redor do “feudo” lual para olhar os fogos, admirar os iluminados que desfilam no “cercado” e “roubar” um pouquinho do seu som.
E nisso tudo esquecemos dos nossos imensos problemas, e agradecemos pelas maravilhosas benesses alegóricas que nos é propiciada.
São coisas de Marabá!
P.S.: Reflexão necessária: por que o Festival da Canção em Marabá (FECAM), grande expressão da música e da cultura local e regional, fora abandonado, deixado morrer? Talvez o FECAM, apesar de melhor representar nossa cultura, padecesse de um pressuposto necessário para a realização de eventos culturais em nossa cidade: não gera lucros, dividendos, “baba”, “dindin”, pelo menos não direta e imediatamente para quem o realizava, no caso o Poder Público. Opta-se, então, o Poder Público pelo apoio, incentivo, patrocínio a outros tipos de eventos particulares, que atendam plenamente tal pressuposto, independentemente de fortalecer ou não nossas raízes culturais.
* O autor é bacharel em direito e servidor público federal.
Notas:
[1] Utilizo aqui o termo “capangas”, pesado, por certo, mas que necessita ser usado para bem explicitar a situação, mas não com o sentido de rotular ou ofender os que desempenharam tal função, mas apenas para dar o real sentido de que tratam-se de guarda-costas, protetores de indivíduos particulares, e não de agentes de segurança pública.
[2] O art. 99, inciso I do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) cita como exemplos de bens públicos de uso comum do povo os rios, mares, estradas, ruas e praças.
[3] A Lei nº 7.661 (Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro), prevê em seu art. 10 que, “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”. Apesar de tal artigo citar “mar”, tal acepção é reconhecidamente empregada para qualquer tipo de praia, seja de água salgada ou de água doce.
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5 comentários:
Meu Caro Amigo,
Meu nome é João Carlos.
Morei em Marabá, idos de 89 a 91, vivi uma grande cheia, mudei às pressas, não acreditava que o rio fosse encher as ruas daquela forma, demorei.
Mas, te escrevo, acerca de um "LP", do WADA PAZ, Maleáveis e Fexíveis. Meu caro, já pesquisei, não encontro nada, nem na internet.
Se você pudesse me ajudar, agradeceria muito.
Grato!
jocaroc16@yahoo.com.br
Bem vindo, João!
Olha, eu já tive um desses LPs (inclusive tenho nele algumas músicas em parceria com o Wada, uma delas gravada pelo excelentíssimo Walter Bandeira, "A terceira mutação de Esoj"), mas algum a alma caridosa pegou emprestado e esqueceu de devolver.
De qualquer forma, vou ver com nosso amigo Plínio Pinheiro (que recentemente me deu cópia do Ama Zona, 2º LP do Wada, onde também tenho uns pitacos)se ele tem e pode nos dar duas cópias - uma pra você, outra pra mim.
manda teu endereço para o ademirbraz@hotmail.com, pra gente ver como fica.
Abraços (e obrigado pela visita ao blog)
Tive o despazer de ser baculejdo por esses "capangas" que quase me deixava rendido de tanta força nos testiculos. È brincaderia mesmo o que fazem aqui em Marabá, acho que para agradar os neomarabasulistas que aqui vem e impregnam uma cultura desastrosa.
parabéns valdimar
Com relação ao artigo do Colega Valdinar, assino embaixo e nos lados.
E com o diria Boris Casoy: "Isso é uma vergonha!"
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