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quinta-feira, 1 de maio de 2008

As origens e causas da violência

Acidentes de trânsito, latrocínio, homicídio, assaltos, arrombamentos, todos os atos criminosos contra as pessoas na forma de discriminação e preconceito e, tanto ou mais grave quanto isso tudo, a negação dos direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, como previstos no art. 6º da Constituição Federal. Estas são as formas habituais e crescentes de violência urbana no Sul e Sudeste do Estado. Na zona rural, campeia igualmente a brutalidade. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que tem sistematizado dados sobre a violência em conflitos pela posse da terra em todo o país, registra uma sucessão de 706 assassinatos de trabalhadores no Pará entre 1971 e 2001, sendo que 534 ocorreram por aqui mesmo. Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, produzido em 2001, constata: “Um dado demonstra a persistência dessas violações contra trabalhadores rurais: na primeira metade desses 30 anos foram mortos 340 e na segunda metade, 366. No período 1995-2001 foram assassina¬dos 90 trabalhadores rurais nas citadas regiões. Dados comparativos apresentados pela CPT indicam que esta é a região mais atingida pela tragédia dos conflitos fundiários em todo o Brasil”. Há anos, portanto, ninguém está a salvo. Da raia miúda e inculta ao dignatário eivado da beatífica felicidade episcopal, ninguém está livre neste vale de lágrimas. Deu na grande imprensa esta semana que pelo menos três bispos católicos estão marcados para morrer no Pará: dom Erwin Kräutler (de Altamira), dom Luiz Ascona (Marajó), e dom Flávio Giovenale (Abaetetuba). Eles entraram na ‘lista da morte’ de fazendeiros e traficantes, diz a imprensa, devido à atuação contra a grilagem de terras, derrubada e tráfico de madeira e de drogas, tráfico de mulheres (crianças e adolescentes) para a prostituição na Guiana e na Europa. A situação enfrentada pelos religiosos causa preocupação aos integrantes da Comissão da Amazônia da Câmara. Para discutir esta questão específica, a Comissão promove audiência pública no dia 6 de maio. Nós, a raia miúda, nem chegamos ao horizonte das preocupações da respeitável comissão. Terra inóspita A ocupação desta parte da Amazônia, empreendida sobretudo a partir dos anos 70, já veio ao molho bárbaro e sistêmico da violência e impunidade. Na origem desse processo está a conflituosa ocupação da terra nessa que é a mais populosa fronteira de ocupação agropecuária e extrativista do país. Inicialmente, os impulsos desse movimento demográfico vieram, de um lado, dos governos militares, que estimularam a ocupação em alta escala, por representantes do grande capital, de uma área equivalente à da Itália, em apenas 40 anos. De outro lado, confluíram para a região, através das novas rodovias, grandes contingentes de lavradores atraídos pelo garimpo e pela chance de possuir um pedaço de terra para plantar e viver. O Estado não conseguiu, nem de longe, acompanhar a velocidade da ocupação. Além disso, aponta o relatório da Comissão dos Direitos Humanos, a atuação das instituições do Estado – tanto do governo federal quanto do governo estadual – foi socialmente perversa ao longo dos últimos 30 anos, quando o Estado alternou sua ação em duas linhas. A primeira foi a de mobilizar suas agências, como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e seu aparato de segurança pública em favor de interesses privados ligados aos grandes proprietários de terra e contra os pequenos agricultores sem-terra. A segunda linha foi a da omissão do poder público exatamente onde ele mais se faz necessário, face às fortíssimas desigualdades entre os sujeitos sociais em disputa. “São recorrentes os relatos sobre a ausência de força policial em defesa da cidadania dos trabalhadores rurais, omissão diante da pistolagem e da formação de milícias por latifun¬diários, omissão diante de notórias fraudes na titulação de terras públicas por latifundiários, carência de juízes, promotores e de policiais, falta de condições de trabalho para esses agentes públicos, alarmantes deficiências nos serviços públicos de modo geral”. “Inação, negligência...” Em 1997, vistoria in loco no Sul do Pará relatada pela Comissão Interam-ericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Ameri¬canos (OEA) pôs o dedo na cesura ao registrar “a existência de uma situação real de temor da população e das autoridades e de impotência em face da impunidade. Tanto a situação é atribuível à inação, à negligência e à incapacidade do sistema policial e judicial (quanto) às óbvias conexões entre delinqüentes e intimidação dos diferentes poderes e, além disso, à própria intimi¬dação que estas sofrem”. Hoje, se você refletir sobre tal situação verificará que alguma coisa mudou de 2001 em diante: aumentou o número de execuções sumárias e impunes, por exemplo. Cresceu o desemprego que desestrutura famílias. Calcula-se em dezenas de milhares o déficit de moradias populares. Avulta a espantosa delinqüência da juventude cada vez mais precoce e violenta, sem escolas, sem áreas de lazer, acesso a cursos técnicos, nenhuma válvula de escape, nenhum futuro. O volume de drogas apreendidas no mercado parece incluir a região na rota do tráfico. Não obstante, preocupada apenas com a garantia de seu patrimônio, a sociedade regional clama pelo estado repressivo quando, na realidade, faltam políticas públicas de médio e longo prazos voltadas para aqueles direitos fundamentais básicos relatados ali na introdução desta análise, para uma situação mais justa e igualitária. Sem isso, nunca haverá luz no fim do túnel.

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