terça-feira, 21 de outubro de 2008
A poesia feroz de Charles Trocate
Sobre a cegueira
Passo a passo vou lento a lugares dispersos
Arrancando-os da nostalgia
O chá é uma invenção tão antiga!
Depois uma mania esnobe e agora coisa iníqua de si mesma.
A política está deserta
E sem geografia.
O chá esquenta
A cidade de concreto à minha frente se desfaça
Aestética
Do frio engole a minha
Voz
Nas mãos planejo
O rumo que os olhos imploram.
(Não sou mais um entre teus seios, Paulicéia!
Tenho pátria e planeta e nele não habitas.
Eu julgo o que é mágico!
E se tive necessidade de amor, entenda, fui amante)
Estou invisível
O gesto que faço é descaso a todos
A barba enorme
Herança genética do meu pai (já desmoronado na historia)
Não imita o Papai Noel
Farsa que a paciência namora
Segue o rótulo
O peso monetário que muitos se fartam
A polêmica sobre isso e aquilo
Não vem ao baile do presente!
Recorro à tua medicina de dólares
Entre médico e medicina não há rima,
O café amargo indica o calvário
Teses não nos dão primavera e outras festas
Sirvo-me de tuas comidas
Indústrias
E postulo uma idéia
O dragão da hipocrisia está solto e vadia em tuas clinicas.
Meu glaucoma
É um patrimônio, um monumento calado em tuas avenidas.
Não quero um Drummond
Nessa cidade
O livro é um objeto fraco
O pensar
É inútil como o mendigo e seu
horizonte!
A poesia
Foi sentenciada
Supérflua
Ignota vastidão de formas
O país
Que habito apenas noticia no jornal!
Prossigo
A elegância das coisas morde e dissipa
Talvez eu esteja faminto
Mas pode ser apenas uma hipótese
Aos donos do Ibope
Um só céu
E um só amém batizam cifras, números, mercados
Na feira de gravatas tecnocratas vendem
O saciável
O paladino de todas as manhãs!
Tergiverso...
A economia tem mais sotaque
Que pessoas
A vida comentada segue em um só compasso
[em um só desespero!
A cidade perfura
O intestino das horas
Com mitos e desleixos
Suas classes
Seus pés e seus sapatos impactam o planeta.
Nos olhares
Nem imaginava
A tristeza é um dogma
Um lapso sem delírio
Onde o fantasma habita sem pudor
Não é guarda na multidão de automóveis
Impacientes!
Êta
Geração hedonista
O umbigo é um piercing
O corpo uma tatuagem despreparada
O ócio é negócio
E a propriedade, aliança
Da mão que não é para carícias
Desse cacto
O homem reflui
E salta.
Do alto de uma ideologia precária,
Escapado da morte,
Caminha (indivisível)
solitário.
Plantado
Na arte do nada.
A solidão
Das coisas (sempre elas)
Arrepia o estomago, a beleza
E o aço dos arranha-céus não admite
[a mentira?
A lírica pública
A quem se interessar
Está enforcada nos autdoors da existência
Que comercializam!
Comercializam!
Comercializam!
Íngreme cidade,
Quem te saúda nesse sepulcro?
Aos meus vizinhos de sempre, falo
O mundo é arte em grego
Filosofa em alemão (foi um poetinha brasileiro que chegou a essa síntese)
Dança em africano, o trabalho ficou escravo
e está nas tuas riquezas imberbes
Se corrompe com a América que tu és parte,
O império coloca bomba na cabeça do mundo!
E sabe do vermelho alguma coisa
Pela China!
Enquanto vale o jejum
Penso nas distancias e na crise mundial novamente do capitalismo
Que em Marabá já fechou duas bocas do seu inferno
Sei da minha cidade pelo poeta Ademir Braz
Que não a ama mais, como eu.
Sou hospede cansado
Desses acontecimentos!
(Charles Trocate, São Paulo, out.2008)
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4 comentários:
Se faltar colírio para suportar o glaucoma, sobrará sempre poesia retida nos olhos de Trocate que troca de barba em certos dias de mistérios.
Incansável a militância de Ademir na lida de produzir arte sempre.
Que delícia de navegar nessas genialidades sem rótulos, mas com muita garrafas de cervejas.
Caramba, Rivelino, como vai? Você está em Redenção ou Xinguara? De qualquer forma, me faz um favor: contacta aí a turma que gosta de escrever porque estamos fundando a Academia Sul-Paraense de Letras e precisamos integrar os ilustres escribas desta região inteira.
Um abraço!
O Trocate já me falou deste projeto numa das nossas pingas... impolgante! Tem gente boa por aqui sim...
Estou em Xinguara, mas conheço a turma de toda a região...
Se quizer te mando alguma coisa do que se aventuram nas escritas por aqui pra vc ter uma idéia.. tem qualidade...
Parabéns pelo projeto, por este espaço e pela coragem das matérias postadas como a "Faroeste"!!!
Abraço, amigo!
O Trocate é mesmo um grande poeta.
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