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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Cores

Ademir Braz
 photo credit: Piotr Zurek
Em junho as noites são frescas e doces. Os bares põem cadeiras ao longo do cais, e ao embalo das águas passa-se o tempo. Toca às vezes música dos anos sessenta e ouço a brisa em minha pele ressequida por antigos verões
Na outra margem, a praia é um corpo de mulher esparramado ao luar.
A praia!... Do alto da montanha que abriga a igreja de Nossa Senhora da Penha, meu coração incontrolável arremessou-se aos ventos e espatifou-se para sempre nas areias da capixaba Vila Velha
(De Alagoas, não falo. Sob o céu alagoano respira uma pequena sereia de olhos claros e ferro nos dentes que faz programas com marujos e bucaneiros enquanto sonha com um cavaleiro encantado que virá, entre fadas, arrebatá-la num corcel alado).
A luz do verão, para mim, animal notívago, recorda crises de sinusite. Doem-me a fronte e as têmporas, dói o respirar, é difícil conciliar com o sol a ternura da cerveja repousada entre espumas. Um dia, um amigo ensinou-me um remédio caseiro: eu deveria, disse ele, cortar em 4 partes uma buchinha, depois em outras 4 porções e, por fim, colocar uma dessas divisões mínimas de molho durante um dia em 20 mililitros de água destilada. Segui à risca o conselho. Depois bebi, envenenei-me, morri. 
Não era de beber: era para botar uma gota duas vezes por dia no nariz.
Todas as praias são bonitas, suponho. Do Nordeste conheço poucas - uma ou duas de Fortaleza, uma de São Luiz - e algumas, no Pará, que sequer constam dos mapas turísticos. Ilha de Romana é uma dessas, até onde sei. Para alcançá-la, tive de adular quase uma semana os pescadores artesanais que partem da corrutela chamada "Abade", próxima às espantosas ruínas de Curuçá, e que me largaram em pleno mar, distante da praia, a pretexto de que era raso e não havia porto nem como o barco chegar mais perto da terra firme.
Caminhei mais de um quilômetro no mar, com a água pela cintura, mochila às costas, a companheira travada de pavor. Então o paraíso desabou diante dos meus olhos: uma prancha de areias finas como sal, igualmente brancas, 16 pessoas vivendo entre "currais de peixe", muito sol e uma solidão luminosa sob a qual se passa e repassa o sentido da vida e de repente nada existe além da cumplicidade eleita entre o olhar e a presença áspera do mar.
Recordo que fiquei um mês longe de rádios, tevês, jornais, vendo a luz dar ao mar nuanças do verde-safira ao róseo-açafrão, cores que tive de nomear assim mesmo para melhor retê-las no fundo dos olhos e do coração. Lembro de um único livro que andava comigo, então, entre pães ressequidos, aguardente, charque, açúcar e saquinhos de café: uma coletânea dos ensinos de Rajnheeshi sobre o amor sem fronteiras e sem normas e da necessidade de perceber-se que viver é o ato que se renova permanentemente, a cada instante.

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