photo credit: Piotr Zurek |
Na outra margem , a praia é um corpo de mulher esparramado ao luar .
A praia !... Do alto da montanha que abriga a igreja de Nossa Senhora da Penha , meu coração incontrolável arremessou-se aos ventos e espatifou-se para sempre nas areias da capixaba Vila Velha .
(De Alagoas, não falo . Sob o céu alagoano respira uma pequena sereia de olhos claros e ferro nos dentes que faz programas com marujos e bucaneiros enquanto sonha com um cavaleiro encantado que virá, entre fadas , arrebatá-la num corcel alado ).
A luz do verão , para mim , animal notívago , recorda crises de sinusite . Doem-me a fronte e as têmporas , dói o respirar , é difícil conciliar com o sol a ternura da cerveja repousada entre espumas . Um dia , um amigo ensinou-me um remédio caseiro : eu deveria, disse ele , cortar em 4 partes uma buchinha, depois em outras 4 porções e, por fim , colocar uma dessas divisões mínimas de molho durante um dia em 20 mililitros de água destilada . Segui à risca o conselho . Depois bebi, envenenei-me, morri.
Todas as praias são bonitas, suponho. Do Nordeste conheço poucas - uma ou duas de Fortaleza , uma de São Luiz - e algumas, no Pará , que sequer constam dos mapas turísticos. Ilha de Romana é uma dessas, até onde sei. Para alcançá-la, tive de adular quase uma semana os pescadores artesanais que partem da corrutela chamada "Abade ", próxima às espantosas ruínas de Curuçá, e que me largaram em pleno mar , distante da praia , a pretexto de que era raso e não havia porto nem como o barco chegar mais perto da terra firme .
Caminhei mais de um quilômetro no mar , com a água pela cintura , mochila às costas , a companheira travada de pavor . Então o paraíso desabou diante dos meus olhos : uma prancha de areias finas como sal , igualmente brancas, 16 pessoas vivendo entre "currais de peixe ", muito sol e uma solidão luminosa sob a qual se passa e repassa o sentido da vida e de repente nada existe além da cumplicidade eleita entre o olhar e a presença áspera do mar .
Recordo que fiquei um mês longe de rádios , tevês , jornais , vendo a luz dar ao mar nuanças do verde-safira ao róseo-açafrão, cores que tive de nomear assim mesmo para melhor retê-las no fundo dos olhos e do coração . Lembro de um único livro que andava comigo , então , entre pães ressequidos, aguardente , charque , açúcar e saquinhos de café : uma coletânea dos ensinos de Rajnheeshi sobre o amor sem fronteiras e sem normas e da necessidade de perceber-se que viver é o ato que se renova permanentemente , a cada instante .
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