“O local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em
cinzas qualquer vestígio humano. A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos
militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade
econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal
da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros
benefícios que o Estado poderia prestar.” (Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS)
“A título de sugestão, optando pela retirada
forçada, deve-se agir sem aviso prévio, compartimentada, mais cedo possível,
despejando-se imediatamente, com o mínimo de diálogo, todos aqueles que estiverem
nas construções, bem como os seus pertences, prendendo se necessário e na
seqüência, destruir as casas.” (Adriano Dias Teixeira Amorim do Vale – Delegado
Federal – Dezembro de 2005)
Em 1997, a área no município de Campos dos
Goytacazes (RJ) onde as usinas de açúcar Cambahyba, Santa Maria, Carapebus e
Quissamã se localizam, composta por sete fazendas que totalizam 3500 hectares,
foi considerada improdutiva. Mas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), com exceção de uma área de 550 hectares – que deu origem ao
assentamento Via Lopes -, até hoje não foi capaz de realizar as desapropriações
em toda a área, pois o Poder Judiciário acatou liminares dos proprietários.
Para Fernando Moura, da coordenação do MST,
“essa morosidade revela o poder dos fazendeiros. Vale lembrar que as áreas têm
dívidas grandes com a União, além do fato de ter sido encontrado trabalhadores
em condições análogas à escravidão na região”.
Violência interminável
Um fato até então desconhecido sobre a usina
de Cambahyba chocou a sociedade brasileira. A usina foi palco, no período da
Ditadura Militar, de um crime bárbaro. O ex-delegado do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS), Cláudio Guerra, conta no livro Memórias de uma Guerra
Suja que a usina de Cambahyba foi usada pelos militares para incinerar corpos
de militantes de esquerda que haviam sido mortos devido às torturas praticadas
pelo regime em órgãos como o próprio DOPS. Guerra conta que ele mesmo incinerou
dez corpos, dentre os quais estavam os de David Capistrano, João Massena Mello,
José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do Partido
Comunista Brasileiro (PCB).
“Em determinado momento da guerra contra os
adversários do regime passamos a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados
na luta clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos ter um plano.
Embora a imprensa estivesse sob censura, havia resistência interna e no
exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes”, relata Guerra.
A solução encontrada foi utilizar os fornos da
usina e queimar os corpos, de forma a não deixar vestígios. A usina, à época,
era propriedade do ex-vice-governador do estado do Rio, Heli Ribeiro, que topou
o acordo, pois ele “faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse
o poder no Brasil”. Além disso, o regime militar oferecia armas a Heli para que
ele combatesse os sem terra da região.
Passados décadas desse trágico episódio, a
violência na região de Cambahyba continua. Em 2006, o acampamento Oziel Alves,
que abrigava 150 famílias sem terra há mais de seis anos, foi destruído em uma
operação pelas polícias militar e federal, com aval da Justiça do Estado e
acompanhados do dono usina, Cristóvão Lisandro.
Não houve diálogo nem negociação com a
população, que além de habitar a área, produzia hortifrutigranjeiros e gado de
leite: as pessoas foram retiradas à força de seus lares, sem poder salvar seus
pertences. As estradas próximas ao acampamento foram trancadas, o que impediu
que a imprensa pudesse cobrir os fatos quando a operação começou – ela só teve
acesso ao acampamento cinco horas após o início da operação policial -, e os
policiais entraram nas casas sem apresentar ordem judicial, destruindo
pertences dos moradores.
Os Sem Terra que tentaram negociar foram
presos, agredidos física e moralmente, e só saíram da delegacia após assinarem
declaração de que portavam “armas brancas”, que eram na verdade as ferramentas
de trabalho dos produtores. Após a revista nas casas pelos policiais, elas
foram derrubadas por máquinas, deixando os moradores sem qualquer amparo.
Desapropriação
Francisco conta que, desde outubro do ano
passado, a decisão de desapropriar as áreas está na 2ª Vara de Justiça do
Estado. O MST pretende pressionar para que a decisão seja favorável à Reforma
Agrária. Segundo Francisco, após saber do passado trágico da usina, diz que “a
violência da Ditadura e do latifúndio tem uma relação grande. Agora, a luta se
intensifica, para tornar esta terra produtiva com a Reforma Agrária e denunciar
a postura de um Judiciário que favorece os proprietários”.
José Coutinho Júnior é jornalista. Fonte: Correio do
Brasil
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