Ex-motorista se diz ameaçado por Curió
Domingo, 06/03/2011, 03:26:08
(Foto: Divulgação)
O ex-motorista do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Marabá, Valdim Pereira de Souza, que nos anos 70, durante a guerrilha do Araguaia - movimento que pregava uma revolução das massas camponesas para derrubar a ditadura militar implantada no país em 1964 -, colaborou com os militares, recolhendo ossos humanos de guerrilheiros mortos pelo Exército, prestou na semana passada em Marabá um depoimento em que acusa o coronel Sebastião Curió de usar pessoas a ele ligadas para ameaçá-lo de represálias caso colabore com o Grupo Tocantins, que busca localizar corpos dos insurretos que ainda estariam enterrados na região. Curió teve intensa participação, como major do Exército, na repressão ao movimento guerrilheiro.
Souza já recebeu várias ameaças para ficar calado. Em dezembro do ano passado, em três ligações telefônicas para seu celular, ele foi aconselhado a “fechar a boca para não dizer besteiras”. Em uma das ligações, enfrentou quem o ameaçava: “Olha, nós não temos mais nada a perder”. A mãe do motorista também atendeu a um telefonema ameaçador em Macapá, onde o motorista morava: a voz advertia para ter muito cuidado com o que andava falando.
Em depoimento gravado num vídeo, cuja cópia foi obtida com exclusividade pelo DIÁRIO, Souza afirma que, para ele, Curió está por trás das ameaças. O motorista diz que fala com conhecimento de causa, porque já trabalhou para Curió por sete anos, entre 1976 e 1983, quando o ex-patrão comandou com mão de ferro o garimpo de Serra Pelada. “O Curió é corajoso e me disse certa vez que quem fala muito morre”, contou, revelando que o ex-agente do SNI queria que Souza fizesse coisas que não gostava, como seguir e escutar pessoas, inclusive amigos do motorista. E dizia para ele que “inimigo bom é inimigo morto”.
LIMPEZA
Um dos quatro ouvidores do Grupo de Trabalho do Tocantins e ex-representante do Pará junto ao Ministério da Defesa, no Programa Federal Comissão da Verdade, Paulo Fonteles Filho, que há vários anos luta para encontrar os corpos de guerrilheiros que militavam no PC do B, integrando uma força-tarefa de agentes federais, pediu a ex-soldados e outros militares das Forças Armadas, que hoje colaboram com o governo federal para localizar as vítimas, que denunciem as ameaças que também estariam sofrendo.
Para Souza, as ameaças não podem ficar impunes. Ele diz que ainda há militares, principalmente do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, de Marabá, que tentam negar que no quartel daquela unidade do Exército pessoas foram torturadas. Ele afirma que os ex-militares que colaboram com o Grupo Tocantins estão sendo vigiados.
Ossos recolhidos ao DNER
Em 1976, segundo o depoimento de Souza, ele participou da “Operação Limpeza”, denominação militar para o resgate de corpos e ossadas de guerrilheiros mortos na região. “Não tínhamos o direito de saber o que fazíamos, apenas cumprir a nossa obrigação e as determinações superiores”, revela. O trabalho dele era dirigir uma caminhonete do Incra. Era um carro descaracterizado, com placa fria. Foi várias vezes a Castanhal da Viúva, mas percorria também localidades como Bacaba, São Geraldo, São Domingos, Brejo Grande e Palestina.
A missão era trazer para a sede do antigo Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), em Marabá, vários sacos amarrados com um cordão. Os sacos pesavam cerca de 100 quilos e dentro, soube depois, por servidor do próprio DNER conhecido por “Pé na Cova”, havia ossos humanos. O cheiro era insuportável. Os homens do Exército que comandavam a operação eram o doutor Luchini (Sebastião Curió) e os sargentos Santa Cruz e Ribamar.
PROIBIÇÃO
Quem participava da “Operação Limpeza” era proibido de perguntar o que havia dentro dos sacos. Souza declarou que fez quatro viagens para transportar os sacos com as ossadas. Hoje, ele relembra, quem colaborou com o Exército “mal consegue levantar da cama, já morreu ou está muito doente, sem nada”. E desabafa: “não fizemos isso de livre e espontânea vontade, mas de livre e espontânea pressão”.
Sebastião Curió foi procurado pelo DIÁRIO em Curionópolis para apresentar sua versão do relato feito por seu ex-motorista, mas não foi localizado. A informação era de que ele morava em Brasília. Não foi possível localizá-lo na capital federal. (Diário do Pará)
2 comentários:
Caro Ademir,
Gostei de tua chamada lembrando-nos o terrível personagem da Transilvânia. Acontece que as draculíces daquele agente da repressão política nunca se afastaram da região onde ocorreu a guerrilha. Ele têm, sabemos, seus secretas e atuam para silenciar pessoas e não permitir que a sociedade brasileira saiba o que ocorreu por aqui naqueles tempos.
Questão à saber é se vamos nos intimidar e se nossas instituições democráticas aceitarão tais provocações.
A verdade, como a vida, corre a galope.
Paulo Fonteles Filho.
Caro Paulo:
Obrigado pela visita a Quaradouro. Sinto-me honrado. Seu pai me foi um amigo bissexto, daqueles que a gente vê só de vez em quando mas não0 esquece nunca. Quando ele vinha aqui, em geral nos juntávamos a ela, na casa do Ademir Martins ou na residência do bispo D. Estêvão Cardoso Avelar. Era sempre uma alegria! Inclusive tenho um livro com uma poesia dedicada a Paulo Fonteles.
Eram tempos difíceis! Ademir Martins no MEB, eu correspondente do Estadão - todos nós sob a vigilância implacável da ditadura numa cidade cheia de "pasteleiros" e paredes com ouvidos. Toda vez que eu conseguia publicar em São Paulo uma reportagem (e foram tantas!) sobre maltratos a camponeses e a luta pela terra, era levado a "prestar depoimento" ao 52 BIS, o famigerado "8", onde a turma do comandante Valder de Carvalho resolvia até brigas de vizinho!
Curió é só a seqüela mais visível desse iceberg nunca desfeito no sul/sudeste do Pará.
Um abraço!
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