A Vale sob ataque
Siderúrgicas apostam alto na mineração para melhorar os resultados
e, mais do que obter a autossuficiência, querem disputar o mercado externo
A Vale , segunda maior mineradora do mundo , está sendo atacada por rivais inusitados : seus próprios clientes , as siderúrgicas nacionais . As companhias investem cada vez mais em produção própria de minério de ferro , não apenas para suprir seu consumo , mas também para exportar o excedente ao aquecido mercado mundial. O movimento de verticalização, que começa a ameaçar o mercado da companhia liderada pelo executivo Murilo Ferreira , começou de maneira defensiva , há alguns anos , como reação à forte alta de preços de matéria-prima . “Os investimentos em mineração vieram para ficar ”, afirma o presidente do Instituto de Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes. “Em todo o mundo , só serão rentáveis as siderúrgicas verticalizadas.”
A World Steel Association calcula que sobrem no mundo 550 milhões de toneladas de aço . “A rentabilidade com mineração é pelo menos o triplo da siderúrgica”, afirma Wilson Brumer, presidente da Usiminas. Para Luciano Borges, consultor da Adhoc e ex-secretário de Minas e Metalurgia , a tendência é mundial. “As siderúrgicas chinesas estão liderando esse movimento para tentar contrabalançar a influência das maiores mineradoras na formação de preço .” No Brasil, o modelo que todas parecem querer seguir é o da CSN, que sempre se abasteceu com suas próprias minas e hoje já lucra mais com a venda do minério de ferro do que com os produtos siderúrgicos.
A empresa , que faturou R$ 14 bilhões no ano passado , pretende investir nada menos que R$ 13 bilhões para expandir a exploração de minério pelas subsidiárias Casa de Pedra e Namisa, dos atuais 26 milhões para 89 milhões de toneladas anuais . Cerca de 75% do total de minério produzido já é exportado em contratos de longo prazo , principalmente para a Ásia. Outros R$ 3 bilhões serão investidos em cobre , estanho , calcário , ouro e “terras raras”, metais usados na fabricação de componentes eletroeletrônicos. “Hoje a empresa já é uma mineradora, além de siderúrgica”, afirma Carlos Rangel, diretor de programação e embarques da CSN. “Os compradores querem diversificar o fornecimento concentrado na Vale .”
A estratégia motiva a recomendação da CSN, por analistas do mercado financeiro , como investimento preferencial no setor siderúrgico. “A CSN escapa da tendência negativa para a siderurgia , com sua força em mineração”, afirma Marco Saravalli, analista da corretora Coinvalores. A diferença na rentabilidade dos dois negócios fica clara no balanço . No primeiro trimestre , a receita de siderurgia foi o dobro da de mineração: R$ 2,3 bilhões ante R$ 1,2 bilhão , mas o lucro na mineração foi maior , de R$ 792 milhões contra R$ 693 milhões , considerando o resultado antes de juros , impostos e depreciação .
Gerdau e ArcelorMittal têm projetos de investimento mais modestos. A Gerdau, que faturou no ano passado R$ 35 bilhões , já conta com produção própria de 75% do consumo de sua siderúrgica Açominas e espera ser autossuficiente em 2012, com sete milhões de toneladas . Poderá expandir para vender a produção excedente . Já a ArcelorMittal espera chegar a suprir 75% de suas necessidades de minério nas operações no Brasil e está investindo US$ 75 milhões numa planta de beneficiamento de minério da Mina do Andrade para produzir 1,5 milhão de toneladas anuais .
Uma das vantagens da alta lucratividade é facilitar o financiamento dos projetos de mineração. A subsidiária Mineração Usiminas, criada no ano passado , recebeu um aporte de US$ 1,9 bilhão da Sumitomo Corporation, por uma participação de 30% em seu capital . “O próprio negócio gera recursos para sua expansão ”, diz Brumer, da Usiminas. A CSN, por seu turno , avaliou por um bom tempo a alternativa de abertura de capital da Casa de Pedra , mas essa perspectiva não está colocada a curto prazo . O negócio atrai o interesse não apenas de investidores estratégicos , mas também de fundos de investimentos .
No entanto , com investimentos com prazo de maturação longo , as siderúrgicas não correm o risco de ser pegas no contrapé do ciclo e enfrentar uma baixa no preço do minério ? As empresas afirmam esperar que os preços se mantenham em alta por cinco a dez anos . “Não enxergo a médio prazo queda de preços de minério de ferro nem de carvão ”, diz Brumer. Outros analistas são mais cuidadosos e acreditam que a alta se sustenta por dois ou três anos , quando entram em produção novos projetos que podem pressionar os preços . A Vale , a grande produtora nacional , está sentindo o peso da concorrência no mercado interno , embora ainda seja pouco afetada nas exportações , que chegam a nada menos de 311 milhões de toneladas por ano .
Ao contrário do que acontece com a verticalização promovida pelas siderúrgicas, o movimento da Vale está sendo visto com algum ceticismo pelos analistas , preocupados com a baixa rentabilidade de novos investimentos siderúrgicos. O consultor Luciano Borges vê na iniciativa a influência do governo , que pressionou pela mudança no comando da Vale . “É bem clara a intenção de fomentar a política industrial ”, afirma Borges. Consultada pela DINHEIRO , a Vale não comentou o assunto .
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