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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Energia da Amazônia vai para muito longe

Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital
Até o início dos anos 1980 toda a Amazônia, que representa dois terços do território nacional, para ter energia, dependia de usinas térmicas movidas a derivados de petróleo, muitas delas velhas e precárias.
A empresa de eletricidade de Belém, a maior cidade da região, a Pará Eletric, herdada dos colonizadores ingleses, falhava tanto que passou a ser conhecida por Paralítica. O apelido não foi dado sem motivo: suas máquinas ficavam paradas por muito tempo, vítimas de paralisia operacional.
Duas pequenas hidrelétricas pioneiras, uma no Pará e outra no Amapá, não mudaram esse quadro de carência e deficiência. Somadas, geravam 50 megawatts Uma usina de 150 MW, imaginada para o rio Gurupi, na divisa com o Maranhão, era o sonho dos paraenses. Daria para abastecer todo o Estado durante um bom tempo.
Nunca passou pela cabeça de nenhum nativo o tamanho projetado para a hidrelétrica que começaria a ser construída no rio Tocantins, em 1975. Tucuruí viria a abrigar 23 imensas máquinas. Cada uma delas pode produzir o dobro do que era o consumo local de energia quando a primeira foi instalada na casa de força.
De lá para cá o Pará cresceu bastante. Ainda assim, a fábrica de alumínio implantada pela antiga Companhia Vale do Rio Doce, em sociedade com os japoneses, a 8ª maior do mundo e a primeira do continente, absorve uma vez e meia mais energia do que Belém, com seus 1,4 milhão de habitantes, a 50 quilômetros de distância. A Albrás é responsável por 1,3% do consumo de energia de todo Brasil.
Há outra fábrica de alumínio quase do mesmo tamanho em São Luiz do Maranhão, de propriedade das multinacionais Alcoa e BHP Billiton. Ela também recebe energia da hidrelétrica de Tucuruí. Mais energia do que o Maranhão inteiro. Durante 20 anos as duas indústrias receberam subsídio estatal para ter energia mais barata.
Por conta dessa tarifa privilegiada, a Eletronorte perdeu algo em torno de dois bilhões de dólares nesse período, o que lhe acarretou o maior patrimônio líquido negativo do Brasil. Prejuízo do tamanho de uma fábrica nova de alumínio, que foi para o caixa das empresas. Mas elas cumpriram sua missão: vender seu produto para o exterior.
Foi por isso que a Amazônia entrou de vez no circuito internacional. Essa nova era tem seu marco inaugural em 1973. Não por acaso, foi quando houve o primeiro choque do petróleo: o preço do barril, que fazia um litro de petróleo ser mais barato do que um litro de água, se multiplicou sete vezes.
Mal os árabes anunciavam os novos valores e os japoneses já despachavam uma missão incumbida de traçar os rumos do Japão, país completamente dependente da energia alheia, agora encarecida. Esses técnicos foram ao Pará. Viram a região do Gurupi. Constataram que ali só se podia gerar pouca energia. Foram para o Tocantins. No ponto em que o rio seria barrado, a usina iria chegar a 8,2 mil MW. Seria a quarta maior do mundo e a maior inteiramente em território brasileiro, já que Itaipu é partilhada com o Paraguai.
O Japão iria precisar de muita energia no exterior. Não poderia mais produzir alumínio, o bem transformado pelo homem que mais energia absorve. As 41 fábricas que funcionavam em território japonês foram fechadas.
A maior delas foi aberta ao lado de Belém. Mesmo a 20 mil quilômetros do porto do comprador, assegura 15% do alumínio primário de que o Japão precisa. E isso a um preço inferior ao que os japoneses teriam que suportar se continuassem o autossuprimento.
A pronta iniciativa do Japão em busca da nova e melhor acomodação ao mundo, subitamente transformado pelo encarecimento da energia, não visou atender a angústia dos habitantes da Amazônia, A nova divisão internacional do trabalho redefiniria as funções no mundo. A Amazônia passou a ser vista como um dos melhores lugares do planeta para a produção de bens econômicos intensivos em energia, a começar pelo primeiro do ranking, o alumínio.
Tucuruí foi concebida e executada com esse objetivo. Sua construção começou e foi concluída, entre 1975 e 1984, sob um regime político de força. Foi uma barragem da ditadura, como Itaipu, do outro lado do país. Vários absurdos foram cimentados pelo regime militar, desde a multiplicação por cinco do seu custo, que era de US$ 2,1 bilhões e (até onde alcança o acesso aos dados oficiais) chegou a US$ 7,5 bilhões (valor histórico), até os graves impactos ambientais e sociais.
A democracia abriu também para as grandes hidrelétricas a porta da controvérsia e da crítica. As megausinas em construção ou ainda em projeto enfrentam reação crescente nos canteiros de obras ou nos ambientes acadêmicos, dentro e fora do Brasil.
Seu percurso passou a ser acidentado, com manifestações de protesto e até depredações. Essa oposição não tirou dos executores desses empreendimentos a certeza que têm sobre a viabilidade das grandes hidrelétricas na Amazônia. Sustentando uma posição de intolerância, estimularam uma reação semelhante da parte dos que não querem mais hidrelétricas na região, como o Ministério Público Federal, as ONGs e muitos grupos indígenas. É de se esperar incidentes ainda mais frequentes.
Esse cenário não deve impedir a sociedade de atentar para um dado fundamental da questão: a parcela esmagadora da energia gerada nos rios amazônicos não se destina aos habitantes regionais, seja o consumo atual ou o que podia ser induzido através da relocação de indústrias eletrointensivas instaladas em outras regiões ou países.
A parte principal da energia é transferida para bem longe através de extensas linhas de alta tensão. Linhas com milhares de quilômetros, que demandam atenção, competência e investimentos, sob pena de estarem sujeitas a um fato recorrente no cotidiano nacional: os apagões de energia.
Os blecautes de 2001 tiveram seu peso na derrota do PSDB no ano seguinte e na vitória de Lula. Mais do que isso, porém: esse modelo de gerar energia na fronteira e levá-la para o centro econômico dominante mantém as desigualdades interregionais e reforça o velho modelo colonial.
Fonte de tantas matérias primas vendidas ao exterior, onde são transformadas em bens industriais, a Amazônia se tornou também uma província energética. É a condição de quem exporta energia bruta. Condenado a não tirar o melhor proveito da própria riqueza.

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