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sexta-feira, 20 de abril de 2007

Velhas cartas de alforria

Fluxograma (Ademir Braz, 1978) Não me peçam virtudes. Essas, não as tenho. Não como se compreende a virtude: coerência, rito aceito, sensatez. Sou insensato, eis tudo. A cada dia sou outro: erro com a rosa dos ventos. Não me peçam fronteiras, nem definições, fidelidades. Meu olho sangra muros e o Ser expõe-se ao tempo, tempestades. Sou hoje aqui e o agora. Outros serei amanhã e depois de amanhã o sol revelará a face que ainda não me sei. Só quero viver o meu tempo, consumir-me – sarsa ardente, Porque é inútil quem não vive o seu tempo. A aranha e o silêncio (Ademir Braz, 1978) Então desperto... desperta-me Esta sonoridade equívoca do mundo. À janela, o dia tece a teia em torno ao tempo morto. A poesia é apenas isto – silêncio na memória da carne no vazio da raiz dos cabelos. E como sobrevivo, entre a face do espelho e o gume da navalha, atiro as palavras como pedras ao mar. Escrever é uma tarefa ordinária, eu penso, Quem sabe não seria mais proveitoso fazer uma revolução, mudar o amanhã comum do operário vizinho (um dia sempre igual ao dia de ontem, ao dia de sempre) ou atirar-me de vez ao mar... no entanto, I am as I am. E como preciso atender esta necessidade espiritual de permanecer de mal com o mundo, vou juntando palavras ao acaso, certo de que toda Arte possível não faz diferença a este sentimento nem vai fazer menor a solidão. O poeta é uma aranha tecendo numa fresta do mundo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Os Olhos do Lago - Haikais

Tristeza

vaga tristeza
vaga lume
vaga só

Outono

outono
outrora
era outro

Caminho

velho caminho
sol estende seu tapete de luz
passos de passarinho

Árvore

lua nublada
no alto da montanha
a solitária árvore

(Alonso Alvarez)

Anônimo disse...

AB, existem transgressões e “transgressões”.
Bjs. C

Adriano Alcântara(poeta africano)

A utopia dos olhos escancarados

" Se num momento de loucura
acaso arriscares acima do tédio
e afoito sozinho dobrares
a agreste solidão da esquina dos dias,
poderás então entrever
por entre as brumas do tempo
a imensa multidão e o verde prazer
das tuas mais urgentes utopias.

Se depois com ardor escreveres
- ridícula como o poeta a dizia -
uma simples carta de amor
cuja verdade ofereça fogosa o seu pudor
sinceros significados tão prementes
que a ouro fiquem bordados
no seio nu das palavras inexistentes,
imune farás tombar do muro os pecados
com que este presente impune
procura sarcástico esconder-nos o futuro.

Se porem impossível te for
a sangria das palavras a sério
e ao cansaço sem outra saída
com fúria não conseguires opor
a beleza dum punho bem apertado,
arrepia caminho e não ouses.
Nunca ouses monstro malfadado
dobrar a esquina deste tempo
de cobardias prenhe e silêncios cheio.

Porque só o amor mata a hipocrisia
e reconhece os homens iguais
porque para além deste dia
só de olhos escancarados se sonha a utopia."

CORSINO FORTES
(CABO VERDE)


PECADO ORIGINAL

Passo pelos dias
E deixo-os negros
Mais negros
Do que a noute brumosa.

Olho para as coisas
E torno-as velhas
Tão velhas
A cair de carunchos.

Só charcos imundos
Atestam no solo
As pegadas do meu pisar
E fica sempre rubro vermelho
Todo o rio por onde me lavo.

E não poder fugir
Não poder fugir nunca
A este destino
De dinamitar rochas
Dentro do peito...

Val-André Mutran  disse...

Mexendo na pasta preta, resolvi te enviar uma amostra:

Moleque

(Val-André Mutran Pereira, 1999)

Houve um dia de esperança

Bermuda no joelho, cabeça no espaço

Noutro dia era a calça curinga, li no muro, cortei a cerca

Associei-me ao caos, para entendê-lo

Certo dia tive um espelho, relutei no que vi

Algazarra de menino, sacanagem de varão,

preço do boteco, alma de não sei mais não...

Anônimo disse...

Caro-Nobre, se vc imprimir o comentário feito no blog do Hiroshi sobre o arquivo "Grana Preta", por favor me avise... quero assinar em baixo !
M.J.S.S - Marabá PA