segunda-feira, 25 de junho de 2007
A arte em grãos – VIII: Antônio Maranhão
Antônio Maranhão nasceu em Imperatriz (MA) em 30.10.1921, e ainda jovem migrou para o sudeste do Pará, onde meteu-se por 25 anos nas frentes pioneiras do negócio de castanha-do-pará, jornada em serviço público e alguma atividade política, comunista confesso que era e, mais ainda, humanista radical, inconformado com a brutal exploração do trabalhador no extrativismo, no transporte fluvial da produção, uma e outra atividade onde se perdia a vida como quem vai ao bar tomar uma aguardente. Sua opção política valeu-lhe prisão e tortura no regime militar.
Apesar da faina dura, sem trégua, sem direitos trabalhistas ou humanos – circunstâncias que marcaram o labor durante todo o século XX nesta banda esquecida do mundo, Maranhão ainda reservou um tempo para transformar em verso seus protesto contra as desgraças que vivenciou (e que permanecem até hoje aí, nos registros modernos da imprensa ou nos arquivos da Justiça comum e do Trabalho).
Parte desses poemas foi juntada por amigos e publicada em Conceição do Araguaia em dezembro de 1996 sob o título “Batismo sem sal”, produção independente com 44 páginas e apoio cultural de pessoas e entidades sediadas naquele município. Em 1998, exemplos da sua poesia sensível e comprometida com a Amazônia foram publicados na minha “Antologia Tocantina”, que me valeu sete anos de pesquisas sobre a produção literária em Marabá e teve patrocínio da Fundação Casa da Cultura.
Antônio Maranhão morreu aos 77 anos à noite de 37 de julho de 1998, em Belém, na Beneficência Portuguesa, onde esteve internado por 15 dias.
Uma amostra da sua verve:
Triste verdade
Andei muito chão
vi homens e mulheres sem trabalho,
ouvi velhos invocando a morte
e crianças abandonadas ao longo
de estradas riscando o sertão sem fim.
Vi cercas retilíneas, curvas, infinitas,
separando destinos.
E dominando a paisagem o verde da pastagem
Contrastando com a alvura do nelore no pastoreio.
Curiosamente, na vastidão das distâncias
Percorridas, não encontrei
- por incrível que pareça –
Um só bezerro abandonado.
Meu Deus... Estamos entrando no 3º. milênio.
Círculo de giz
(Aos meu amigos mui amigos)
Não sou poeta.
Sou, simplesmente,
o menor filho de uma égua
que Deus, na sua teimosia,
jogou sobre a terra
para trotear, sem parar,
as estradas que nos prepararam
para pagar os meus pecados
e as infâmias de outros tantos
colocados no mesmo círculo de giz
que o destino me traçou.
Entre o ser e o não ser
recebo a minha sela
e disparo pelo mundo afora,
até que um anjo menos quadrado
tenha pena de mim.
Amém.
Aos meus heróis do Araguaia
(Ao Osvaldão, tão amado e desamado
Como convém a um guerrilheiro que se preza)
Companheiro:
segura a tua mão na minha mão
estende teu olhar inquieto
lá nas encostas da Serra das Andorinhas
e andemos lentos e compassados
pra que não quebremos
a quietude dos ermos capinzais
vazios de homens e esperanças!
Companheiro:
ajoelhemo-nos contritos
segurando ainda as nossas mãos
para que, balbuciando uma reza,
possamos escutar o lírico sermão
dos guerrilheiros que tombaram
acreditando na ressurreição dos campos
transformados em trigais imensos!
Companheiro:
levantemo-nos agora do chão morno
cheirando ainda a sangue e suor
e relembremos os predestinados campônios
abatidos na hora da fuga
sob o sibilar de chumbo e gritos
agourando o tempo e o futuro!
Companheiro:
rezemos em silêncio um salmo
que exista dentro de nós mesmos
para que não acordemos
os esquecidos heróis que repousam
no seio úmido da terra saqueada.
Companheiro:
na hora da nossa dádiva, ofertemos
para eles uma rosa vermelho
um verso bíblico de Jeremias
e as estrelas do céu
espelhadas nas águas do Araguaia.
(Xambioá, o3.10.91)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Ao meu adorável poeta , só tenho a dizer que tua lira me encanta e mais ainda a tua nobreza em publicar as jóias que as palavras constroem quando dirigidas em sua órdem pela paixão que guardamos na alma. Parabéns pelas publicações!!
Bia Cardoso
Postar um comentário