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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Fazendeiros: a outra face da reforma agrária

Sob o título Entrevista com o produtor rural Geraldo Capota, o blog do  Dudu, de Parauapebas, mostra o impacto, no sudeste paraense, da recente ação do MST e da decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em varrer do mapa a grilagem de terra. Geraldo “Capota” Teotônio Jotamineiro de 64 anos, é produtor rural aposentado, pequeno empresário do ramo imobiliário e diretor de assuntos fundiários do Siproduz – Sindicato dos Produtores Rurais de Parauapebas. “Há 38 anos no Parátodos eles sempre envolvidos na área agrária, “Capota”, como é conhecido, é um profundo conhecedor da luta do homem do campo da região”, apresenta-o o blogueiro.
Vale a pena ler a entrevistaprincipalmente porque traz uma das facetas da luta pela terra em nossa região.  

 Dudu – Como você  a investida do MST nas fazendas à beira da PA-275, que os produtores alegam serem produtivas?
Capota – Nós não alegamos, as terras são produtivas! Essas terras, da região do Carajás, foram tituladas pelo então GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia e Tocantins e não foram legalizadas de graçaelas foram legalizadas mediante a medição e o pagamento em moeda corrente, da época, ao governo federalEntão, eram posses mansas e pacíficas que foram legalizadas conforme os padrões e as normas vigentes a época.
 Dudu – Essas normas usadas para legalização dessas terras são hoje contestadas pelo MST. O que você tem a dizer sobre isso?
Capota – Eu tenho a dizer é que quem tem direito de contestar alguma coisa nesse país é o judiciário. É o Ministério Público Estadual, FederalComo eu posso admitir que alguém que não tem CNPJ, que não tem caraque não o nome legalizado possa contestar alguma coisaIsso é inaceitável e a sociedade organizada que respeita as Leis, a Constituição, o Código Civil, o juiz, o promotor, essa sociedade não pode admitir esse tipo de comportamento.
 Dudu – O CNJ cancelou essa semana pouco mais de seis mil títulos agráriosQual a posição dos produtores rurais sobre esses cancelamentos?
Capota – A posição da Federação da Agricultura do Estadoque é a nossa entidadesuperior ao Siproduz. Veja bem, é preciso que as pessoas entendam que esse cancelamento do CNJ vem atrasado. Tinha que se adequar as coisas há tempos atrásEu cheguei aqui em 1972, e  tinha conhecimento que esses títulos foram adquiridos, por pessoas de outros Estados, do então governo Aurélio do Carmo, que sentiu que o sul do Pará estava desabitado, e no interesse de promover aqui uma agricultura e uma pecuáriaesse governo, respeitando a Constituição do Estado, mandava emissários a outros Estadosprincipalmente São Paulo e Goiás, ofertar essas terras para os empresários daqueles estados. No entanto, a Constituição Federal determinava que os títulos com áreas acima de três mil hectares deveriam passar pelo crivo do Senado Federalmaspor falta de conhecimento ou por achar que a posição de governador lhe dava esse direito, Aurélio do Carmo vendeu a esses empresários (que ele foi ofertar, fazia reuniões e ofertava esses títulos, tentando atrair empresários da área rural, do agronegócio, para a regiãoáreas superiores aos três mil hectaresPor isso hoje está se fazendo uma adequaçãoComo isso irá acontecer que se passaram tantos anoseu não sei. Mas, o que eu tenho a te dizer, é que pessoasgrandes empresários que vieram, elas não podem pagar por um erro dos governos passados
Esse é o nosso sentimentoporque são pessoas que vieram, abriram as suas propriedades, ajudaram a colonizar e a mudar até o conceito de economia existente até entãoque era do extrativismo e passou a ser o de economia de produçãoAssim sendo, é preciso que se encontre uma solução adequada para esse impasse.
 Dudu – Como está o agronegócio brasileiro?
Capota – O agronegócio avançou muitoNós saímos, por exemplo, de 40 milhões de toneladas de grãos produzidos, para 150 milhões de toneladasNós abatíamos um boi com 50/60 meses e hoje abatemos com 30 meses. Nós saímos de uma fêmea que dava a sua primeira cria com 48 meses para 22 meses. Tudo isso foram avanços tecnológicos significativos do agronegócio brasileiro. É preciso que a sociedade brasileira entenda que esse agronegócio tem sido a espinha dorsal da economia brasileira.
 Dudu – Foram muitos investimentos
Capota – Muitos investimentos e a preparação tecnificada de todas as atividades do agronegócio. A EMBRAPA, nesse processo, tem um papel expressivo. Foi através dela que o agronegócio conseguiu a maioria desses avanços, contando também com a colaboração de empresários privados que investiram muito
Nós temos que entender e respeitar o agronegócio porque ele tem sido a espinha dorsal e tem segurado a balança comercial deste país durante décadas. O agronegócio deu suporte para queatravés dos presidentes Fernando Henrique e Lula, fossem feitas as mudanças que estão levando esse país a ser respeitado  fora. É muito bomvocê imprime um dinheiro no paísjoga esse dinheiro no Banco Central, financia o produtor e esse produto dele, ao ser exportado, se transforma em dólar ou euro que vai pra balança comercialEntão é um grande ganho não  de juros para os bancos que opera com taxas de 3 ou 4% para os pequenos produtores e 6,75 a 12% para os grandes produtoressem falar que o agronegócio, ao adquirir uma grande quantidade de máquinas, está gerando empregos e impostos para o bolso do governo federal.
 Dudu – O que se viu nessa última tentativa de ocupação aqui no Pará foi a classe dos produtores rurais unida. É a volta da União Democrática Ruralista, a UDR ?
Capota – A classe  está cansada de sofrer, e sofrer principalmente com o abandono do EstadoPorque no nosso entendimento as funções são claras. A função do produtor é tornar a terra produtiva, respeitando os preceitos que são: produtividade, ambiental e trabalhista. Respeitar esse tripé e ter a competência de produzir cada vez mais e com qualidade. E o Estado é manter os seus deveres constitucionaisque no nosso caso, o que queremos é manter a Lei e a ordemPor quê? Está escrito sobre o direito de propriedadeque o esbulho possessório é um crime que tem acontecido diuturnamente com a complacência total do EstadoPorque uma coisa é fazer manter o que está escrito na lei e a outra é fingir que cumpre a leique faz a lei ser cumprida, que é o caso da nossa governadora atualque tira por força policial determinada por um juiz e permite o retorno dos invasores dias depois.
 Dudu – E sobre a união da classeEla está mais unida?
Capota – Não  mais unida, a classe resolver dar o mesmo veneno para os movimentos, combatê-los com o mesmo veneno. A classe hoje está consciente que ela depende de si mesma para sobreviver, e é isso que nós estamos fazendo. Eu vi em uma entrevista anterior em seu blog onde disseram que eu não sou fazendeiroRealmenteeu hoje tenho uma propriedade de 29 hectares em Marabámas esse ideal, essa convicção que está dentro de mimaté por tradição em virtude de vir de uma família que trabalha na área da pecuária há mais de 200 anosque devemos e precisamos defender a propriedadeporque, ao fazer issonós estamos defendendo a nossa liberdade e estamos defendendo a democraciaPorque não há estado democrático e nem há liberdade quando não se tem o direito à propriedade, e a sociedade é preciso estar consciente disso. Porquedentro do histórico desses pseudo-movimentos sociais, ao terminar de invadir o campoeles invadirão as áreas urbanas, as cidades.
 Dudu – Porque esse pensamento?
Capota – É um movimento emblemáticodispersivo e que não tem uma conotação. Invade, faz-se o assentamento, vendem-se as propriedades, transforma-se em um grande negócio agrárioEu tenho acompanhado nesses 38 anos em que estou aqui quais os procedimentos. Nós podemos dar como exemplos os Cederes I e II, as Palmares I e II e a Boca do Cardoso entre outrostodos que estão nas mãos de pessoas que inclusive você conhece e que não tem nada a ver com o critério de clientes da reforma agrária. Na verdade a reforma agrária como está sendo feita é um grande e oneroso negócio agrário.
 Dudu – Geraldo Capota, o que está errada na reforma agrária feita pelo Governo Federal? O que poderia ser feito de diferente para que ela desse certo?
Capota – Veja bem, é preciso que as pessoasque a sociedade urbana, entenda esse imbróglio! Por exemplopara um aluno ingressar na faculdade, é preciso que ele faça os cursos intermediários, faça um cursinho e preste um vestibularassim ele está preparado para entrar na faculdadeAssim também deveria ser a forma correta de se fazer a reforma agráriaBem disse o inesquecível estadista brasileiro, Tancredo Nevesquando perguntado o que era preciso para se fazer uma boa reforma agráriaEle disse: “basta preparar o homem para a terra”. Entãofazer reforma agrária, pegando pessoas desempregadas, que estão nessa situação por não estarem preparadas para o mercado de trabalhopessoas que são recrutadas para se fazer a reforma agráriapara se ter uma ideia, nós temos hoje no Estado do Pará 465 projetos de assentamentos consolidados com o assentamento de mais de 80 mil famílias a um custopara a sociedadepara os cofres da Uniãopara o bolso do cidadãoem torno de 100 a 120 mil reais por família quesimplesmentedepois, na maioriaem 70 a 80% dos casosnão permanecem na área. Vendem os seus terrenos e saem dos assentamentos e continuam invadindo, porque é um grande negócioEntão, estão querendo tocar a agricultura como há 50 anoscom genteenxadafoicemachadoIsso é coisa do passadoNão é com esse tipo de gente que estão querendo assentar que nós vamos fazer as reformas tão necessárias que esse país precisaNão é por ai!
 Dudu – Qual seria a proposta de reforma agrária ideal na opinião dos produtores?
Capota – Não dos produtoresmas dos órgãos do governocomo o MDA, que estão encarregados de fazer a reforma agrária. Usarei como exemplo o Japão. O Japão pós-guerra, duas bombas, estava arrasado. Sua economia estava no chão. O que aquele país fez com o pouco que lhe restou? Ele investiu em culturaem escolasHoje é um dos países mais bem qualificado tecnicamente do planeta. E é isso que tem que ser feito para que a reforma agrária  certo aqui no Brasil. Investir e preparar o cidadão para ser assentado, ou recuperar os que  estão assentados. Se você coloca uma família dentro de um assentamento que não tem uma escola qualificada para dar a essas crianças que  estão, a oportunidade para o amanhãpara que ela esteja preparadanão  para produzir com qualidadecomo para outras atividades dentro do mercado do trabalho. No mundo globalizado de hojeninguém chega ao supermercado e olha se o produto que pretende comprar tem o selo da reforma agrária. O comprador procura qualidade e preço. É preciso olhar com cuidado para que no Brasil não aconteça o que aconteceu na Venezuela, onde o agronegócio foi extinto, tomado pelos campesinos, e hoje o país importa 80% do que consome. É preciso que se prepare os que serão assentados e recupere os  assentados, para que eles não se tornem apenas carregadores de bandeiras vermelhas à beira das nossas esburacadas estradas.
 Dudu – É possível a convivência de MST e os donos do agronegócio brasileiroJuntos?
Capota – Tranquilamente, desde que a reforma agrária seja feita dentro dos preceitos da leigoverno federalatravés de autarquias como o INCRA, tem que chegar na frenteChegardesapropriar aquela propriedade que não está cumprindo com as suas funções ou que seja realmente terra públicapreparar a área com escolacom hospitaispara dar uma dignidade a essas pessoas e prepará-las para fazer o vestibular para entrar nos PA’s, nos projetos de Assentamentos.
 Dudu – Os fazendeiros pretendem usar essa tática do enfrentamento também nas autarquias do governonos prédios do INCRA por exemplocomo faz o MST?
Capota – NãoNós pretendemos usar a lei. Usaremos tudo que ela nos permitir para defender o direito de propriedade e o direito de produzir.
Qual é hoje a situação da atividade agrícola no Brasil?
Capota – Muito boa pergunta! Boa porque me permite informar ao seus inúmeros leitores que o produtor brasileiro hoje está velho. A média de idade do produtor brasileiro hoje é de 60 anos. E porque que isso é ruim? É ruim porque nós não estamos conseguindo repassar a atividade para os nossosjustamente pela instabilidade instalada, pela falta de insegurança e até pela baixa lucratividade dentro do agronegócio. Nós somos hoje no país quem paga as maiores taxas de juros, os maiores impostosEm países como o Uruguai não existe impostos para as máquinas. O produtor não tem a necessidade de deixar sua área para ir ao banco, o banco vai até eleele não precisa perder um dia de serviço. A Europa e os Estados Unidos praticam subsídios com seus produtores porque eles precisam da produção e dos produtoresEles sabem que se você destruir as cidades, os campos sobreviverão, mas, se destruírem os campos, as cidades morrerão. Isso é uma realidadeNós não estamos conseguindo transferir para os nossos filhos as nossas atividadeseles estão buscando outros modelos de vida.
No entantoeste produtor ainda continua agarradofirme na arte de produzir. Temos atravessado problemas sérios em relação às normativas do IBAMA, mas estamos nos adequando,  hoje entendemos, e  é uma consciência para o produtorque o desmatamento é zeroPortanto, o maior número de queimadas está vindo diretamente dos projetos de assentamento que não respeitam. O produtor hoje  prega através da Federação da Agricultura e de todos os Sindicatos que temos que temos que fechar um pacto pelo desmatamento zeroRecuperar, uma palavra muito usada hoje no nosso meiorecuperar as áreas degradadas com o reflorestamento atual. É isso que nós estamos buscando, é isso que nós estamos enfrentando, e, a nova geração que está vindo ai, porque esse mais não pára de comer, tem que se alimentar, tem que continuar produzindo. Como será? Eu não sei.

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