Sob o título “Entrevista com o produtor rural Geraldo Capota”, o blog do Zé Dudu, de Parauapebas, mostra o impacto, no sudeste paraense, da recente ação do MST e da decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em varrer do mapa a grilagem de terra. Geraldo “Capota” Teotônio Jota, mineiro de 64 anos, é produtor rural aposentado, pequeno empresário do ramo imobiliário e diretor de assuntos fundiários do Siproduz – Sindicato dos Produtores Rurais de Parauapebas. “Há 38 anos no Pará, todos eles sempre envolvidos na área agrária, “Capota”, como é conhecido, é um profundo conhecedor da luta do homem do campo da região”, apresenta-o o blogueiro.
Vale a pena ler a entrevista, principalmente porque traz uma das facetas da luta pela terra em nossa região.
Zé Dudu – Como você vê a investida do MST nas fazendas à beira da PA-275, que os produtores alegam serem produtivas?
Capota – Nós não alegamos, as terras são produtivas! Essas terras, da região do Carajás, foram tituladas pelo então GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia e Tocantins e não foram legalizadas de graça, elas foram legalizadas mediante a medição e o pagamento em moeda corrente, da época, ao governo federal. Então, eram posses mansas e pacíficas que foram legalizadas conforme os padrões e as normas vigentes a época.
Zé Dudu – Essas normas usadas para legalização dessas terras são hoje contestadas pelo MST. O que você tem a dizer sobre isso?
Capota – Eu tenho a dizer é que quem tem direito de contestar alguma coisa nesse país é o judiciário. É o Ministério Público Estadual, Federal. Como eu posso admitir que alguém que não tem CNPJ, que não tem cara, que não o nome legalizado possa contestar alguma coisa. Isso é inaceitável e a sociedade organizada que respeita as Leis, a Constituição, o Código Civil, o juiz, o promotor, essa sociedade não pode admitir esse tipo de comportamento.
Zé Dudu – O CNJ cancelou essa semana pouco mais de seis mil títulos agrários. Qual a posição dos produtores rurais sobre esses cancelamentos?
Capota – A posição da Federação da Agricultura do Estado, que é a nossa entidade, superior ao Siproduz. Veja bem, é preciso que as pessoas entendam que esse cancelamento do CNJ vem atrasado. Tinha que se adequar as coisas há tempos atrás. Eu cheguei aqui em 1972, e já tinha conhecimento que esses títulos foram adquiridos, por pessoas de outros Estados, do então governo Aurélio do Carmo, que sentiu que o sul do Pará estava desabitado, e no interesse de promover aqui uma agricultura e uma pecuária, esse governo, respeitando a Constituição do Estado, mandava emissários a outros Estados, principalmente São Paulo e Goiás, ofertar essas terras para os empresários daqueles estados. No entanto, a Constituição Federal determinava que os títulos com áreas acima de três mil hectares deveriam passar pelo crivo do Senado Federal, mas, por falta de conhecimento ou por achar que a posição de governador lhe dava esse direito, Aurélio do Carmo vendeu a esses empresários (que ele foi ofertar, fazia reuniões e ofertava esses títulos, tentando atrair empresários da área rural, do agronegócio, para a região) áreas superiores aos três mil hectares. Por isso hoje está se fazendo uma adequação. Como isso irá acontecer, já que se passaram tantos anos, eu não sei. Mas, o que eu tenho a te dizer, é que pessoas, grandes empresários que vieram, elas não podem pagar por um erro dos governos passados.
Esse é o nosso sentimento, porque são pessoas que vieram, abriram as suas propriedades, ajudaram a colonizar e a mudar até o conceito de economia existente até então, que era do extrativismo e passou a ser o de economia de produção. Assim sendo, é preciso que se encontre uma solução adequada para esse impasse.
Zé Dudu – Como está o agronegócio brasileiro?
Capota – O agronegócio avançou muito. Nós saímos, por exemplo, de 40 milhões de toneladas de grãos produzidos, para 150 milhões de toneladas. Nós abatíamos um boi com 50/60 meses e hoje abatemos com 30 meses. Nós saímos de uma fêmea que dava a sua primeira cria com 48 meses para 22 meses. Tudo isso foram avanços tecnológicos significativos do agronegócio brasileiro. É preciso que a sociedade brasileira entenda que esse agronegócio tem sido a espinha dorsal da economia brasileira.
Zé Dudu – Foram muitos investimentos…
Capota – Muitos investimentos e a preparação tecnificada de todas as atividades do agronegócio. A EMBRAPA, nesse processo, tem um papel expressivo. Foi através dela que o agronegócio conseguiu a maioria desses avanços, contando também com a colaboração de empresários privados que investiram muito.
Nós temos que entender e respeitar o agronegócio porque ele tem sido a espinha dorsal e tem segurado a balança comercial deste país durante décadas. O agronegócio deu suporte para que, através dos presidentes Fernando Henrique e Lula, fossem feitas as mudanças que estão levando esse país a ser respeitado lá fora. É muito bom, você imprime um dinheiro no país, joga esse dinheiro no Banco Central, financia o produtor e esse produto dele, ao ser exportado, se transforma em dólar ou euro que vai pra balança comercial. Então é um grande ganho não só de juros para os bancos que opera com taxas de 3 ou 4% para os pequenos produtores e 6,75 a 12% para os grandes produtores, sem falar que o agronegócio, ao adquirir uma grande quantidade de máquinas, está gerando empregos e impostos para o bolso do governo federal.
Zé Dudu – O que se viu nessa última tentativa de ocupação aqui no Pará foi a classe dos produtores rurais unida. É a volta da União Democrática Ruralista, a UDR ?
Capota – A classe já está cansada de sofrer, e sofrer principalmente com o abandono do Estado. Porque no nosso entendimento as funções são claras. A função do produtor é tornar a terra produtiva, respeitando os preceitos que são: produtividade, ambiental e trabalhista. Respeitar esse tripé e ter a competência de produzir cada vez mais e com qualidade. E o Estado é manter os seus deveres constitucionais, que no nosso caso, o que queremos é manter a Lei e a ordem. Por quê? Está escrito sobre o direito de propriedade, que o esbulho possessório é um crime que tem acontecido diuturnamente com a complacência total do Estado. Porque uma coisa é fazer manter o que está escrito na lei e a outra é fingir que cumpre a lei, que faz a lei ser cumprida, que é o caso da nossa governadora atual, que tira por força policial determinada por um juiz e permite o retorno dos invasores dias depois.
Zé Dudu – E sobre a união da classe? Ela está mais unida?
Capota – Não só mais unida, a classe resolver dar o mesmo veneno para os movimentos, combatê-los com o mesmo veneno. A classe hoje está consciente que ela depende de si mesma para sobreviver, e é isso que nós estamos fazendo. Eu vi em uma entrevista anterior em seu blog onde disseram que eu não sou fazendeiro. Realmente, eu hoje tenho uma propriedade de 29 hectares em Marabá, mas esse ideal, essa convicção que está dentro de mim, até por tradição em virtude de vir de uma família que trabalha na área da pecuária há mais de 200 anos, que devemos e precisamos defender a propriedade, porque, ao fazer isso, nós estamos defendendo a nossa liberdade e estamos defendendo a democracia. Porque não há estado democrático e nem há liberdade quando não se tem o direito à propriedade, e a sociedade é preciso estar consciente disso. Porque, dentro do histórico desses pseudo-movimentos sociais, ao terminar de invadir o campo, eles invadirão as áreas urbanas, as cidades.
Zé Dudu – Porque esse pensamento?
Capota – É um movimento emblemático, dispersivo e que não tem uma conotação. Invade, faz-se o assentamento, vendem-se as propriedades, transforma-se em um grande negócio agrário. Eu tenho acompanhado nesses 38 anos em que estou aqui quais os procedimentos. Nós podemos dar como exemplos os Cederes I e II, as Palmares I e II e a Boca do Cardoso entre outros, todos que estão nas mãos de pessoas que inclusive você conhece e que não tem nada a ver com o critério de clientes da reforma agrária. Na verdade a reforma agrária como está sendo feita é um grande e oneroso negócio agrário.
Zé Dudu – Geraldo Capota, o que está errada na reforma agrária feita pelo Governo Federal? O que poderia ser feito de diferente para que ela desse certo?
Capota – Veja bem, é preciso que as pessoas, que a sociedade urbana, entenda esse imbróglio! Por exemplo: para um aluno ingressar na faculdade, é preciso que ele faça os cursos intermediários, faça um cursinho e preste um vestibular, assim ele está preparado para entrar na faculdade. Assim também deveria ser a forma correta de se fazer a reforma agrária. Bem disse o inesquecível estadista brasileiro, Tancredo Neves, quando perguntado o que era preciso para se fazer uma boa reforma agrária. Ele disse: “basta preparar o homem para a terra”. Então, fazer reforma agrária, pegando pessoas desempregadas, que estão nessa situação por não estarem preparadas para o mercado de trabalho, pessoas que são recrutadas para se fazer a reforma agrária, para se ter uma ideia, nós temos hoje no Estado do Pará 465 projetos de assentamentos consolidados com o assentamento de mais de 80 mil famílias a um custo, para a sociedade, para os cofres da União, para o bolso do cidadão, em torno de 100 a 120 mil reais por família que, simplesmente, depois, na maioria, em 70 a 80% dos casos, não permanecem na área. Vendem os seus terrenos e saem dos assentamentos e continuam invadindo, porque é um grande negócio. Então, estão querendo tocar a agricultura como há 50 anos, com gente, enxada, foice, machado. Isso é coisa do passado. Não é com esse tipo de gente que estão querendo assentar que nós vamos fazer as reformas tão necessárias que esse país precisa. Não é por ai!
Zé Dudu – Qual seria a proposta de reforma agrária ideal na opinião dos produtores?
Capota – Não dos produtores, mas dos órgãos do governo, como o MDA, que estão encarregados de fazer a reforma agrária. Usarei como exemplo o Japão. O Japão pós-guerra, duas bombas, estava arrasado. Sua economia estava no chão. O que aquele país fez com o pouco que lhe restou? Ele investiu em cultura, em escolas. Hoje é um dos países mais bem qualificado tecnicamente do planeta. E é isso que tem que ser feito para que a reforma agrária dê certo aqui no Brasil. Investir e preparar o cidadão para ser assentado, ou recuperar os que já estão assentados. Se você coloca uma família dentro de um assentamento que não tem uma escola qualificada para dar a essas crianças que lá estão, a oportunidade para o amanhã, para que ela esteja preparada, não só para produzir com qualidade, como para outras atividades dentro do mercado do trabalho. No mundo globalizado de hoje, ninguém chega ao supermercado e olha se o produto que pretende comprar tem o selo da reforma agrária. O comprador procura qualidade e preço. É preciso olhar com cuidado para que no Brasil não aconteça o que aconteceu na Venezuela, onde o agronegócio foi extinto, tomado pelos campesinos, e hoje o país importa 80% do que consome. É preciso que se prepare os que serão assentados e recupere os já assentados, para que eles não se tornem apenas carregadores de bandeiras vermelhas à beira das nossas esburacadas estradas.
Zé Dudu – É possível a convivência de MST e os donos do agronegócio brasileiro? Juntos?
Capota – Tranquilamente, desde que a reforma agrária seja feita dentro dos preceitos da lei. O governo federal, através de autarquias como o INCRA, tem que chegar na frente. Chegar, desapropriar aquela propriedade que não está cumprindo com as suas funções ou que seja realmente terra pública, preparar a área com escola, com hospitais, para dar uma dignidade a essas pessoas e prepará-las para fazer o vestibular para entrar nos PA’s, nos projetos de Assentamentos.
Zé Dudu – Os fazendeiros pretendem usar essa tática do enfrentamento também nas autarquias do governo, nos prédios do INCRA por exemplo, como faz o MST?
Capota – Não. Nós pretendemos usar a lei. Usaremos tudo que ela nos permitir para defender o direito de propriedade e o direito de produzir.
Qual é hoje a situação da atividade agrícola no Brasil?
Capota – Muito boa pergunta! Boa porque me permite informar ao seus inúmeros leitores que o produtor brasileiro hoje está velho. A média de idade do produtor brasileiro hoje é de 60 anos. E porque que isso é ruim? É ruim porque nós não estamos conseguindo repassar a atividade para os nossos, justamente pela instabilidade instalada, pela falta de insegurança e até pela baixa lucratividade dentro do agronegócio. Nós somos hoje no país quem paga as maiores taxas de juros, os maiores impostos. Em países como o Uruguai não existe impostos para as máquinas. O produtor não tem a necessidade de deixar sua área para ir ao banco, o banco vai até ele, ele não precisa perder um dia de serviço. A Europa e os Estados Unidos praticam subsídios com seus produtores porque eles precisam da produção e dos produtores. Eles sabem que se você destruir as cidades, os campos sobreviverão, mas, se destruírem os campos, as cidades morrerão. Isso é uma realidade. Nós não estamos conseguindo transferir para os nossos filhos as nossas atividades, eles estão buscando outros modelos de vida.
No entanto, este produtor ainda continua agarrado, firme na arte de produzir. Temos atravessado problemas sérios em relação às normativas do IBAMA, mas estamos nos adequando, já hoje entendemos, e já é uma consciência para o produtor, que o desmatamento é zero. Portanto, o maior número de queimadas está vindo diretamente dos projetos de assentamento que não respeitam. O produtor hoje já prega através da Federação da Agricultura e de todos os Sindicatos que temos que temos que fechar um pacto pelo desmatamento zero. Recuperar, uma palavra muito usada hoje no nosso meio, recuperar as áreas degradadas com o reflorestamento atual. É isso que nós estamos buscando, é isso que nós estamos enfrentando, e, a nova geração que está vindo ai, porque esse mais não pára de comer, tem que se alimentar, tem que continuar produzindo. Como será? Eu não sei.
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