Nós, da Amazônia, pouco sabemos da primavera - a estação do ano que no hemisfério sul, onde está o Brasil, delineia-se em 23 de setembro e vai até 21 de dezembro. Por mim, eu sempre achei que a primavera começava em maio, quando acabavam as enchentes na minha cidadezinha provinciana, e mãe Ana enchia nossa casa de papoulas vermelhas, ramos cheirosos de jasminzeiro, e as latadas de rosa-menina florida eram deixadas no peitoril da janela para a rua em frente ao Itacaiúnas. Dizia mãe Ana que maio era o mês das flores e de Maria, a Grande Mãe Maria que do alto zelava por nós à luz das nossas lamparinas na longa noite de chuva e ausência dos amigos e do pai Waldemar, perdidos na mata escura, à mercê das onças, enquanto juntavam a castanha que despencava do céu junto com os grãos gelados da tempestade.
Se era em maio a primavera, por que em setembro o gigantesco pau-d’arco em frente à usina de força e luz danava a soltar flores da esquina da Rua Nova até à frente do Cine Marrocos, fazendo da terra nua um tapete de delicadas flores amarelas, primeiro soltas no ar, ao vento em rodopio?
(Talvez a primavera se guardasse um pouquinho para festejar-nos, virginianos desembestados no mundo...)
Um prefeito idiota mandou, quase no final da década de 1950, derrubar a machadadas o ipê da nossa alegria. Na sua vida escura, decerto não havia lugar para as luminosas flores daquele único ipê urbano.
Hoje, os ipês se multiplicaram e em setembro parecem tochas acesas na cidade confusa. Eu mesmo o cultivo em minha casa, talvez por conta das lembranças da infância, onde tenho três pés – dois dos quais perseguidos pelos predadores da empresa de energia. Por toda parte há outros – vários! – brancos, róseos, amarelos em buquê, e eu os olho com desconfiança, suspeitoso da sua casca lisa como pele de moça, diferente da casca pedregosa do meu ipê. “É ipê do cerrado, tabebuia”, explica desesperado um entendido, e me recordo que os vi pela primeira vez na cidade encantada do planalto central, aterrado com tanta beleza, levado a conhecê-los pela mão generosa da mulher que então povoava minha ternura.
Lembro dessas coisas gratas porque agora no último dia de setembro muda de idade aquele que, entre os raros amigos, vive com flores no coração. Só flores, não. Haroldo Júnior é todo ele um ipê forte, magnífico, eterna e generosamente a debulhar suas flores entre os que o cercam e até entre os que o hostilizam por não conhecê-lo. Para ele, eu trago tudo que tenho: minha poesia e essas rosas escritas.
6 comentários:
Que lindo o seu ipê, Ademir! E as suas palavras, então...!
Seu texto é pura poesia e emoção. Tem a força e a beleza de um ipê florido.
Parabéns e muito obrigada por nos presentear assim.
Abraços.
Vc é sublime em poesia, seus escritos buquê de rosas que deleitam nossos sentidos e nos fazem coadjuvantes dessa tua sutileza de pensar.
Quando eu crescer, quero ser o seu IPÊ preferido,para que possas me admirar.
Ademir, nao posso deixar de ler os seus escritos do blog diariamente.
FLOR DE LARANJEIRAS
Ai, que liiindo. Faz um poema dedicado a mim,faz...Nunca te vi, sempre te amei...No dia em que te conhecer pessoalmente, vou te dar um looooongo beijo.
Se não fosse a conduta vedada ela te daria ums longos......vo,,,,,,,,,.
Maricotinha, não fique com ciumes do Braz,deixe fluir os comentários sobre os trabalhos dele, se voce nao sabe, este poeta é admirado por todos.Um abraço para acalmar seu coração.
Caro amigo e colega.
Morador da Rua Lauro Sodré, fui vizinho do pé de "Pau d'arco" existente no local em que hoje está construida a DECA - Delegacia de Conflitos Agrários e ficava maravlhado quando o via totalment coberto de flores amarelas.Aliás, quando voava daqui para Belém, pois ainda não existia estrada, punha-me a conferir as copas do pés de Ipê Amarelo e me perdia na conta, tantos que eram.Hoje, busco exaustivamente e vislumbro um ou outro, espalhados, escassamente, em meio à floresta.Chamada "arvore símbolo do Brasil" é mais um dos símbolos que estamos a perder.Tu, amado amigo, com a arte de colocar beleza em tudo que escreves e que tão bem manejas, levaste-me em uma viagem regressiva no tempo, lá pelos idos de 1960, em busca de uma paz e uma beleza que não mais existem.No inicio da década de 80 foi publicado "Esta Terra" e lá, às fls. 25 está uma profética poesia tendo por titulo "Futuro" na qual falas o seguinte:
"Repara bem neste verde filho.Atenta
para o mistério desse cantar de pássaros inúmeros.
Procura ouvir
o sussurro mágico dessas fontes,
desses córregos,
desses fios d'agua tão pura e fria
Repara bem neste verde filho.Guarda-o
na tua memória. Um dia,
quando eu for semente
que não dá mais frutos, e os filhos de teu sêmen
perguntarem a ti sobre
símbolos perdidos
(iara, peixe-boi, cobra norato, acaizeiros, castanhais e flores)
e nada mais houver senão o deserto imenso e nu desta Amazônia,
fala-lhes do verde, das plumas dessas árvores irreais, desses
fantasmas de bronze que um tempo se confundiam na sombra dos arvoredos
e se chamavam xavantes, xicrins,
parakanans, pássaros inúteis."
Profética poesia caro amigo e colega, lamentávelmente profética e já realidade diante dos nossos olhos sessentões.Pior será o que verão nossos netos.
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