Medo obstrui Justiça no Sudeste do Estado
Em Rondon do Pará, a 372 quilômetros de Belém (na mesorregião Sudeste do Estado, parte da microrregião de Paragominas), imperam a cultura do medo, os crimes de encomenda e ameaças de morte contra autoridades públicas. Os responsáveis por isso são pessoas poderosas, que se consideram acima das leis e do bem e do mal. A constatação é do Ministério Público do Estado (MPE), por intermédio da promotoria que atua na região, ao manifestar-se, há oito dias, num pedido de habeas-corpus julgado e indeferido por unanimidade pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
Para o MPE, muitos moradores do município deixam de contribuir com a Justiça em razão do medo. Usam o brocardo “não sei, não vi, não põe ninguém na cadeia”. Diz a promotoria: “Lavam as mãos como Pilatos e vários crimes aqui em Rondon ficam sem solução. Deste modo, não há como não conferir crédito para as informações prestadas pelas vítimas, que tiveram a coragem em testemunhar”.
Por conta disso, o fiscal da lei defende o “expurgo” da sensação de impunidade para que a credibilidade das instituições junto à população possa ser resgatada. “Chega de exemplos de crimes sem investigação profunda. Basta de sensação de insegurança, principalmente quando a polícia, que deveria representar a segurança, é a primeira a violar os direitos”, ataca o MPE. E acrescenta que se é verdade que o Pará é terra de direitos, como tal devem seus agentes se portar, e não o contrário.
A discussão entre os ministros do STJ dizia respeito à matança ocorrida em fevereiro de 2010 em Rondon do Pará. Sete pessoas, cinco delas policiais militares, foram pronunciadas pela Justiça e devem ir a Júri Popular brevemente, em processo desaforado para Belém. O crime foi de extrema frieza e crueldade. O filho, para ficar com toda a herança da família, é acusado de mandar matar o pai, a mãe e o irmão menor de 14 anos.
As vítimas foram o fazendeiro Everaldino Vilas Boas de Almeida, a companheira dele, Rosa Amélia da Silva, além do filho do casal, Jadson da Silva Almeida. Os três foram mortos com vários tiros em uma emboscada, quando se dirigiam de caminhonete por uma estrada vicinal até a fazenda de Everaldino.
O suposto mandante é Josiel das Virgens Almeida. O rapaz, filho do primeiro casamento do fazendeiro, era tido pelo próprio pai como alguém que não queria trabalhar e de só gostar de boa vida. Segundo as investigações, Josiel queria a imediata divisão dos bens, pedido negado pelo pai. A mulher do fazendeiro e seu filho menor foram mortos para que a herança não precisasse ser dividida.
OMISSÃO
A investigação apontou que o triplo homicídio foi planejado por Josiel das Virgens Almeida, Edson Gomes Ferreira, Humberto Lima Coelho, Carlos Alberto Lima Coelho, Valdeci Pinheiro da Silva e Paulo Sena Aleixo, sendo que estes quatro últimos acusados executaram o crime. O habeas-corpus negado pelo STJ era em favor de um dos denunciados pelo MPE, o cabo da Polícia Militar José Alacides Santos Barros.
Relator do processo, o ministro do STJ, Og Fernandes, destacou em seu voto que, embora o cabo Alacides não seja acusado de participação direta na execução do crime, responde por “omissão imprópria”, pois os autos descrevem que tinha amplo conhecimento do planejamento da ação criminosa e “não fez nada para impedi-la”. Ele disse que a partir de informações obtidas pelas interceptações telefônicas, o cabo ainda intercedeu em favor dos executores, após a consumação dos crimes, tentando intimidar o agente responsável pela investigação, “na busca de garantir a impunidade dos colegas envolvidos”.
Para Fernandes, as circunstâncias do crime demonstram de maneira concreta a alta periculosidade de Alacides, que além de tudo ostenta a condição de policial militar, de quem se espera justamente conduta voltada para o combate ao crime e a promoção da segurança da sociedade.
Juiz e promotora precisaram de escoltas
A pedido do Ministério Público e com a concordância do juiz da comarca de Rondon do Pará, Gabriel Ribeiro, a transferência (desaforamento) do julgamento dos acusados para Belém foi aceita pelo Tribunal de Justiça. O ministro Og Fernandes observa que a fundamentação do pedido assombra pela violência relatada. Durante as interceptações telefônicas, a irmã de Josiel das Virgens, Denise, comentou com a então namorada do réu que ele – de dentro do presídio - estava ventilando a ideia de “assassinar o delegado”, que à época conduzia as investigações.
O PM José Alacides procurou o investigador da Polícia Civil Josemar da Conceição Azevedo, contou que no crime havia a participação de policiais militares e sugeriu que as investigações não fossem adiante, pois se a verdade viesse à tona haveria revolta popular e a corporação cairia em descrédito. Isso fez com que a promotora Liliane Rodrigues, passasse a ser escoltada diuturnamente por PMs de Belém, selecionados pelo procurador-geral de Justiça.
De acordo com as investigações, no dia 12 de fevereiro de 2010, a caminhonete do fazendeiro foi interceptada por um carro, na vicinal “Garrafão”, quando Everaldino, acompanhado de sua companheira e filho, por volta das 19h30, se deslocava para a Fazenda Graciosa, localizada na área rural do município. O PM Edson Gomes, segundo a promotoria, teria sido o mentor intelectual da ação.
“Apurou-se nas investigações e na instrução judicial, que o fazendeiro assassinado tinha comportamento pacato. Morava na região há muitos anos, não ostentando inimigos, bem como possuía relação amistosa com as pessoas com quem se relacionava, salvo com a primeira família, incluindo-se aí o filho e denunciado Josiel das Virgens e com Doraci das Virgens, esposa com quem ainda continuava casado, porém de fato trocada pela “amante de longa data” do fazendeiro e companheira até a morte, cujo relacionamento remete há muitos anos atrás, sendo que com esta possuía filho, também morto no triplo homicídio”, relatou o magistrado na sentença.
O mesmo cuidado teve que ser redobrado pelo Tribunal de Justiça com a segurança pessoal do juiz Gabriel Costa Ribeiro, com PMs de Marabá.
Famílias foram torturadas e ameaçadas de morte por PMs
O magistrado Gabriel Costa Ribeiro relata que em Rondon do Pará civis – duas famílias - foram retirados de dentro de suas casas, extorquidos e levados para dentro do quartel da PM para serem torturados, em 2009.
Após serem libertados, no momento em que procuraram socorro no Ministério Público – dentro do Fórum - receberam ligações de número privado com ameaças de morte. Após a quebra de sigilo foi constatado que as vítimas – na sala do Parquet – eram ameaçadas pelo telefone de um dos PMs autores do fato.
Em manifestação nos autos do processo nº 2009.2.000434-4 (envolvendo tortura e extorsão cometidas também por outros policiais militares), o MP sintetizou a sensação de medo e descrença nas autoridades constituídas, vivenciada pela população local em face de crimes truculentos e impunes que há muitos anos assolam os rondonenses.
Quando ao julgamento do caso citado, o juízo de Rondon condenou três policiais militares: Sandro Fabiano, Pablo Kadide e André Sosinho por tortura, extorsão e invasão de domicílio. Logo após saberem da sentença – e mesmo antes disso – o magistrado sofria pressões por parte de PMs. Em ato extremo, com finalidade de coagir o juiz, a tropa adentrou o Fórum, sem autorização, fortemente armada, causando temor e insegurança.
ESTARRECEDOR
Foi preciso pedir providências ao juiz militar José Roberto Maia Bezerra Jr. . O relato do magistrado é estarrecedor, porque se tal ameaça é perpetrada contra um membro do Poder Judiciário, imagine-se sobre populares.
O juiz Gabriel Costa Ribeiro conta que Rondon do Pará é uma cidade com história trágica, contabilizando centenas de crimes de pistolagem impunes, e que os cidadãos, quando não têm a vida ceifada barbaramente, por encomenda, são obrigados a conviver com o terror da “lei do silêncio”, posto que “quem fala pode morrer”, o que faz com que seja difícil a elucidação de tais crimes.
(Diário do Pará)
Para o MPE, muitos moradores do município deixam de contribuir com a Justiça em razão do medo. Usam o brocardo “não sei, não vi, não põe ninguém na cadeia”. Diz a promotoria: “Lavam as mãos como Pilatos e vários crimes aqui em Rondon ficam sem solução. Deste modo, não há como não conferir crédito para as informações prestadas pelas vítimas, que tiveram a coragem em testemunhar”.
Por conta disso, o fiscal da lei defende o “expurgo” da sensação de impunidade para que a credibilidade das instituições junto à população possa ser resgatada. “Chega de exemplos de crimes sem investigação profunda. Basta de sensação de insegurança, principalmente quando a polícia, que deveria representar a segurança, é a primeira a violar os direitos”, ataca o MPE. E acrescenta que se é verdade que o Pará é terra de direitos, como tal devem seus agentes se portar, e não o contrário.
A discussão entre os ministros do STJ dizia respeito à matança ocorrida em fevereiro de 2010 em Rondon do Pará. Sete pessoas, cinco delas policiais militares, foram pronunciadas pela Justiça e devem ir a Júri Popular brevemente, em processo desaforado para Belém. O crime foi de extrema frieza e crueldade. O filho, para ficar com toda a herança da família, é acusado de mandar matar o pai, a mãe e o irmão menor de 14 anos.
As vítimas foram o fazendeiro Everaldino Vilas Boas de Almeida, a companheira dele, Rosa Amélia da Silva, além do filho do casal, Jadson da Silva Almeida. Os três foram mortos com vários tiros em uma emboscada, quando se dirigiam de caminhonete por uma estrada vicinal até a fazenda de Everaldino.
O suposto mandante é Josiel das Virgens Almeida. O rapaz, filho do primeiro casamento do fazendeiro, era tido pelo próprio pai como alguém que não queria trabalhar e de só gostar de boa vida. Segundo as investigações, Josiel queria a imediata divisão dos bens, pedido negado pelo pai. A mulher do fazendeiro e seu filho menor foram mortos para que a herança não precisasse ser dividida.
OMISSÃO
A investigação apontou que o triplo homicídio foi planejado por Josiel das Virgens Almeida, Edson Gomes Ferreira, Humberto Lima Coelho, Carlos Alberto Lima Coelho, Valdeci Pinheiro da Silva e Paulo Sena Aleixo, sendo que estes quatro últimos acusados executaram o crime. O habeas-corpus negado pelo STJ era em favor de um dos denunciados pelo MPE, o cabo da Polícia Militar José Alacides Santos Barros.
Relator do processo, o ministro do STJ, Og Fernandes, destacou em seu voto que, embora o cabo Alacides não seja acusado de participação direta na execução do crime, responde por “omissão imprópria”, pois os autos descrevem que tinha amplo conhecimento do planejamento da ação criminosa e “não fez nada para impedi-la”. Ele disse que a partir de informações obtidas pelas interceptações telefônicas, o cabo ainda intercedeu em favor dos executores, após a consumação dos crimes, tentando intimidar o agente responsável pela investigação, “na busca de garantir a impunidade dos colegas envolvidos”.
Para Fernandes, as circunstâncias do crime demonstram de maneira concreta a alta periculosidade de Alacides, que além de tudo ostenta a condição de policial militar, de quem se espera justamente conduta voltada para o combate ao crime e a promoção da segurança da sociedade.
Juiz e promotora precisaram de escoltas
A pedido do Ministério Público e com a concordância do juiz da comarca de Rondon do Pará, Gabriel Ribeiro, a transferência (desaforamento) do julgamento dos acusados para Belém foi aceita pelo Tribunal de Justiça. O ministro Og Fernandes observa que a fundamentação do pedido assombra pela violência relatada. Durante as interceptações telefônicas, a irmã de Josiel das Virgens, Denise, comentou com a então namorada do réu que ele – de dentro do presídio - estava ventilando a ideia de “assassinar o delegado”, que à época conduzia as investigações.
O PM José Alacides procurou o investigador da Polícia Civil Josemar da Conceição Azevedo, contou que no crime havia a participação de policiais militares e sugeriu que as investigações não fossem adiante, pois se a verdade viesse à tona haveria revolta popular e a corporação cairia em descrédito. Isso fez com que a promotora Liliane Rodrigues, passasse a ser escoltada diuturnamente por PMs de Belém, selecionados pelo procurador-geral de Justiça.
De acordo com as investigações, no dia 12 de fevereiro de 2010, a caminhonete do fazendeiro foi interceptada por um carro, na vicinal “Garrafão”, quando Everaldino, acompanhado de sua companheira e filho, por volta das 19h30, se deslocava para a Fazenda Graciosa, localizada na área rural do município. O PM Edson Gomes, segundo a promotoria, teria sido o mentor intelectual da ação.
“Apurou-se nas investigações e na instrução judicial, que o fazendeiro assassinado tinha comportamento pacato. Morava na região há muitos anos, não ostentando inimigos, bem como possuía relação amistosa com as pessoas com quem se relacionava, salvo com a primeira família, incluindo-se aí o filho e denunciado Josiel das Virgens e com Doraci das Virgens, esposa com quem ainda continuava casado, porém de fato trocada pela “amante de longa data” do fazendeiro e companheira até a morte, cujo relacionamento remete há muitos anos atrás, sendo que com esta possuía filho, também morto no triplo homicídio”, relatou o magistrado na sentença.
O mesmo cuidado teve que ser redobrado pelo Tribunal de Justiça com a segurança pessoal do juiz Gabriel Costa Ribeiro, com PMs de Marabá.
Famílias foram torturadas e ameaçadas de morte por PMs
O magistrado Gabriel Costa Ribeiro relata que em Rondon do Pará civis – duas famílias - foram retirados de dentro de suas casas, extorquidos e levados para dentro do quartel da PM para serem torturados, em 2009.
Após serem libertados, no momento em que procuraram socorro no Ministério Público – dentro do Fórum - receberam ligações de número privado com ameaças de morte. Após a quebra de sigilo foi constatado que as vítimas – na sala do Parquet – eram ameaçadas pelo telefone de um dos PMs autores do fato.
Em manifestação nos autos do processo nº 2009.2.000434-4 (envolvendo tortura e extorsão cometidas também por outros policiais militares), o MP sintetizou a sensação de medo e descrença nas autoridades constituídas, vivenciada pela população local em face de crimes truculentos e impunes que há muitos anos assolam os rondonenses.
Quando ao julgamento do caso citado, o juízo de Rondon condenou três policiais militares: Sandro Fabiano, Pablo Kadide e André Sosinho por tortura, extorsão e invasão de domicílio. Logo após saberem da sentença – e mesmo antes disso – o magistrado sofria pressões por parte de PMs. Em ato extremo, com finalidade de coagir o juiz, a tropa adentrou o Fórum, sem autorização, fortemente armada, causando temor e insegurança.
ESTARRECEDOR
Foi preciso pedir providências ao juiz militar José Roberto Maia Bezerra Jr. . O relato do magistrado é estarrecedor, porque se tal ameaça é perpetrada contra um membro do Poder Judiciário, imagine-se sobre populares.
O juiz Gabriel Costa Ribeiro conta que Rondon do Pará é uma cidade com história trágica, contabilizando centenas de crimes de pistolagem impunes, e que os cidadãos, quando não têm a vida ceifada barbaramente, por encomenda, são obrigados a conviver com o terror da “lei do silêncio”, posto que “quem fala pode morrer”, o que faz com que seja difícil a elucidação de tais crimes.
(Diário do Pará)
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