domingo, 18 de março de 2007
Licor
Pela noite cega, sob o mormaço do céu,
vai pela orla um roçar macio e quente
de saias, sedes, frenesis, ansiedade.
Um minotauro ruge. Em torno dele, a cidade
- metade bicho, outra metade gente -,
redemoinha áspera como um carrossel.
Não há luar. Nenhuma estrela sobressalta.
Há só promessa, na distante madrugada.
Enquanto baila o desvario sob a mansarda,
uma argamassa de suor luminescente
esmalta risos e amores na calçada,
dentro da noite de vinil sonora e mansa.
À minha ilharga alguém conversa em voz alta
e traça planos de beber com prostitutas:
“Essas meninas, diz um deles, são astutas...”
O outro, longe, distraído, nem o escuta,
eu olho e vejo nelas duas faces de criança.
A luz é prata deste lado da enseada;
a praia, além, um boto imerso em negritudes;
a festa em terra soa como arlequinada
e o rio no cio guarda no leito plenitudes.
Do prédio a prumo partem sons em revoada,
trincar de taças, gargalhadas e um perfume.
São artimanhas do amor, do negro ciúme
- inconfidências que o licor torna profanas.
Vive-se, aqui, à beira da sorte humana.
Há, neste multiplicar de luzes e espelhos,
signos arcanos, totens místicos, reflexos
da magia ancestral que põe no ar os nexos
do sonho, da água, das coisas transumanas,
e onde o destino imprime a ferro suas marcas.
Para além do horizonte, tecem as parcas
o inventário do que somos. E se engana,
ó deus do desperdício e das quimeras,
quem ouve só a melodia dos teares velhos,
enquanto a vida passa-lhe entre os joelhos!...
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